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A decisão de pronúncia como garantia e os elementos do inquérito

O artigo aborda a importância da decisão de pronúncia como um mecanismo de proteção jurídica que impede o julgamento de réus baseados apenas em elementos do inquérito policial. Os autores, Rodrigo Faucz e Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, discutem a necessidade de provas consistentes que sustentem a acusação antes de levar casos ao Tribunal do Júri, alinhando-se a decisões do STJ e do STF que reforçam a proteção dos direitos dos acusados e a integridade do processo judicial. Além disso, enfatizam que todos os elementos devem ser devidamente comprovados e submetidos ao contraditório, evitando condenações injustas.

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A decisão de pronúncia é aquela que admite a acusação oferecida para encaminhar o acusado a julgamento perante o júri. Na decisão, o juiz competente precisa declarar a existência, em grau de probabilidade, da autoria ou participação do agente em um crime doloso contra a vida e, em grau de comprovação, a sua materialidade.

A pronúncia deve funcionar como um filtro de proteção do cidadão, pois impede que acusações sem lastro probatório desaguem em julgamentos pelo Tribunal do Júri. O julgamento sem uma análise de admissibilidade segura gera o risco de o acusado ser condenado pelo Conselho de Sentença em desrespeito aos standards de prova exigidos pelo sistema acusatório, eis que os jurados decidem por íntima convicção.

Os requisitos da decisão de pronúncia estão previstos no artigo 413 do Código de Processo Penal (CPP): existência de materialidade (como “conjunto de elementos objetivos que demonstra que a ação criminosa se externalizou” [1]); e a existência de indícios suficientes de autoria (como provas que indiquem que o acusado realmente foi o autor ou partícipe do delito). Isto é, necessita-se haver standards de prova consideravelmente seguros que apontem o acusado como autor do crime.

No último dia 2, a ConJur publicou uma notícia sobre a anulação de condenação do júri de réu pronunciado com base em elementos apenas do inquérito.

A decisão da 6ª Turma, na lavra do relator, o ministro Rogerio Schietti, reconheceu a necessidade inexorável de a decisão de pronúncia estar baseada em provas (conceituada em sua acepção jurídica), ou seja, elementos que tenham sido submetidos ao contraditório em fase judicial [3]. A partir do momento em que não há produção probatório em juízo — na instrução da primeira fase do procedimento —, a acusação não pode ser admitida.

A decisão do STJ, em entendimento consolidado em ambas as turmas, é particularmente importante por conta de que foi reconhecida a nulidade desde a decisão de pronúncia, não obstante o acusado tenha sido condenado em Plenário pelo Conselho de Sentença.

Assim, trata-se de nulidade absoluta por “evidente vulneração ao devido processo legal”, até mesmo porque o prejuízo, nesse caso, restou comprovado pelo próprio título condenatório que resultou o julgamento.

Perceba-se que os juízes a quo e desembargadores dos Tribunais de Justiça devem prestar especial atenção aos eventuais recursos em sentido estrito, evitando que se corra o risco de que acusados sejam submetidos a julgamento, mesmo sem qualquer elemento idôneo para lastrear a admissibilidade. Permitir que o júri condene o acusado sem que os elementos de informação produzidos na fase inquisitorial sejam corroborados e filtrados pelo contraditório viola o disposto no artigo 155 do CPP [4], bem como os princípios constitucionais do devido processo legal, plenitude de defesa, contraditório e presunção da inocência.

Para concretização de tais princípios e, como forma de reconhecer que o inquérito policial tem sua função limitada para a formação do opinio delicti do Ministério Público, que se faz cada vez mais fundamental reconhecer a necessidade de afastar os elementos informativos do processo judicial (e, ainda mais, no procedimento para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida).

Também é importante apontar que a decisão do STJ está em consonância com a orientação do próprio Supremo Tribunal Federal, que reconheceu no HC 180.144 de 2020 que “não se pode admitir que o juiz togado deixe de realizar a sua função institucional no procedimento do júri, a qual impõe que a primeira fase se consolide com um filtro para evitar a submissão de casos temerários à decisão dos leigos”. Naquele julgamento, complementou o relator, ministro Celso de Mello, que “em respeito ao contraditório e à presunção de inocência, a decisão de pronúncia não pode se embasar exclusivamente em elementos produzidos na fase de investigação preliminar, aplicando-se os limites previstos no artigo 155 do CPP”.

