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Narrar histórias no processo penal é diferente de contar lorotas

O artigo aborda a importância da narrativa no processo penal, destacando como a construção de histórias impacta a decisão do julgador, que deve navegar entre os elementos da trama e a aplicação da pena. O autor ressalta que a capacidade de emocionar e envolver o julgador pode ser decisiva, além da necessidade de uma argumentação clara e estratégica, que considere os dilemas morais envolvidos. A articulação dos personagens e a tática narrativa são fundamentais para a persuasão, refletindo a diferença entre profissionais e amadores na defesa penal.

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Na construção da argumentação devemos atentar que a atenção do julgador inquisidor está em dois focos diferenciados e paralelos: a) na trama da ação praticada, e, b) na possibilidade de aplicar uma lição (pena) e melhorar o acusado (aos que acreditam), satisfazer a vítima, bem como cumprir a função social do julgador e gerar efeitos em sua reputação.

E a história precisa, muitas vezes, ser capaz de emocionar o julgador (positiva ou negativamente). O foco no personagem principal precisa ser analisado. Poderemos cair na armadilha de que o acusado é sempre o personagem, afinal de contas ele sofrerá os efeitos da condenação, mas pode ser que ele ocupe, na trama, papel secundário. Para que possamos compreender o contexto de cada processo, então, as recompensas poderão nos mostrar quem é o personagem principal.

A relevância do caso penal, dos personagens, de quem pode ser “vilão” ou “bandido”, enfim, da trama processual. O suspense, diante da incerteza do que poderá acontecer, bem assim o mistério pelo que não se sabe, podem ser argumentos matadores. A articulação dos jogadores, portanto, precisa engajar o julgador em face de seu papel decisivo de validador das versões (condena ou absolve). Uma articulação pobre ou fantástica, desprovida de realidade, não inspira o julgador, restando abandonada no percurso.

Cabe lembrar que o julgador não terá, em princípio, qualquer punição ou prejuízo por uma decisão condenatória ou absolutória, estando, portanto, em posição segura, afinal, espera-se dele um juízo sobre a verificação (provado/não-provado) dos fatos e aplicação do tipo penal (configurado/não-configurado). O engajamento do julgador em uma das teses poderá fazer a diferença. Um julgador “passeando” pelas narrativas pode ser pouco sedutor. A capacidade de colocar o julgador nas posições – em primeiro plano – pelo olhar da vítima ou do acusado, pode fazer toda a diferença. E isso se aprende, também. Alguns escrevem e falam de maneira envolvente, enquanto outros precisam de ajuda. Aí reside uma das diferenças entre jogadores profissionais e amadores.

A tática narrativa depende do lado em que se encontra o jogador. Enquanto o acusador descreve a conduta na denúncia e procura demonstrar a culpa do acusado em face do verbo do tipo (furtar, roubar, estuprar, traficar, etc.), indicando que o dilema (fazer ou não fazer) deveria ser respondido negativamente, a defesa, por seu turno, pode assumir – confessar – a conduta ou deve sugerir que o caminho eleito pelo acusado era o melhor, valendo-se também dos erros de avaliação do senso comum. Com isso poderá deslocar a configuração do injusto penal.

Precisamos entender qual a estratégia (objetivo) dos jogadores/julgadores, quais os obstáculos/conflitos que impedem de chegar até onde se quer e bem assim quais as recompensas que o impelem. Mapear o conflito (interno) e obstáculo (externo), justamente para demarcar o que significa, naquele caso o conflito (cognitivo, de mapa mental) ou obstáculo (probatório-teórico). Com isso, a tática pode se vincular ao esclarecimento do conflito ou obstáculo[1].

Um exemplo pode auxiliar. Os jogadores/julgadores sabem da possibilidade de armação, criação e “carregamento das cores” por parte de alguns agentes policiais. A questão será a de como contaminar o caso penal com essa probabilidade. Invocar genericamente que isso pode acontecer não gera, prima facie, adesão. Por isso, deve-se sublinhar os dilemas morais na análise de casos penais (dilemas familiares, magistrados, membros do Ministério Público[2]). Os dilemas morais não são privilégio dos acusados, já que todos os jogadores podem, no íntimo, enfrentar situações angustiantes.

Assim, se durante uma abordagem é encontrada droga e um dos policiais diz que, se o sujeito não assumir, levará também, como coautor, a mulher e/ou o filho, por mais que seja verdade, normalmente não será dito pelo policial em juízo. O que você faria nesse caso? Acreditar que bradar por inocência basta é discurso ingênuo e ultrapassado. É preciso dotar-se de táticas argumentativas. E as histórias dependem do contexto dos jogos processuais. Sem uma boa história, todavia, raramente se convence. Mas ela deve ser baseada em indícios de fato (tática de perguntas), além do que a construção argumentativa genérica, capaz de atrair a atenção do julgador, criando o suspense hábil de instaurar a dúvida razoável.

Não devemos, por razão nenhuma, nas alegações finais orais, por exemplo, trazer longo arrazoado para leitura. É um tiro no pé. A busca de referências, a produção de esquema argumentativo, auxiliam muito, mas não podem substituir a performance oral. Por isso no subjogo das alegações finais devemos antes: (a) ter claro para nós o que está sendo imputado e qual a estratégia mantida/modificada; b) recuperar as informações relevantes e que possam chamar a atenção do julgador, conforme seu mapa mental e suas recompensas; e c) utilizar tática argumentativa de indicação, convergindo os argumentos de modo claro e robusto em face da estratégia, valorando a prova e sublinhando o melhor argumento ao final. Além disso deve-se ter postura, linguagem corporal, bem assim controle sobre as emoções e a voz. Apresentar alegações finais sem acreditar no que é dito ou de maneira burocrática é tática dominada.

[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

[2] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Discrição judicial na dosimetria da pena. Fundamentação suficiente. Revista do IAP, n. 21, p. 150-152: “O juiz, antes de ser uma máquina de decisão, é um ser humano. Um homem que sofre, que tem paixão, que tem emoção, que tem sentimento; que tem os mesmos problemas que qualquer outro mortal e, consequentemente, também tem a possibilidade de errar, coisa que, em geral, não admitimos e, em particular eles mesmos”.

Referências

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