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Direito Penal não dá mais do que se pede e engana quem quer

O artigo aborda a problemática do excesso de ações penais, destacando que o Direito Penal não pode oferecer mais do que solicitado e que muitos processos são desnecessários, principalmente em casos de furto onde a vítima não deseja punição. A discussão gira em torno da distinção entre acesso autêntico à Justiça e ações meramente patrimoniais, defendendo a necessidade de refletir sobre o custo do sistema judicial e como a litígiosidade abusiva impacta sua eficiência. Além disso, enfatiza que a verdadeira solução para questões sociais não deve ser a penalização dos pobres, mas um repensar das práticas jurídicas atuais.

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Nos casos de ações propostas no âmbito criminal, sem antecipação de recursos — e não se está defendendo que o Ministério Público pague custas iniciais — pode ser lida pela Tragédia dos Comuns. Para tanto, cabe promover o debate sobre a distinção entre acesso à Justiça autêntico do inautêntico, consoante tese defendida por Júlio Cesar Marcellino Jr, no curso de doutorado, na UFSC, em 2014, sob o título: O direito de acesso à Justiça e a análise econômica da litigância: a maximização do acesso na busca pela efetividade. Alguma reflexão é indispensável.

Por exemplo, nos casos de furto (CP, artigo 155) a situação beira o paroxismo do caos. Muitas vezes a vítima, indagada em audiência por defensores, afirma que compreende as dificuldades do acusado (na sua grande maioria pobre e/ou viciado), o bem lhe foi devolvido (sem prejuízo), bem assim que não pretende qualquer punição.

Fica a pergunta: quando o proprietário da res furtiva direta ou indiretamente reconhece o seu desinteresse na persecução penal, o que cabe ao Estado? Dizer que regra preconiza isto ou aquilo é por demais legalista e rasteiro. No caso de dignidade sexual, por exemplo, antes era ação penal privada e hoje é ação penal condicionada à representação. Qual o bem jurídico tutelado? A dignidade sexual. No furto, sem violência nem grave ameaça, por definição, pode o Estado se arvorar com legitimidade desconsiderando a tutela constitucional dos bens jurídicos em jogo. No cotejo entre dignidade sexual e patrimônio pouca dúvida resta de que o primeiro prepondera. Tanto assim que o Projeto de Lei n. 156/10, do novo Código de Processo Penal, estabelece em seu artigo 46: “Será pública, condicionada à representação, a ação pena nos crimes de falência, nos crimes contra o patrimônio, material ou imaterial, quando dirigidas exclusivamente contra bens jurídicos do particular e quando praticados sem violência ou grave ameaça contra a pessoa”. Esta autorização para que o Poder Legislativo possa estabelecer limites, na verdade, busca uma atualização que a doutrina já vinha há muito exigindo: no caso de bens disponíveis, descabe a ação direta do Estado.

Pelos levantamentos existentes um processo custa, em média, dois mil reais, sem contabilizar os demais custos agregados (Polícia, Defensoria, Ministério Público, etc.). Sobre isso é preciso marcar alguma coisa. Por mais que se discorde parcialmente[1] da base teórica lançada por Flávio Galdino[2], não se pode negar que o exercício do direito de demandar em juízo “não nasce em árvore.” O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do direito de ação. O exercício do direito de ação, sem custos, deve, para o fim de se acolher pretensões meramente patrimoniais, dar-se pela via da Tragédia dos Comuns.

A Tragédia dos Comuns é um tipo de armadilha social de fundo econômico que envolve o paradoxo entre os interesses individuais ilimitados e o uso de recursos finitos. Por ela, se declara que o livre acesso e a demanda irrestrita de um recurso finito (Jurisdição) terminam por condenar estruturalmente o recurso por conta de sua superexploração. Em face dos limitados recursos do Poder Judiciário e de sua capacidade de assimilação, a propositura de ações abusivas, frívolas ou de cunho meramente patrimonial (bagatela, insignificantes), sem custo, pode gerar o excesso de litigância (abusivo ou frívolo). O custo de um processo é assimilado pela coletividade e pelos demais usuários na forma de uma externalidade negativa, ou seja, os processos que deveriam ser julgados não podem, pela acumulação de ações inautênticas[3]. Por isso, Júlio Marcellino Jr[4] aponta:

“O modelo tradicional de acesso à Justiça, seja em sua versão clássica ainda defendida por muitos, seja em sua versão atual baseada no modelo gerencial e de eficiência, ainda se mostra precária e insuficiente para dar conta de toda a demanda de ações judiciais. Em outras palavras, entende-se que tal modelo ainda não alcançou, apesar dos significativos avanços, efetividade em nível razoável. Isto porque há uma evidente saturação da capacidade de resposta do Judiciário. Há uma parcela da demanda judicial, e que representa muito em termos de volume, de ações propostas em caso de litigância frívola, ações repetitivas, e litigantes habituais. Entende-se, e defende-se como questão central a partir deste estudo, que nesses casos, de baixa probabilidade de êxito em demandas ou na hipótese de demandas repetitivas, há um flagrante abuso de direito de ação.”

É claro que os viciados em punição e que apostam suas fichas no Direito Penal, num país com a terceira posição no ranking mundial de segregados, pensam que se prende pouco. Esses deveriam entender que o Direito Penal não pode dar mais do que se pede a ele, ou seja, o Direito Penal sempre chega atrasado e não possui os efeitos que promete. O Direito Penal engana quem deseja ser enganado. O encaminhamento da questão social não pode ser realizada pela prisão dos miseráveis, como aponta Zaffaroni.[5] Quando é rico, vira cleptomaníaco. Sempre.

Em situações que possa haver tipicidade formal de crimes patrimoniais, mesmo assim, materialmente a conduta que não cause prejuízo, nem tenha interesse da vítima, significa uma violência alienada e de atores jurídicos que não pensam no custo de manutenção do sistema penal. São perdulários investidos em funções públicas, incapazes de pensar para além do formalismo e, portanto, juristas do século passado que não se dão conta de que ação penal não dá em árvores.

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