Artigos Empório do Direito – Um congresso populista “exterminador do futuro” e um stf ativista?

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Um congresso populista “exterminador do futuro” e um stf ativista?

O artigo aborda a aprovação da Emenda Constitucional n. 171 e suas implicações, destacando o populismo no discurso legislativo e a função do STF diante de uma proposta que visa reduzir a maioridade penal. Os autores criticam a utilização de “bodes expiatórios” e a superficialidade do debate político, sugerindo que a medida não enfrenta as reais questões sociais e pode resultar em soluções ilusórias e prejudiciais, ressaltando a importância de um Judiciário que atue com responsabilidade.

Artigo no Empório do Direito

Por Alexandre Morais da Rosa e Salah Khaled Jr – 14/07/2015

A aprovação da Emenda Constitucional n. 171, pela Câmara dos Deputados, especialmente com a “pedalada regimental”, escorada em julgado isolado e de um STF que lavava às mãos, em que apenas dois Ministros atualmente na Corte votaram (Maurílio Casas Maia – aqui), continua a merecer nosso óbice, por se tratar de articulação populista, típica da eleição de mais um “bode expiatório.”

Nos inflamados discursos de alguns moralistas de calça-curta e de passado inglório, ouvimos diversas vezes a frase: estamos ouvindo o anseio das ruas e se é inconstitucional o problema é do Supremo Tribunal Federal.

A primeira parte do argumento é a de que há atualmente uma desoneração de constitucionalidade por parte do Poder Legislativo, naquilo que se pode chamar do mais amplo “populismo da bala”. A TV Câmara mostrava os discursos inflamados, de ambos os lados, longe do espaço do debate, mas para ver e ser visto, exibir-se na mídia. Cinco minutos de fama. Há um novo dispositivo político, apontado por Vicenzo Susca[1], pelo qual as redes de comunicação e o discurso que adoça a lascívia prepondera. O parlamento se transformou, pois, em um espetáculo do fingimento, da simulação e da cupidez. Lembram um reality show kitsch[2] de impropérios, em que o excesso de meios torna o espetáculo democrático em encenação do ridículo.

Por isso os personagens atuais, de Berlusconi a Eduardo Cunha, transformam o Direito em um conjunto de imagens (miríades) manipuladas pela construção do imaginário inalcançável, mas que funciona simbolicamente para aplacar a deriva subjetiva de uma comunidade que se encontra perdida. A proposta, então, é a de eleger um “bode expiatório”, no caso, o adolescente infrator, justamente porque ele representa a ameaça do jovem, destemido e que poderá nos tirar o lugar (na empresa, na família, nas relações amorosas, etc.)[3]. O mecanismo do “bode expiatório” apresentado por René Girard[4] se dá pela canalização da violência em face de um inimigo comum (o adolescente infrator), pelo qual a obsessão coletiva toma conta do grupo social e deseja aniquilar quem representa a causa da desestabilização social, recompondo, por seu sacrifício, a imaginária harmonia existente.

Trata-se de uma ilusão conveniente e manipulada, sem fundamento democrático (Salah Khaled Jr – aqui), cuja finalidade é “mudar o foco” do que se passa (Alexandre Morais da Rosa e Ana Christina Brito Lopes – aqui), em que as máscaras do entretenimento, do espetáculo (Debord), são acionadas por “Exterminadores do Futuro”, ou seja, de toda uma geração adolescente, “criminalizada” com maior vigor. Aliás, salvo os brados, inexiste argumento sério que demonstre minimamente a efetividade da proposta (aqui).

Constitui-se uma aura dos “cidadãos de bem”, nome do Jornal da Ku Klux Kan (aqui), que enfrentam a realidade de violência e acreditam, piamente, que o aumento da violência estatal é a única via de enfrentamento da questão, não fossem “viciados em punição” (aqui). Além do que, desprezam os custos estatais para implementação de mais um sistema de atendimento de adolescentes, agora imputáveis, em alguns crimes, cujos custos serão arcados por todos nós. Reduzida a idade penal onde serão colocados os adolescentes? Com adultos? Separados? Criaremos novas Instituições? O custo disso tudo será arcado por quem? Talvez seja o interesse no “negócio lucrativo” dos presídios privados… Nós todos pagaremos pelos devaneios populistas que irão segregar uma parcela mínima da população que poderia estar sendo atendida pelo ECA caso houvesse implementação de sua política de atendimento.

