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“Custos Vulnerabilis” e seus firmes contornos pró-defesa penal

O artigo aborda a trajetória e os contornos da Defensoria Pública “Custos Vulnerabilis”, ressaltando sua função crucial na proteção dos vulneráveis no sistema penal e defendendo a defesa dentro de limites que não prejudiquem o réu. Os autores discutem conquistas significativas na Justiça, esclarecendo a distinção entre os papéis na defesa de réus e vítimas, afirmando que eventuais intervenções a favor de vítimas não devem comprometer os direitos do réu. Além disso, enfatizam a importância da integridade institucional e a preservação das identidades na justiça penal, promovendo um equilíbrio nas relações Estado-cidadão.

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Neste mês de junho de 2025, a Defensoria Pública “Custos Vulnerabilis” constitucional completa 11 (onze) anos da primeira publicação1. Nesse tempo, são muitas conquistas que consolidaram o instituto, inclusive no STF (STF, ADPFs n. 709, 991 e 635; STP 1007) e também incompreensões girando sobre o instituto, o qual já foi reconhecido, no STJ, como “núcleo da atual identidade institucional da Defensoria Pública” (RMS 70.679/MG2).

Desde a origem interventiva3, com inspiração garantista especialmente em Luigi Ferrajoli4, a intervenção Custos Vulnerabilis nasceu com uma vocação e uma limitação: vocacionada a ser a favor do vulnerável processual penal central, o réu – aquele contra quem os esforços estatais pesam contra, como ditou Ada Pellegrini Grinover5. O instituto tem uma essencial e peculiar limitação: não poder atuar para prejudicar o vulnerável central desse contexto. A limitação advém de seu nascedouro, umbilicalmente vinculado à instituição que protege vulneráveis, a Defensoria Pública.

Em tal contexto, nos 11 (onze) anos de história, Advogados e Defensores Públicos se reuniram e reconheceram que a Defensoria Pública “Custos Vulnerabilis” penal não pode causar prejuízo à defesa, conforme conclui o enunciado n. 6 do “I Colóquio Amazonense da Advocacia e Defensoria Pública”:

“No Direito Processual Penal, como mecanismo de reequilíbrio da relação Estado-cidadão, a Defensoria Pública custos vulnerabilis realiza intervenção pró-defesa, como Estado Defensor, sob pena de nulidade das manifestações lesivas à ampla defesa, recomendando-se a abstenção em caso de impossibilidade de contribuição com a defesa do vulnerável.”

Em harmonia, no STJ, essa percepção limitante foi confirmada e acolhida quando foi rejeitada atuação prejudicial ao réu do Direito Processual Penal no HC 629.238/SC.

Por outro lado, isso não significa deixar vítimas vulneráveis desguarnecidas. Significa, em verdade, com técnica, empregar as terminologias adequadas e posições processuais corretas. Vítimas vulneráveis, necessitadas, têm direito a um Defensor Público que as represente, seja na assistência à acusação (CPP, art. 268-273) ou em posição autônoma (Lei n. 11.340/2006, art. 27 e 28, art. 18 da lei 14.344/22).

Aliás, até mesmo os interesses da coletividade vítima podem ser representados por um Defensor Público “amigo da comunidade”6-7 ou um “defensor público do grupo”8, especialmente diante da colisão de segmentos vulneráveis (LC 80/1994, art. 4º-A, V).

Outrossim, a salutar distinção dos interesses perseguidos pelo “Estado Defensor Penal” (Custos Vulnerabilis) e aqueles decorrentes da representação (individual ou coletiva) da vítima, também foi reconhecida no enunciado n. 7 do já citado “I Colóquio Amazonense da Advocacia e Defensoria Pública”:

“No Direito Processual Penal, a intervenção custos vulnerabilis não se presta ao apoio à acusação, devendo eventuais atuações em favor da vítima necessitada ocorrerem pelos mecanismos existentes, tais como representação postulatória da vítima na assistência de acusação ou ação penal privada subsidiária da pública, bem como amicus curiae ou a excepcional legitimação extraordinária de amiga da comunidade – amicus communitatis (CDC, art. 80 c/c art. 82, III).”

Que fique claro: no Direito Processual Penal, as posições contra o réu não podem ser exercitadas por intermédio da intervenção Custos Vulnerabilis – é o preço a pagar por se ocupar essa posição. As tradicionais funções do Ministério Público, nesse ponto, evitam uma crise de identidade e sobreposição de funções, já que a defesa dos vulneráveis para tal instituição só deve ocorrer quando relacionada à defesa da ordem jurídica (“Custos Iuris”9). Tal dialética permitirá o alcance da melhor verdade processual possível em matéria penal.

As “virtudes e limites” existem para manutenção da integridade das “identidades institucionais” e potencialização funcional a partir da Constituição. Portanto, a Defensoria Pública (Custos Vulnerabilis constitucional) não pode atuar contra o vulnerável do (micros)sistema no qual atua, assim como o Ministério Público (legítimo Custos Iuris constitucional) não está obrigado a ser contra a ordem jurídica para beneficiar um incapaz ou vulnerável (nessa linha decidiu o STJ no REsp 135.744/SP), mesmo no microssistema de proteção dos vulneráveis10, com as ressalvas necessárias da “causa autônoma” de intervenção ministerial, de Hermes Zaneti Jr.11. Desse modo, há um ônus constitucional por se assumir as funções interventivas defensoriais ou ministeriais – o exercício funcional acima do interesse e pensamento pessoais.

