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A contribuição de Fachin para o Direito Civil Constitucional brasileiro

O artigo aborda a contribuição de Luiz Edson Fachin para a transformação do Direito Civil brasileiro, evidenciando a importância da constitucionalização e a integração dos direitos fundamentais nas relações jurídicas. Fachin propõe uma análise tripartite da constitucionalização do Direito, destacando a superação do patrimonialismo e a promoção de uma perspectiva mais inclusiva e existencialista no Direito Civil. A obra reflete sobre a mudança de paradigma da tutela patrimonial em direção à dignidade da pessoa humana e à função social do Direito, apresentando um novo olhar sobre os direitos e deveres nas relações interprivadas.

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No Brasil, ainda que a Carta de 1946 já apresentasse nítida roupagem social-democrata, com incorporação de direitos sociais sem ignorar importância de preservação do núcleo de direitos individuais e garantias da liberdade, é a partir da Constituição Federal de 1988 e dos movimentos doutrinários da década de 1990 que a constitucionalização ganha impulso, especialmente com o fomento da ideia de que as normas-princípios fundamentais possuem força normativa, vinculam os institutos e instituições jurídicas, o Estado e os particulares e se projetam em toda a legislação infraconstitucional.

Esse movimento provocou verdadeira mudança de paradigma no modo de realizar o Direito Civil, que não mais se restringiu a uma exegese fechada e pretensamente asséptica, demonstrando a completa inadequação de formações teóricas, quase sempre restritas a conhecer as estruturas legais de suas disciplinas de estudo e de atuação[1].

Pavimentadas as bases teóricas para a Virada de Copérnico, Luiz Edson Fachin e Gustavo Tepedino passaram a liderar grupos de pesquisa em Direito Civil Constitucional, respectivamente, na UFPR e na UERJ, e têm, juntamente com os seus integrantes, publicado livros e artigos sobre a temática, por exemplo, com a coleção Diálogos sobre Direito Civil. Posteriormente, Paulo Lôbo, na UFPE, no ano de 2012, e Giselda Hironaka, na USP e FADISP, em 2015, incorporam-se a essa comunhão de pesquisadores.

Assim, a virada copernicana na civilística pátria tem início no âmbito do debate em que se entrelaçam os direitos fundamentais, os novos direitos (como o direito do consumidor) e as relações existenciais no âmbito das relações interprivadas, naquilo que passa a compor o catálogo mínimo do direito civil constitucional brasileiro.[2]

Em seus estudos, Fachin propõe três dimensões para a análise da constitucionalização do Direito: formal, substancial e prospectiva – em que a dimensão formal representa aquilo que está positivado na Constituição e no Direito Constitucional positivo; a dimensão substancial deriva da dimensão normativa principiológica constitucional, seja explicitamente (ex.: função social da propriedade), seja implicitamente (ex: função social do contrato); a dimensão prospectiva como dimensão propositiva e transformadora desse constitucionalizar, com a construção de sentidos para uma necessária ressignificação dos institutos e das instituições jurídicas, a partir da facticidade social, como a necessidade de se ter um contrato justo e que não oprima uma das partes contratantes.[3]

Diante disso, evidenciam-se três superações do direito civil clássico, consistente num sistema fechado e patrimonialista, com pouca abertura para a principiologia constitucional, quais sejam: (i) fim do monismo das fontes jurídicas; (ii) rejeição à rígida e exegética teoria da interpretação e (iii) recusa da significação monolítica de figuras jurídicas como o contrato, a família e a propriedade.[4]

Alguns aspectos do pensamento de Fachin e que foram acolhidos pela escola civil constitucional revelam as superações da postura tradicional. Passou-se da codificação à constitucionalização. Nesse giro, os Códigos Civis de 1916 e de 2002, não obstante a sua indiscutível relevância normativa, não representam o centro do qual emana todo o arranjo jurídico civil, cuja reconstrução permeia a interpretação de espaços públicos e privados reconhecidos pela literatura jurídica, pela legislação e pelos julgados, como se infere da normatividade sobre o bem de família (legal e convencional) a sua vinculação com os direitos fundamentais de moradia. Isso porque os direitos fundamentais assumem um caráter prestacional dos cidadãos perante o Estado.[5]

