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Protagonismo judicial no plenário: as perguntas do juiz-presidente

O artigo aborda a análise do papel do juiz-presidente no plenário do júri, destacando a controvérsia sobre a realização de perguntas às testemunhas e a influência do magistrado no processo. Os autores discutem que, apesar da previsão do CPP, a abordagem em que o juiz inicia os questionamentos pode comprometer a imparcialidade e gerar nulidades, em desacordo com o sistema acusatório. A proposta é que as partes assumam a primazia da inquirição, promovendo um julgamento mais justo e desapaixonado.

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Em recente precedente (HC n° 202.557 [1]), o Supremo Tribunal Federal voltou a analisar a previsão normativa prevista no artigo 212 do Código de Processo Penal (CPP), a qual disciplina a maneira como deverão ser feitas as perguntas às testemunhas e, em especial, o momento em que o magistrado terá a faculdade de realizar os seus questionamentos:

A referida e clara disposição — porém, muitas vezes inobservada na prática — não guarda consonância com a previsão constante do artigo 473, do CPP, primordialmente quanto ao momento em que o magistrado togado poderá realizar os seus questionamentos em plenário, pois, diferentemente do previsto na regra anterior, no rito do júri, o juiz iniciaria as perguntas antes mesmos das partes e dos jurados:

“Artigo 473 — Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação”.

Apesar da compreensão acima exarada, entendemos, de modo diverso, que a referida previsão não se coaduna com as premissas acusatórias de um processo que busca ser democrático e que já existem instrumentos suficientes a evitar o abuso no direito à inquirição das testemunhas [3].

A inquirição direta e cruzada, bem como o abandono da primazia do juiz togado na colheita da prova oral é um avanço rumo ao sistema acusatório, incumbindo-se às partes o ônus da inquirição das testemunhas em juízo, seja ele singular ou mesmo perante o Tribunal do Júri.

A circunstância de o juiz togado não ter a função de julgar o mérito do caso penal levado a julgamento perante o Tribunal do Júri não o inibe de, a depender de sua postura em plenário, construir a vertente que poderá ser levada em consideração pelos jurados, especialmente pela grande influência que exerce perante o Conselho de Sentença e a automaticidade que envolve a atuação do julgador em outros ritos (quando é o responsável pela prolação da sentença). Daí segue que “a atribuição de poderes amplos e ilimitados ao juiz para produção probatória compromete, inequivocamente, a imparcialidade, conditio sine qua non da jurisdição, e se mostra em confronto com nosso sistema constitucional que repudia a busca pela verdade a todo custo, motivo pelo qual também deve ser rejeitada” [4].

Não há dúvida de que o comprometimento do magistrado com a produção da prova perante o júri é ainda mais grave do que o seu atuar em outros ritos, mesmo quando é o responsável direto pela prolação da sentença, pois, enquanto nos demais procedimentos, a razão pode (em tese) ser controlada pela motivação empregada no texto, no júri, nunca saberemos o efeito que tal agir deletério pode causar na mente do jurado e no melhor esclarecimento dos fatos.

Autorizar-se que as partes iniciem os questionamentos em plenário obviamente não torna a colheita da prova deficitária ou indutiva. Ao contrário, sabemos que o exame direto e cruzado é fator importante para uma melhor apuração dos fatos e que a busca pela originalidade cognitiva dos jurados deve estar desamarrada de uma ancoragem feita pelo juiz togado, quando possíveis questionamentos iniciais possam induzir uma ativação associativa, induzindo uma forma de pensar, de valorar a prova ou sopesar a atuação dos profissionais que atuarão no julgamento [5].

Conforme bem esclarece Kahneman: “Tirar conclusões precipitadas é eficaz se há grande probabilidade de que as conclusões estejam corretas e se o custo de um ocasional erro for aceitável, e se o ‘pulo’ poupa grande tempo e esforço” [6]. Daí segue o perigo de o magistrado, ao iniciar os questionamentos, deixar transparecer conclusões definitivas a respeito do caso penal, eis que, sendo identificado pelos jurados como um terceiro, de elevado conhecimento do direito e dos fatos e, ainda, ungido pela imparcialidade de quem não irá julgar o caso penal, suas conclusões diretas e indiretas poderão servir como atalhos cognitivos para a rápida solução do caso, eclipsando a versão trazida pelas partes.

