Artigos Empório do Direito – O tarja – preta para dormir e o direito penal: penazil

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O tarja – preta para dormir e o direito penal: penazil

O artigo aborda a crítica ao sistema penal e à ideia de ressocialização, questionando a eficácia da pena privativa de liberdade como instrumento de reintegração social. Os autores, através de uma reflexão crítica, argumentam que a punição muitas vezes se torna uma forma de vingança, perpetuando a exclusão e o sofrimento ao invés de promover a justiça. A obra sugere que uma reforma mais significativa seria a substituição do Direito Penal por abordagens que priorizem a educação e a prevenção, desmistificando a crença de que a prisão é um caminho para o bem do condenado.

Artigo no Empório do Direito

Por Alexandre de Morais da Rosa e José de Assis Santiago Neto – 10/02/2016

Se alguém perguntar aos alunos do curso de direito para quê serve a pena a resposta vinda dos oráculos do Direito será uma só: é claro que é para ressoacializar, dirão os mais felizes (aqueles que dormem bem durante a noite e não possuem grandes preocupações em relação a isso). Basta uma olhadela na Lei de Execuções Penais para se verificar que por ela o oráculo-legislador também acredita que esse seja o objetivo da execução penal e, portanto, da própria pena privativa de liberdade. O oráculo-jurisprudência também nos diz que a ressocialização é o fim da pena privativa de liberdade[1], basta uma simples pesquisa em seus sites para verificar tal fato.

Vale juntar essa ideia com o fato de que o senso comum quer cada vez mais punição, como diz Amilton Bueno de Carvalho[2], “o senso comum é agressivo”, quer cada vez mais penas, de preferência com maior duração e menos benefícios. Afinal, quanto mais tempo no cárcere mais ressocializado deve voltar o apenado, já que se acredita que esse seria esse o fim da pena.

Porém, como já foi mostrado por aqui que essa história de ressocialização não passa de uma lenda que não suporta uma reflexão minimamente mais avançada. Zaffaroni[3] já nos mostra que o sistema punitivo não se legitima, muito menos a ideia de ressocializar alguém. Mostra ainda que a punição possui seus alvos certos e determinados, quase sempre (já que toda unanimidade é burra, diria Nelson Rodrigues) o diferente, como também nos ensina Zaffaroni[4], ou seja, mudam as bruxas mas a perseguição continua, agora com destino diverso, o que antes foi a fogueira agora é a cadeia, mas, no fundo a fogueira punitivista continua acesa e cada vez mais ardente. Afinal, “A agência judicial penal carece do poder necessário para produzir a grande mudança social que a consecução do objetivo mediato ou utópico de sua estratégia exigiria (a abolição do sistema penal) e, consequentemente, a única coisa que se deve fazer é o que está ao seu alcance, reduzir progressivamente sua própria violência seletiva e arbitrária, com vistas a uma atitude aberta ou ‘inacabada’”[5].

Sequer conseguimos excluir o inquisidor, juízes paranoicos, nas palavras de Cordero[6], continuam a atuar e a substituir o acusador no palco processual[7], tudo em nome de uma verdade previamente estabelecida e com o único fim, trancafiar o sujeito no cárcere. Mas sempre, é claro, com um único fim, o bem do próprio acusado. A sanha punitiva reproduz mitos, juízes-super-heróis tomam de assalto os foros criminais na busca pela punição a todo preço, afinal coloca-se na conta do Direito Penal e, consequentemente, da jurisdição penal uma missão que não é e nunca será dela, a de pacificação social. Espera-se do juiz que faça justiça, como se esse fosse o fim do processo no Estado Democrático de Direito e, mais, somente será justa a sentença condenatória, sendo injusto o juiz, muitas vezes, que ousar absolver o acusado. Quanto mais condenações melhor o juiz, que fará o favor de encher a fábrica de maus cidadãos e que, com o tempo voltarão melhores para o convívio social. O medo, quando compartilhado, facilita a dominação pela emoção[8], fazendo com que floresça o maniqueísmo social, onde os bons devem proteger a si e aos outros bons da maldade dos maus, ou se está de um lado ou de outro na guerra entre bandidos e cidadãos de bem. Nesse contexto, o jogo do Processo Penal[9] já nasce de cartas marcadas, os bons devem vencer, tal qual nos filmes onde o mocinho sempre se dá bem e o vilão sempre acaba derrotado.

A bondade de tais gestos é patente, os inquisidores querem é o próprio bem do acusado, afinal, passará a gozar por anos de um amplo complexo de hospedagem onde contará com o calor humano que só a superlotação é capaz de proporcionar. E o que é melhor, ainda poderá daquela sociedade paralela, aprender a conviver na sociedade que o excluiu de sua convivência. É tudo perfeito e programado para fazer o bem, só esqueceram de perguntar isso para uma pessoa: aquele que sofrerá a pena, e precisa? É tudo por seu bem…

Veja-se bem, até o erro judiciário seria bom, já que a cadeia visa o bem do sujeito… Mesmo aqueles que para lá são mandados por engano voltarão de lá pessoas melhores. Melhor seria todos passarmos as próximas férias em um complexo penitenciário, assim teríamos a oportunidade de nos tornar pessoas melhores…

A lógica é a mesma da ‘falácia desenvolvimentista’ apontada por Dussel[10] no momento da instauração do mito da Modernidade e o consequente ‘encobrimento do outro’[1]. Mantendo a divisão de dois mundos, do ‘bem’ versus o ‘mal’, herdada, ademais, da Inquisição, em ‘Nome-do-Outro’, mas sob ‘nova direção’: a ciência. Assim é que o argumento se articula da seguinte forma: a) eu sou normal e você doente; b) sendo superior, é meu dever moral desenvolver os mais primitivos; c) o padrão de normalidade é o meu; d) se o ‘desviado’ resiste à normalização, estou legitimado a o excluir, porque a pena é um tratamento em prol do próprio criminoso, é a cura; e) eventuais vítimas são necessárias à cura dos demais, no sentido de quase um ritual de sacrifício; f) o ‘criminoso’ tem culpa de resistir e pela ‘pena’ pode ser perdoado/tratado; g) ao final, nesse processo de normalização, os custos – sofrimento e sacrifícios – são inevitáveis e até mesmo necessários à cura dos primitivos. Por isso a iminência democrática de negar este discurso sobranceiro que beira à ‘raça pura’ do ‘nazismo’ e que se encontra na prática forense, principalmente na aplicação da pena.

