Artigos Empório do Direito – Um exercício para entender um problema jurídico

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Um exercício para entender um problema jurídico

O artigo aborda um exercício que ilustra a complexidade das previsões em problemas jurídicos, utilizando a famosa fábula da corrida entre a tartaruga e o coelho. Os autores discutem como a simplicidade aparente de números e teorias de conjuntos não se aplica adequadamente a situações que envolvem variáveis humanas e aleatórias, propondo que a teoria dos jogos pode oferecer uma melhor compreensão das interações e resultados em disputas. A análise crítica do raciocínio lógico e matemático enfatiza a importância de considerar fatores contextuais nas decisões jurídicas.

Artigo no Empório do Direito

Por Alexandre Morais da Rosa e Andrea Ferreira Bispo – 14/02/2016

Vamos convidar você para fazer um breve exercício. Depois aplicar na corrida entre uma coelho e uma tartaruga. Estranho? Nos acompanhe:

Pense em um número de 1 a 9. (escolha mesmo)

Multiplique-o por 9.

Se você obtiver um número de dois dígitos, some os dois dígitos.

Subtraia 5.

Multiplique o número resultante por ele mesmo.

A resposta é 16.

Parece bruxaria, mas não é. Trata-se de uma propriedade do número 9, pois quando somamos os dígitos dos múltiplos de 9, sempre obtemos 9.

Essa parte da matemática é encantadora, pois nos dá a sensação de segurança. Parece que, feita a conta certa, a resposta será sempre correta e inquestionável.

O problema é que não há conta capaz de prever um resultado exato quando se está a cuidar das relações, ou dos significantes, que subjazem aos números.

Uma coisa é somar 1 mais 1 pensando nesses números apenas como o objeto da matemática usado para descrever quantidade, ordem ou medida. Outra coisa é imaginar qual seria o resultado da soma de 1 copo com água e 1 palito de fósforo. É possível obter um resultado uniforme e exato?

Pode-se pensar que a impossibilidade desse resultado está na tentativa de junção de grandezas distintas (água e palito de fósforo), mas e se invés de palito, for adicionado ao copo uma gota d’água? Seria possível falar em um resultado igual a 2?

Essa proposição revela que sob toda ideia que se apresente como fundamento absoluto e inquestionável há um racionalismo ético, radical e antigo, segundo o qual bastaria converter os significantes de uma questão em números para em seguida apresentá-los como teoremas para que todas as dúvidas humanas pudessem ser respondidas de maneira irrefutável e irresistível.

A partir da percepção de que os números são insuficientes para dar essas respostas, em 1870, George Cantor (1845 – 1918) iniciou os estudos modernos sobre a teoria dos conjuntos. Tendo afirmado que “em matemática, a arte de fazer perguntas é mais importante do que resolver problemas”, Cantor definiu um conjunto como um agrupamento em uma entidade de objetos de qualquer tipo, embora cada objeto também retenha sua própria identidade.

Assim, qualquer grupo de objetos ou números, tenham eles existência real ou não, formam um conjunto. Qualquer membro individual de um conjunto pode ser um membro de muitos conjuntos. Os conjuntos se sobrepõem e alguns contém outros conjuntos, mas se dois conjuntos são somados, o novo conjunto contém todos os membros dos dois conjuntos, porém sem nenhum item duplicado.

Surge daí o conceito de equivalência, que suscita uma primeira questão: qual é o parâmetro que possibilita a afirmação de que um elemento é ou não membro de um conjunto? Para Cantor, um elemento somente pode ser considerado membro de um conjunto se partilha as características que definem os membros desse conjunto. Este princípio, chamado da abstração, se contrapõe ao princípio da extensão, que diz o contrário: o conjunto é que é definido por seus membros.

O que se pode dizer é que no centro dessa discussão está a afirmação, aparentemente lógica, de que mediante a análise do comportamento de dois conjuntos seria possível afirmar que a existência dos comportamentos compartilhados que definem seus elementos possibilitaria, através de uma análise de equivalência dessas características, prever resultados seguros quando dois indivíduos de conjuntos distintos entram em colisão de interesses.

Para esses teóricos, uma corrida entre um coelho e uma tartaruga teria sempre o mesmo resultado: o coelho venceria sempre, pois é o animal mais rápido.

O problema é que Esopo apresenta um resultado diferente e incômodo.

Diferente, porque na célebre corrida interferiu um fator aleatório: o coelho dormiu ou foi comer e a tartaruga ganhou. Incômodo, porque demonstra que a premissa de que os coelhos sempre seriam vencedores é um argumento circular.

Dessa forma, o exame de equivalência não apresenta respostas seguras quando se trata de prever qual dos dois animais seria o vencedor, salvo a partir de uma observação negativa (o senso comum de que tartarugas andam devagar). Mas será que andam mesmo? E o tamanho da pista? Qual dos dois tem mais aptidão para se concentrar em corridas de longas distâncias? Quem se cansa primeiro?

Apesar das inúmeras possibilidades de aplicação da teoria dos conjuntos, quando se trata de obter uma resposta aproximadamente correta para qualquer problema no qual há possibilidade de que fatores aleatórios interfiram, a tentativa de resolver o problema por meio da equivalência entre elementos e conjuntos se mostra temerária, porque mesmo que cada indivíduo partilhe as características que o tornam elemento de um conjunto, sendo idêntico a todos os seus membros, ainda assim não se poderia dizer que todas as “corridas” são iguais e transcorrem do mesmo modo.

Na percepção de que não há uma homogeneidade de comportamentos ou de situações, Zenão de Eleia (430 a.c), já demonstrara o absurdo de se considerar fatos como unidades inteiras e acabadas.

Surge daí o embrião da teoria dos jogos, que considera a possibilidade de que fatores aleatórios interfiram nos resultados e procura apresentar estratégias racionais para os casos em que o resultado depende não apenas da existência de uma disputa ou das estratégias pessoais daqueles que participam dessa disputa ou de cada uma das partes saber qual é o resultado que almeja ou mesmo de acreditarem que a derrota de uma importará na vitória da outra parte, mas especialmente das estratégias escolhidas por outros agentes, que podem ter estratégias diferentes ou objetivos comuns que interferirão no resultado.

Desse modo, embora seja similar à teoria da decisão, a teoria dos jogos tem amplitude maior que aquela, pois seu estudo apura também o ambiente/contexto em que os jogadores interagem e suas recompensas, apresentando hipóteses de escolhas de comportamentos ótimos quando o custo e benefício de cada opção não é fixo, mas depende, sobretudo, da escolha dos outros jogadores/julgadores.

O grau imaginário das relações, na Teoria da Decisão manejada pelo senso comum teórico (Warat), acaba exigindo um forçamento dos conjuntos, de critérios de aproximação complexos, em que a lógica fuzzy pode ajudar, mas em todos os casos, há uma tomada de decisão sobre os critérios, cujo resultado depende, ainda, da interação possível em cada contexto de tempo, espaço e humores. Quem sabe a modulação da Teoria dos Jogos aplicada ao Processo possa auxiliar.

Em março sairá a terceira edição do Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, revista, ampliada, por Alexandre. A linguagem estará mais acessível, embora devamos guardar, daqui, que o fato de o coelho disputar com a tartaruga, a priori pode gerar apostas na vitória do coelho, mais forte, mas tendo em conta a interação, pode perder.

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: [email protected] / Facebook aqui

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Andrea Ferreira Bispo é Juíza de Direito no Pará e membro da AJD.

Imagem Ilustrativa do Post: Rabbit & Turtle // Foto de: Makoto SATSUKAWA // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/masatsu/3279342720/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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