A pré-adolescência do instituto, ademais, já permite lhe dar contornos rígidos. Isto é, em matéria sancionatória, o mérito do “Custos Vulnerabilis” está no reequilíbrio de forças processuais para empoderamento da defesa. É ao réu que se quer amplificar a voz, visibilidade, direito de participação e influência (contraditório) e, ao fim, todos os direitos fundamentais que lhe garantem uma chance no processo.

Em nada deve causar estranheza que a Defensoria Pública Penal, enquanto interveniente “Custos Vulnerabilis”, não possa causar prejuízo à defesa – embora, frise-se, possa apoiar a vítima vulnerável penal até o limite de não prejudicar o réu/paciente, como se viu em caso12 no qual vítima e custodiado concordavam com medidas protetivas (menos gravosa que a prisão decretada). Por outro lado, os interesses da vítima também podem ser representados por advogado ou defensor público nas posições processuais peculiares.

Com isso, todas as identidades constitucionais ficam resguardadas, não se confundindo papéis e posições processuais assumidas por instituições distintas. Cada instituição, a partir da Constituição, deve saber “a dor e a delícia de ser o que é”, sob pena de subversão de identidades institucionais e causar-se desequilíbrios indesejados nas bases da teoria e prática.

A historicidade13, origem e desenvolvimento, da intervenção constitucional “Custos Vulnerabilis” – da Defensoria Pública e nela nascida -, em HC Penal, não pode prejudicar a defesa do paciente – eis a virtude, eis o limite: “Para César, o que é de César”.

_______

1 CASAS MAIA, Maurilio. Custos Vulnerabilis constitucional: o Estado Defensor entre o REsp nº 1.192.577-RS e a PEC nº 4/14. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano XVIII, nº 417, jun. 2014, p. 55-57.

2 STJ, trecho de voto da relatoria, RMS n. 70.679/MG, rel. Min. Laurita Vaz, T6, j. 26/9/2023, DJe 7/11/2023.

3 CASAS MAIA, Maurilio. Luigi Ferrajoli e o Estado Defensor enquanto magistratura postulante e Custos Vulnerabilis. Revista Jurídica Consulex, Brasília, v. 425, Out. 2014, p. 56-58.

4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 537.

5 Em parecer à ADI n. 3943 (STF).

6 GERHARD, Daniel; CASAS MAIA, Maurilio. O Defensor-hermes, o amicus communitas: a representação democrática dos necessitados de inclusão discursiva. Informativo Jurídico In Consulex, Brasília, v. 22, p. 11-12, 01.06.2015.

7 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; GERHARD, Daniel; CASAS MAIA, Maurilio. A Defensoria Pública como “amiga da comunidade” (amicus communitatis) e a “comunidade amiga” (amicus Communitas): a representatividade comunitária na colisão de comunidades vulneráveis e no combate à sub-representatividade. In: AKERMAN, William; CASAS MAIA, Maurilio (Org.). Novo perfil de atuação da Defensoria Pública: (re)descobrindo a missão constitucional. Brasília: Sobredireito, 2023. p. 251-276.

8 ZANETI JR., Hermes. CASAS MAIA, Maurilio. A Defensoria Pública e os grupos vulneráveis em colisão de interesses: reflexões sobre o “defensor público do grupo” (Defensor Publicus Coetus). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1070, Dez 2024, p. 47-85.

9 Há muito superou-se a terminologia “Custos Legis”, que poderia interpretativamente limitar a atuação do Ministério Público à legalidade infraconstitucional. O Parquet defende toda a ordem jurídica, aí incluída Constituição Federal, Tratados Internacionais incorporados às normas do Direito brasileiro (seja os de natureza supralegal, seja os de natureza constitucional), e demais normas de natureza infralegal. O CPC/2015, aliás, denomina o Ministério Público como “fiscal da ordem jurídica” (art. 178). Para uma visão constitucionalizada do Ministério Público, entre outros, ver: ZANETI JR., Hermes. O Ministério Público e o novo Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 192.

10 ZANETI JR., Hermes. CASAS MAIA, Maurilio. Microssistema de Proteção de Proteção dos Vulneráveis e as lentes do Ministério Público e da Defensoria Pública. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2025.

11 ZANETI JR., Hermes. O Ministério Público e o novo Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 192.

12 CONJUR. Fundamento legal: Preventiva como medida de proteção é desproporcional, diz desembargador. Consultor Jurídico, de 27 Dez. 2019. Disponível em: . Acesso em: 28 Mai. 2025.

13 Para um pouco mais dessa perspectiva: CASAS MAIA, Maurilio. Custos Vulnerabilis na historicidade do Estado Defensor Brasileiro. In: SOUSA, José Augusto de. CASAS MAIA, Maurilio. PACHECO, Rodrigo Baptista. (Org.). A História pede passagem: Estudos em homenagem aos 70 anos da Defensoria Pública no Brasil. Volume 2: Aspectos Funcionais. São Paulo: Tirant Brasil, 2024, p. 329-352.

Referências

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