É assim que funciona no mundo dos bons, daqueles que acham que se pune para o bem do próprio punido. O castigo não passa de favor, como a palmada carinhosa que um pai aplica no filho que fez uma travessura ou naquele castigo de ficar sem videogame que a mãe aplica quando a criança comete alguma travessura… Continuamos vendo o acusado como um menino travesso, mas esses travessos continuam a ter origens comuns, classes comuns, são escolhidos pelos iguais justamente por não serem como eles.

No mundo real, é claro que as coisas não são bem assim, não se pune para o bem de ninguém. Essa é apenas a mentira que contamos a nós mesmos para pensar que trancamos seres humanos em lugares fétidos, insalubres, lotados para o próprio bem deles, para que voltem melhores. Se assim não fosse, não haveria sono possível, esse é nosso comprimido tarja-preta que tomamos para dormir em paz, o penazil.

Porém, lembrando das aulas como diz o professor Rosemiro Pereira Leal (PUC/MG) e de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR), o estudo angustia, faz com que as noites de sono não sejam mais as mesmas. Estudar Zaffaroni, mostra que a pena privativa de liberdade não serve para nada mais que para fazer o mal. É a troca de um mal pelo outro, não se busca o bem de ninguém. Foucault[11] mostra que a punição não é nada mais que a reprodução do sofrimento, não se pune pelo bem, apenas para o mal. Algo como dizer ao condenado: “Você fez o mal e, por isso, o Estado está autorizado a fazer-lhe o mal”. Nada mais que uma vingança, pura e simplesmente vingança.

Amilton Bueno de Carvalho[12], à marteladas, ensina que a punição é uma forma de terrorismo, imposta pela intimidação para eliminar parasitas em garantia da autodefesa da sociedade, sendo a punição mera vingança contra aqueles parasitas.

Descobrir isso corta o efeito do penazil, traz a insônia de volta, não nos deixa dormir mais o sono dos justos. A pena não serve mais para a tal da ressocialização, afinal, como falar em (re)socializar quem sequer teve oportunidade de ser socializado? Como ressocializar excluindo da tal da sociedade? Como ensinar a conviver em um meio do qual foi excluído? É uma conta que não se fecha. Não se aprende as regras de um meio fora dele. A única forma de se socializar alguém é através da educação voluntária. Deve-se investir mais em escolas que em presídios! Não se percebe que quando o Direito Penal chegar o dano já foi efetivado, não se pode prevenir depois do ocorrido, a prevenção deve vir antes, ou não será “pré”…

Não se percebe que, como afirma Baratta[13], citando Radbruch, que a melhor reforma do Direito Penal é sua substituição, mas não por um Direito Penal melhor, mas por qualquer coisa melhor que o Direito Penal. Não perceber isso, ou é má fé ou completa ignorância, verdadeira falta de estudo. Infelizmente, alguns, ao serem aprovados em concursos públicos cujos conteúdos são meramente dogmáticos, sem qualquer vínculo teórico-crítico, ainda aproveitam para certificar o trânsito em julgado dos livros… Infelizmente.

Realmente, estudar angustia, faz com que os mitos e contos de fadas se desfaçam, suspende o uso de nosso tarja-preta, faz parar de acreditar em seus milagrosos efeitos… Porém, é uma opção tomar ou não o doce remédio. Alguns preferem continuar a tomar o remédio, acreditar que a prisão é para o bem do condenado e que ele sairá de lá ressocializado, e, assim, continuam a dormir o sono dos justos (ou seria dos justiceiros?), vivendo felizes para sempre como em um conto de fadas. E claro, ficam muito brabos quando cortamos o medicamento.

Notas e Referências:

[1] Vide STJ HC 220392 / RJ; HC 208369 / SP, entre outros.

[2] Direito Penal a Marteladas: Algo sobre Nietzsche e o Direito, p. 81.

[3] Em Busca das Penas Perdidas

[4] O inimigo no Direito Penal

[5] ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em Busca das Penas Perdidas.

[6] Guida Alla Procedura Penale.

[7] SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

[8] PASTANA, Débora Regina. Cultura do Medo: Reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil.

[9] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos.

[10] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. Epharaim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002.

[11] Vigiar e punir.

[12] Direito Penal a Marteladas: Algo sobre Nietzsche e o Direito Penal.

[13] Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal.

DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. Epharaim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002.

. Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: [email protected] / Facebook aqui

José de Assis Santiago Neto é Mestre e Doutorando em Direito Processual pela PUC/MG, Professor de Direito Penal e Processual Penal da PUC/MG (Campus Betim), Advogado Criminalista – sócio da Santiago & Associados Advocacia, Diretor do Instituto de Ciências Penais (ICP), Coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em Minas Gerais, Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).

Imagem Ilustrativa do Post: Depression // Foto de: Victor // Sem alterações

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