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Engane-me se puder: a linguagem corporal entra no jogo processual?

O artigo aborda a relevância da linguagem corporal no contexto processual, enfatizando como comportamentos não verbais podem informar e influenciar a dinâmica de depoimentos e interações judiciais. O autor, Alexandre Morais da Rosa, destaca a importância de interpretar sinais corporais, como posturas e gestos, que muitas vezes revelam mais do que as palavras. Além disso, ressalta que um entendimento aprofundado dessa linguagem pode preparar os agentes judiciais para lidar melhor com possíveis manipulações e aprimorar suas estratégias de atuação.

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Há farta bibliografia vulgarizada sobre o assunto. Por isso, precisamos peneirar o que pode ser útil, mesmo nos valendo de livros vendidos no mercado de grande público[5]. O comportamento não verbal pode ser fonte de indicativos relevantes no decorrer do jogo processual. E o corpo nos entrega muitas vezes, pois uma parcela significativa de nossas ações não passa pelo sistema reflexivo, pois são automáticas e intuitivas. Desde cruzar os braços, arregalar os olhos, fazer cara de espanto, expor sarcasmo, jogar o corpo para trás, cruzar os braços, tudo passa pelo o que dissemos e fundamentalmente pelo o que nosso corpo diz, mesmo quando estamos despistando. Sabemos, todavia, a diferença entre um sorriso sincero e um falso/forçado.

Daí que indicar a importância na capacitação em mecanismos de leitura corporal parece importante ao agente processual que não queira desprezar sinais — postura corporal, gestual e expressões faciais — que podem modificar a tática, por exemplo, no decorrer de um depoimento judicial. Além do que, no próprio comportamento processual do jogador/julgador, a postura, o gestual, as expressões, os olhares, enfim, o modo como se apresenta para interação pode alterar o resultado (Efeito Borboleta).

Pode-se objetar, de plano, que o domínio da linguagem corporal serve à manipulação. Entretanto, a linguagem corporal é prática comum nas abordagens e interrogatórios policiais e judiciais, fazendo com que, ao dominar a temática, possamos preparar-nos melhor para enfrentar quem usa ou não, no limite da ética. Afinal, caso você enfrente um jogador/julgador que as domina (ou acredita nelas), não saberá nem sequer que está sendo manipulado. Esse viés, então, fornece mecanismos para contingenciar a manipulação e compreender como o corpo, queiramos ou não, diz.

Não se trata de um dicionário em que uma ação isoladamente implique em conclusões, pois isso seria adotar uma postura selvagem e de um indutivismo ingênuo. Podemos, em todos os casos, todavia, ficar atento a três fatores: (a) qual o meu efeito sobre os padrões de percepção dos demais?; (b) quais indicativos corporais a testemunha, jogador, julgador fornecem e com que objetivos (conscientes ou não)?; e (c) qual o ambiente (amigável/hostil — depoente eventual/depoente profissional) em que a interação se desenvolve?

Ao contrário das palavras, somos capazes de controlar conscientemente pequena parcela da linguagem corporal, embora possamos ensaiar e treinar para mentir, inclusive com utilização de doping (drogas etc.). A relação entre o que se diz e se faz pode se dar: a) pela confirmação (são coerentes); b) a linguagem corporal substitui ao dito (o corpo se expressa sem fala); e c) pela negação (são incoerentes)[6]. No primeiro caso, o depoimento da vítima angustiada em conformidade com sua postura corporal, enquanto no segundo, muito comum, aliás, no decorrer do júri, o jurado balança a cabeça positiva ou negativamente, e, no terceiro, o corpo se manifesta ao contrário.

Claro que pessoas introvertidas (tímidas) e extrovertidas (expansivas), por exemplo, apresentam padrões corporais diversos[7]. E os traços pessoais, muitas vezes, devem ser expostos pelos jogadores para evitar que se tenha impressões de insinceridade ou de mentira. A dissimulação também é muito arriscada porque gera a dissonância entre linguagem e corpo, conferindo impressão negativa, talvez antipatia, com efeitos na “credibilidade das declarações”. Em se tratando de processo penal, muitas vezes o lugar do acusado e da vítima é difícil e, portanto, compreender o incremento do ambiente forense é importante. A recordação de eventos que estão sob julgamento faz com que o gestual transpareça a recordação das sensações, dolorosas ou alegres, gerando, com isso, estados corporais que podem ser vasculhados.

A postura do agente processual na audiência negativa (abatido, triste, ombros caídos, cabeça baixa e canto de boca caídos) ou positiva (erguido, feliz, peito aberto, cabeça para cima) altera tanto a percepção sobre os acontecimentos como também dos demais sobre sua disposição sobre os fatos. O cuidado com o deslizamento na arrogância, todavia, deve ser constante. A linguagem corporal, durante a audiência, acontecerá. Como podemos nos preparar depende da atitude de cada um.