Com efeito, a mesma lógica da decisão de pronúncia deve ser aplicada ao papel desempenhado pelo juiz em plenário. Ou seja, se não se mostra possível um exame detalhado da prova e o enfrentamento exaustivo das teses na decisão de admissibilidade da acusação, sob a pena de protagonizarmos um pernicioso efeito ao livre convencimento dos jurados, tal interpretação jamais pode ser afastada quanto à postura do magistrado em plenário. Não é outra, aliás, a determinação do artigo 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional [7].

De fato, a valoração da prova feita diretamente pelo magistrado togado em plenário representa uma nocividade ainda maior quando comparada com aquela constante da pronúncia, eis que, enquanto a decisão possui filtros recursais de admissibilidade que podem gerar a sua nulidade (por exemplo, quando da ocorrência de excesso de linguagem), a fala do juiz em plenário produz efeito imediato e não poderá ser extirpada da mente do jurado. Ademais, conforme já assentado no HC n° 202.557 [8], o comprometimento do magistrado com a produção probatória é “circunstância hábil a eivar de nulidade os atos instrutórios realizados e toda cadeia processual subsequente”.

Outrossim, existem melhores maneiras de propiciar um efetivo e desapaixonado conhecimento dos fatos pelos jurados, sem a imposição de que as perguntas sejam iniciadas pelo magistrado. O CPP já determina que, após a formação do Conselho de Sentença, os jurados deverão receber “cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo” [9]. As referidas peças processuais já trazem elementos suficientes para que os jurados se familiarizem com os fatos, bastando que o juiz-presidente disponibilize prazo suficiente para a leitura (fase que não está prevista no CPP de maneira expressa). Seria ainda melhor se, antes da leitura, fosse franqueado um breve prazo para que as partes apresentassem suas alegações preliminares, chamando a atenção dos jurados para pontos significativos do caso penal.

O fato de as partes realizarem o direct e cross-examination não impede que o magistrado discipline eventuais excessos, rejeitando perguntas que importem na indução da resposta, que não tenham relação com a causa, ou, ainda impliquem em repetição direta de outra já realizada. Além do mais, nada impede que o juiz, de maneira suplementar e residual, porém, após a inquirição feita pelas partes, busque esclarecer omissões e divergências patentes que possam contribuir para o melhor esclarecimento do Conselho de Sentença.

Dito isso, independentemente da atual redação do artigo 473 do CPP, a qual autoriza que o magistrado togado inicie os questionamentos em plenário do júri, é possível concluir que, à luz de precedentes do Supremo Tribunal Federal, o protagonismo judicial ao substituir a atuação das partes em plenário viola o devido processo legal e o sistema acusatório (CPP, artigo 3º-A), dando azo ao reconhecimento da nulidade da instrução em juízo, tenha a ação ocorrido no rito comum ou perante o Tribunal do Júri [10].

[1] STF, 2ª Turma, HC n. 202.557, Rel. Min. Edson Fachin, j. Em 03/08/2021.

[2] BADARÓ, Gustavo. As reformas no processo penal. As novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. Coord. Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 171.

[3] “(…). A Constituição Federal de 1988, ao atribuir a privatividade da promoção da ação penal pública ao Ministério Público (artigo 129, I); ao assegurar aos ligantes o direito ao contraditório e à ampla defesa e assentar o advogado como função essencial à Justiça (artigo 5º, LV e 133); bem como, ao prever a resolução da lide penal, após o devido processo legal, por um terceiro imparcial, o Juiz natural (artigo 5º, LIII e LXI; 93 e seguintes), consagra o sistema acusatório. (…)”. (STF, 2ª Turma, HC 186421, Rel. Min. Celso de Mello, Rel. p/ Ac. Min. Edson Fachin, j. em 20/10/2020).

[4] Nesse sentido: trecho do voto vista da Min. Rosa Weber proferido no HC 187.035/SP, Rel.: Min. Marco Aurélio, j. 06.04.2021, acórdão pendente de publicação.

[5] A respeito de ancoragem como ajuste: KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar. Duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2019.

[6] Ibidem.

[7] “Artigo 8º – O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”

[8] STF, 2ª Turma, HC n. 202.557, Rel. Min. Edson Fachin, j. Em 03/08/2021.

[9] CPP, artigo 472, parágrafo único.

[10] Nesse sentido, destaca-se o voto vista da Min. Rosa Weber proferido no HC 187.035/SP, Relator(a): Min. Marco Aurélio, j. 06.04.2021. E, igualmente: STF, 2ª Turma, HC n. 202.557, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 03/08/2021.

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