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Bolsonaro e a aliança fast food

O artigo aborda a recente desfiliação de Jair Bolsonaro do PSL e a criação do seu novo partido, a Aliança pelo Brasil, destacando a urgente necessidade de coleta de assinaturas para sua formalização. A análise também discute a proposta de aceitação de assinaturas digitais, levantando preocupações sobre os impactos dessa medida na democracia e no fortalecimento de partidos políticos no Brasil, além de criticar a possível “MacDonaldização” do processo partidário.

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Um dos mais candentes assuntos das últimas semanas seguramente é a desfiliação do presidente Jair Bolsonaro do partido que o abrigou para a eleição presidencial, o PSL, e a criação de sua nova legenda, a Aliança pelo Brasil, sob o sugestivo número “38”. Deixando de lado, por ora, o caráter perigosamente simbólico de um número sob qual é visado institucionalizar um partido “da bala”, o que há de se discutir neste momento é a real possibilidade de que essa nova agremiação venha a efetivar-se por meio de sua regularização nos termos da legislação eleitoral.

Bolsonaro e seus apoiadores têm pressa, pois para que essa nova sigla possa participar das eleições municipais em 2020 será necessário que cumpra requisitos previstos em lei que demandam o recolhimento de 493 mil assinaturas em um procedimento razoavelmente complexo. Em suma, o conjunto normativo impõe a necessidade de que eleitores e eleitoras (não filiados a outro partido) em, no mínimo, nove estados assinem o apoiamento à Aliança, de modo que ao todo representem 0,5% de todos os votos válidos dados no último pleito para a Câmara dos Deputados.

Na tentativa de superar esse obstáculo (com razão de ser nada simples, digo de antemão) a alternativa encontrada pela Aliança é a de pleitear que sejam reconhecidas como válidas para fins de apoiamento também assinaturas eletrônicas coletadas por meio de certificado digital autorizado pela Receita Federal. E eis aí o que precisamos discutir com vagar e seriedade.

A cogitação sobre a aceitação de assinaturas digitais para os fins de apoiamento à criação de novos partidos encontra-se sob análise do Tribunal Superior Eleitoral. Tendo sido objeto de discussão em sessão desta semana na qual foi proferido o voto do relator da consulta 0601966-13.2018.6.00.0000, o ministro Og Fernandes. A interposição do pedido de esclarecimentos foi formulada ainda em 2018 pelo deputado Jerônimo Goergen (PP/RS) e o julgamento, que deverá ser retomado já na próxima terça-feira (3/12), foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão.

Nos autos daquele questionamento o Tribunal foi instado a manifestar-se sobre a possibilidade de aceitação, in verbis, de “assinatura eletrônica legalmente válida dos eleitores que apoiem dessa forma a criação de partidos políticos nas listas e/ou fichas expedidas pela Justiça Eleitoral”.

Como dito, a possibilidade ou não da utilização de assinaturas digitais tomou relevo nos últimos dias em razão da criação da nova sigla partidária pelo presidente da República, que acima mencionei. Contudo, bem mais importante do que os humores deste ou daquele que busca um partido “para chamar de seu” (algo tão próprio da chamada “velha política”) é o fato de que a consulta junto ao TSE carregue em si um potencial destrutivo incalculável.

Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que a Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD) tenha requerido seu ingresso no feito para, segundo consta em seu pedido, “dado seu manifesto interesse jurídico de que a resposta a presente consulta seja positiva no sentido de permitir a coleta de assinaturas digitais para apoiamento na criação de partidos, sobretudo, no que tange aos direitos e interesses do setor”.

Em tempos de escândalos da estatura do Cambridge Analytica cuja dimensão lançou interrogações sobre processos de deliberação democrática da magnitude da eleição presidencial estadunidense e do referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) é preciso perguntar, afinal, que “interesse” (e de que “setor”) arvora-se como um “player” em um processo decisório sobre algo tão fundamental para a democracia de um país como é a criação de partidos políticos.

Por sinal, como pontuado pelo vice-procurador-geral Eleitoral Humberto Jacques de Medeiros, em parecer divulgado nesta segunda-feira (18/11), “a adoção de esforços para adaptação de sistemas para conferência de assinaturas eletrônicas – que não estão acessíveis financeiramente ao universo do eleitorado e são oferecidas por empresas – é um passo atrás no caminho vanguardeiro da Justiça Eleitoral brasileira.”

O Ministério Público Eleitoral tem razão neste aspecto. Ainda que aparentemente signifique um avanço tecnológico, a modalidade via certificação digital (além de não ser algo para a qual a Justiça Eleitoral está preparada para garantir com segurança sua confiabilidade) se apresenta como mais uma reificação da natureza censitária do fazer política em nosso país.

A universalidade do voto, embora seja o mais importante barômetro democrático, não é o único, pois a existência de organizações partidárias (goste-se ou não) também o são. A democracia representativa estrutura-se sobre a existência de partidos políticos cujo nascedouro é (deve ser!) o processo de discussão pública com a sociedade sobre sua necessidade no tempo e espaço.

Não há democracia sem partidos fortes e bem estruturados, de modo que menos do que uma “estratégia para impedir a proliferação de novas legendas”, como alardeiam desavisados comentaristas políticos via mídia, a não admissão da certificação digital para a criação de um partido representa a salvaguarda do direito de todo brasileiro e brasileira de integrar, caso assim deseje, o processo de construção de uma organização partidária em igualdade de condições e sem riscos de máculas.

Para além do suposto desconforto da família Bolsonaro em permanecer nas fileiras do outrora microscópico PSL onde abrigaram-se para precipuamente viabilizar a candidatura de seu patriarca à presidência da república (e com a qual, diga-se também, conquistaram 56 cadeiras no parlamento brasileiro) o ponto nevrálgico da discussão que a criação do novo partido via utilização de assinaturas digitais está no flagrante e sério risco à própria democracia representativa que, para sua fortaleza, precisa alicerçar-se em organizações partidárias hígidas desde seu processo de formação.

O que pretendem os próceres da Aliança significará a abertura do mercado (na mais perniciosa expressão do termo) para a criação de partidos fast food em um processo de MacDonaldização capitaneado, como sói acontecer, por empresas incontroláveis pela total inexistência de instrumentos viáveis para isso. Vale registrar, a propósito, que segundo a própria Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE, ainda que exista viabilidade técnica para um procedimento desse viés, é preciso que antes se realize “um planejamento detalhado do que deverá contemplar escopo, custo, prazo, equipe técnica, contratos e infraestrutura para suportar a solução em operação.” Concluindo que “Por este motivo, não é possível que esta SECINP se manifeste quanto à viabilidade temporal.”

Democracia custa, demanda tempo e se faz com partidos nascidos de discussões amadurecidas no seio da sociedade. Daí porque uma nova sigla não pode ser o resultado de um mero agrupamento casuístico personalista chancelado por mecanismos de mera adição numérica. Seguramente haverá quem diga que a primeira hipótese não é (ou nunca foi) a regra no Brasil. Pois bem, se assim ainda não é (ou quiçá nunca foi) que nos esforcemos para que seja. E não façamos dos erros até agora cometidos a justificativa outros novos erros históricos. O preço poderá ser alto demais.

______________

*Soraia Mendes é advogada, professora, pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sócia fundadora do escritório Soraia Mendes & Advogadas Associadas.

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