Podemos imaginar a seguinte situação que já nos aconteceu muitas vezes. Ao adentrarmos na sala de audiência e vasculharmos quem está presente, ou mesmo depois, quando uma testemunha adentra, nosso mecanismo crítico está presente, sem que nos demos conta, sendo que: a) no primeiro minuto, avaliamos a idade dos presentes, a aparência, as funções, e classificamos como ameaçador ou acolhedor; b) no segundo e no terceiro minutos, verificamos os detalhes do corpo, das mãos, das vestimentas, da postura corporal e ficamos atentos à voz e seu tom; c) no máximo no quarto minuto, já temos a primeira impressão sobre a pessoa, sem muita reflexão, antes mesmo de dialogarmos. E, mais uma vez, os detalhes (Efeito Borboleta) comparecem, pois basta um único sinal, certa arrogância, risinho de canto de boca, roupa fora do contexto, postura, contato visual, para que tenhamos um julgamento sobre o sujeito, naquilo que a psicologia cognitiva denomina de heurística e vieses, com os quais diminuímos a carga de trabalho mental e manejamos melhor o dia a dia. São atalhos mentais pelos quais o complexo processo de decisão é facilitado[8].

Em jogos repetidos com os mesmos jogadores, então, o domínio da linguagem corporal pode ser um ganho. Trabalhei com diversos membros do Ministério Público e conseguia perceber, por sua postura corporal e facial, na maioria das vezes, o momento em que se desistia da acusação, em que se estava em dúvida, enfim, o momento de virada, assim como com defensores justamente no momento em que “jogavam a toalha”. Com as declarações gravadas, cada vez mais desde a delegacia de polícia, conhecer a linguagem corporal é um incremento informacional capaz de ser utilizado na argumentação e de delinear as opções táticas.

Se você não concorda comigo, já pode ter balançado a cabeça negativamente, esbravejado, jogado o corpo para trás, mostrando, definitivamente, que estou redondamente enganado, ou não.

Bom final de semana.

[1] PECZENIK, Alelsander. On Law and Reason. Springer Science+Bussines Media Dorderech, 1989, p. 114 e sgts. [2] MATSCHNIG, Monica. Linguagem corporal. Trad. Fernanda Romero. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 13: “Você imaginaria que, quando encontramos uma pessoa pela primeira vez, 93% do que comunicamos é por nossa linguagem corporal? 55% da nossa atenção direciona-se à postura, ao gestual e à expressão facial do interlocutor, e outros 38% ao volume ou à melodia da voz. Sendo assim, o conteúdo do que ouvimos, em oposição à maneira como nos é transmitido, nos interessa 7%. Nenhuma surpresa, pois a linguagem corporal do interlocutor nos revela mais sobre a sua personalidade do que mil palavras”. [3] BORG, James. A arte da linguagem corporal. Trad. Gustavo Mesquita. São Paulo: Saraiva, 2015; GUGLIELMI, Anna. A linguagem secreta do corpo: a comunicação não verbal. Trad. Denise Jardim Duarte. Petrópolis: Vozes, 2014; MATSCHNIG, Monica. Linguagem corporal. Trad. Fernanda Romero. Petrópolis: Vozes, 2015; SCHAFER, Jack; KARLINS, Marvin. Manual de persuasão do FBI. Trad. Felipe C. F. Vieira. São Paulo: Universo dos Livros, 2015; CAMARGO, Paulo Sérgio de. Linguagem Corporal: técnicas para aprimorar. São Paulo: Summus, 2010; PEASE, Allan; PEASE, Barbara. Desvelando os segredos da linguagem corporal. São Paulo: Sextante, 2005; JAMES, Judi. Linguagem corporal no trabalho. Rio de Janeiro: Best Seller, 2008; DAVIS, Flora. A comunicação não verbal. São Paulo: Summus, 1979. [4] DIJK, Teun A. van. Discurso e Contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2012, p. 11: “A tese de que os contextos são construtos subjetivos dos participantes também dá conta da unicidade de cada texto ou conversa (ou de seus fragmentos), bem como da base comum e das representações sociais compartilhadas pelos falantes, na medida em que são aplicadas em sua definição da situação que chamamos de contexto”. [5] MATSCHNIG, Monica. Linguagem corporal. Trad. Fernanda Romero. Petrópolis: Vozes, 2015. [6] MATSCHNIG, Monica. Linguagem corporal. Trad. Fernanda Romero. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 20: “Como bloquear sentimentos com o corpo: Erga as sobrancelhas o mais alto que puder, arregalando bem os olhos, e então tente se sentir e parecer furioso. Provavelmente será impossível não rir de si mesmo durante essa tentativa frustrada. Você tampouco conseguirá ter pensamentos negativos enquanto girar os olhos e passar a língua sobre os lábios. Em contrapartida, você terá muita facilidade para demonstrar aborrecimento se estiver contraindo as sobrancelhas. Mas você é capaz de rir ou pensar em algo bonito enquanto faz isso? Agora cerre os dentes com firmeza e tente pensar positivo. Praticamente impossível, não é?”. [7] MATSCHNIG, Monica. Linguagem corporal. Trad. Fernanda Romero. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 16: “Observe uma pessoa muito extrovertida: toda a sua linguagem corporal parece vívida e cheia de energia. Isso se manifesta tanto nos gestos amplos e efusivos, executados predominantemente de dentro para fora, quando em sua expressão facial significativa. Além de postura ereta, esse tido é caracterizado por sua forma rápida e balançante de andar. Bem diferente do tipo introvertido: nele tudo parece contido — pouca expressão facial, gestos pequenos, a maioria de fora para dentro, e postura curvada. Em linguagem corporal mínima revela pouco, razão pela qual pessoas desse tipo são pouco transparentes (à primeira vista)”. [8] STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Trad. Anna Maria Luche. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

Referências

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