Frise-se que a mesma lógica deve ser utilizada para as qualificadoras, pois alteram significativamente o parâmetro punitivo. A partir do momento em que não há elementos probatórios seguros, as eventuais qualificadoras não podem ser admitidas.

Por derradeiro, sempre lembramos que o Tribunal do Júri possui previsão constitucional e está localizado sistematicamente no título direitos e garantias fundamentais. A garantia do júri se consubstancia a partir do procedimento adotado, nesse caso, o escalonado. Assim, toda interpretação das regras deve servir a mesma lógica garantidora, preservando os acusados durante todo o procedimento, de forma a evitar decisões injustas.

A decisão de pronúncia deve ser considerada como uma ferramenta indispensável para consolidar o júri como garantia, exercendo seu papel de verdadeiro filtro e impedindo que todo e qualquer acusado seja encaminhado a júri pelo simples fato de “ter sido denunciado”. Não raras vezes, sob o pretexto de ser o júri o juiz natural para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, impulsionam-se casos para plenário que juridicamente sequer deveriam superar a primeira fase.

[1] PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 237.

[2] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. TESTEMUNHA DE “OUVIR DIZER”. INFORMES ANÔNIMOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O artigo 413 do Código de Processo Penal exige, para a submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, a existência de comprovação da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria ou participação. (…) 3. No caso, as instâncias ordinárias fundamentaram a pronúncia apenas em uma testemunha que “ouviu boatos” sobre a autoria dos fatos e na menção genérica de alegados “informes anônimos”, cuja veracidade não foi confirmada por nenhuma diligência posterior. 4. A menção a boatos e informes anônimos caracterizam-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não se constituírem em fundamentos idôneos para a submissão da acusação ao Tribunal do Júri. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1.628.052/RO, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 18/08/2020). Também neste sentido: “(…). O acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que não se afigura idônea, para fins de envio de relevante questão a julgamento perante o Júri Popular, a valoração probatória pautada apenas em testemunho indireto ou ”por ouvir dizer“, prestado em juízo por quem não presenciou a conduta delitiva objeto da lide. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.802.617/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 14/05/2019).

[3] Como bem apontado no voto do relator: ”elementos informativos não se confundem com provas. Essas são produzidas com a observância do contraditório em juízo, que serve como condição de sua existência e validade, assegurado o direito de ampla defesa. Aqueles, por sua vez, são produzidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Por esse motivo, elementos de informação não podem, isoladamente, subsidiar um juízo positivo de admissibilidade no caso do Tribunal do Júri, tampouco uma condenação.“

[4] AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. artigo 155 DO CPP. PRONÚNCIA FUNDADA EM ELEMENTOS EXCLUSIVAMENTE EXTRAJUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. (…) l. 2. artigo 155 do CPP. Prova produzida extrajudicialmente. Elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal. 3. artigo 483, III, do CPP. Sistema da íntima convicção dos jurados. Sob o pálio de se dar máxima efetividade ao referido princípio, não se pode desprezar a prova judicial colhida na fase processual do sumário do Tribunal do Júri. 3.1. O juízo discricionário do Conselho de Sentença, uma das últimas etapas do referido procedimento, não apequena ou desmerece os elementos probatórios produzidos em âmbito processual, muito menos os equipara a prova inquisitorial. 3.2. Assentir com entendimento contrário implica considerar suficiente a existência de prova inquisitorial para submeter o réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse, em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente. Ou seja, significa inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais. 3.3. Opção legislativa. Procedimento escalonado. Diante da possibilidade da perda de um dos bens mais caros ao cidadão – a liberdade -, o Código de Processo Penal submeteu o início dos trabalhos do Tribunal do Júri a uma cognição judicial antecedente. Perfunctória, é verdade, mas munida de estrutura mínima a proteger o cidadão do arbítrio e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação da sanha popular por vingança cega, desproporcional e injusta. 4. Impossibilidade de se admitir a pronúncia de acusado com base em indícios derivados do inquérito policial. Precedentes. 5. Agravo regimental improvido. (STJ, 5ª. Turma, AgRg no REsp 1740921/GO, Rel. Ribeiro Dantas, j. em 06/11/2018).

Referências

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