Mas não, o Exterminador do Futuro reaparece como sendo o grande lenitivo contra a violência, o mecanismo que irá nos salvar dos malvados adolescentes que, por certo, depois de presos, serão recolocados no sistema coletivo. Pensar assim somente é possível por quem não conhece a realidade das penitenciárias. Não basta mentir; é preciso espetacularizar a questão e apresentar algo que pode jogar com a população jogada no desalento de um Estado violento.

Aprovada, desta forma, a redução da maioridade penal, teríamos o palco dos debates transferido para o Supremo Tribunal Federal. Aí se joga a “bomba” nas mãos dos Ministros que terão a obrigação, caso não se acovardem, de enfrentar a violação de cláusula pétrea, bem assim da ausência de trade-off da medida proposta.

Neste sentido, Richard Posner[5] pode nos ajudar a compreender, já que argumenta, na realidade dos EUA, que a o controle de constitucionalidade pode significar um caráter antidemocrático e cômodo do Poder Legislativo. Isto porque, a atuação no sentido de invalidar leis, pode conduzir o Poder Legislativo a levar menos a sério a Constituição, uma vez que transfere a responsabilidade para o Poder Judiciário. Com isso, parece que a Constituição passa a ser assunto somente dos Juízes, eximindo o Legislativo de sua efetivação e controle.

O discurso, portanto, de parte significativa da Câmara dos Deputados, pretende atender ao dito reclamo das ruas e midiático, deixando que o Poder Judiciário exerça uma função paternalista e de limite, com os ônus daí decorrentes. Transforma o Legislativo em espetáculo do bem, do bom, do justo, da punição, como se fossem sinônimos, apresentando a nova face do “bode expiatório” eleito, contra o qual, enfim, o povo jogado na inautenticidade, poderá concentrar a energia destrutiva da necessidade de sacrifício. As lojas do imaginário apresentam as novas vedetes, nas mãos de telepolistas, contra os quais o Poder Judiciário poderá ser apontado como ativista[6]

Os argumentos populistas serão enfrentados pelo STF, bem assim pelas Organizações dos Estados Americanos (aqui). Não saberemos, todavia, se a Corte terá a coragem necessária para enfrentar a fúria telepopulista do Legislativo, colocando limites ao ritual sacrifical dos “bodes expiatórios” de sempre. Lavar as mãos se fez no passado. A questão, todavia, é aqui e agora, cientes, diz Susca, de que Schwarzenegger, Berlusconi, Eduardo Campos e todos os telepopulistas, da mídia, do legislativo ou do Judiciário, “são somente o início e o prelúdio de qualquer coisa de maior do que eles mesmos, que os atravessa e rapidamente transforma em ruínas.”

Notas e Referências:

[1] SUSCA, Vicenzo. Nos limites do Imaginário. O governador Schwarzenegger e os limites do imaginário. Trad. Taís Ferreira. Porto Alegre: Sulina, 2007.

[2] MOLES, Abraham. O Kitsch. Trad. Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007.

[3] MORAIS DA ROSA, Alexandre; LOPES, Ana Christina Brito. Introdução Crítica ao Ato Infracional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; VEZZULLA, Juan Carlos. La mediación de conflitos con adolescentes autores de acto infractor. Sonora: Universidade de Sonora, 2005.

[4] GIRARD, René. Violência e o Sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

[5] POSNER, Richard. Fronteiras da Teoria do Direito. Trad. Evandro Ferreira e Silva et. all. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

[6] O termo é polissêmico e controverso. Vale conferir: TESSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial.: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Alexandre Morais da Rosa é Professor de Direito Penal e Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: [email protected] Facebook aqui

Salah Hassan Khaled Junior é Doutor e Mestre em Ciências Criminais, Mestre em História e Especialista em História do Brasil. Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, Professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social

Imagem Ilustrativa do Post: The Terminator // Foto de: Garry Knight // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/garryknight/7468555248/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Referências

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