Essa perspectiva difere daquela construída pela codificação civil pretérita (de 1916), uma vez que a preocupação se centrava, em regra, na tutela do patrimônio. Agora a perspectiva civil constitucional volta-se muito mais à existencialidade (do ser humano), cujo patrimônio é um fator que potencializa esses aspectos existenciais. Um exemplo: a superação da ideia de sociedade de fato – categoria jurídica construída para abarcar as uniões entre pessoas, mas diversas do casamento, na qual se dividia o patrimônio adquirido onerosamente e por esforço comum entre os companheiros – pela ideia de união estável, que abarca não somente aspectos patrimoniais, mas, principalmente, aquela comunhão de vida formada na relação entre companheiros e companheiras.[6]

Além disso, como se sabe, o Código Civil de 1916 ainda conservava a relação de desigualdade entre filhos no âmbito da família, com a classificação de filhos legítimos (advindos de uma relação matrimonial) e ilegítimos (fora da relação matrimonial), panorama jurídico modificado radicalmente com a CF/88 e com o CC/02, a partir da ideia de igualdade entre os filhos, independentemente de derivarem de uma relação matrimonial.[7]

Outro ponto a se destacar é a força da tutela dos direitos individuais, direitos individuais homogêneos, direitos coletivos e direitos difusos (CDC, art. 81), com a tutela contratual abarcando direitos existenciais e patrimoniais (como no caso dos contratos firmados com operadoras de sáude), lastreados na função socioambiental do contrato, da boa-fé e da equivalência material, que moldam a liberdade de contratar, a contratual e relativizam a força obrigatória dos contratos e o seu efeito interpartes.[8]

Saliente-se, também, a importância de direitos e deveres que se manifestam e se impõem a possuidores e a proprietários na utilização do bem móvel ou imóvel, com esteio nas disposições constitucionais (CF/88, arts. 5º, XXIII, 170, 182, etc.), além de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos à funcionalidade social, econômica e ambiental da propriedade e da posse, construção que permitiu, por exemplo, a edição do Enunciado 84/STJ.[9]

A tutela do patrimônio é repensada, com Fachin, interpretando-se o art. 548 do Código Civil (impossibilidade de doação de todos os bens pelo doador), construindo uma teoria baseada na dignidade da pessoa humana, que tutela um patrimônio mínimo necessário à existência digna, em que a pessoa não pode se privar seja pelo exercício da autonomia privada, seja por atos de outrem como a execução por dívidas, sendo este patrimônio mínimo verificado em cada caso concreto.[10]

Essas contribuições do direito civil constitucional e de Luiz Edson Fachin demonstram a virada copernicana que impede a colonização da espacialidade pública em relação a espacialidade privada e vice-versa, em uma perspectiva de diálogo entre elas, a fim de tutelar os sujeitos de direitos concretamente, sempre se preocupando com um Direito includente e que reconheça situações antes postas à sua margem.

Por tudo isso, e muito mais, Fachin preenche, com sobras, o requisito de notório saber jurídico para compor a Suprema Corte brasileira. Quanto à reputação ilibada, a trajetória de vida do civilista paranaense, seus valores e ideais, seu forte senso ético e sua preocupação com o próximo deixam absolutamente fora de dúvidas que Fachin não apenas preenche o requisito, como será um grande ganho republicano para o Supremo Tribunal Federal.

De resto, é preciso ter sempre bem claro que, no Estado de Direito, estripulias políticas não podem macular os requisitos constitucionais.

P.S. Aos estimados leitores, informo que em minha próxima coluna retomarei a segunda parte dos estudos de superação positivismo jurídico, fechando, assim, o ciclo de reflexões sobre o tema.

[1] FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Reflexões sobre a constitucionalização do Direito Civil. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 49, p. 117-139, 2012. [2] FACHIN, Luiz Edson. Los derechos fundamentales en la construccíon del derecho privado contemporáneo brasineño a partir del derecho civil-constitucional. Revista de Derecho Comparado, v. Nº.15, p. 243-272, 2009, p. 244. [3] FACHIN, Luiz Edson. Direito Civil: sentidos, transformações e fim. Renovar: Rio de Janeiro, 2015, p. 9. [4] FACHIN, Luiz Edson. Los derechos fundamentales en la construccíon del derecho privado contemporáneo brasineño a partir del derecho civil-constitucional. Revista de Derecho Comparado, v. Nº.15, p. 243-272, 2009, p. 244. [5] FACHIN, Luiz Edson. Los derechos fundamentales en la construccíon del derecho privado contemporáneo brasineño a partir del derecho civil-constitucional. Revista de Derecho Comparado, v. Nº.15, p. 243-272, 2009, p. 245. [6] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. [7] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. [8] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. [9] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. [10] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 2006.

Referências

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