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Perda de uma Chance probatória se aplica ao Processo Penal

O artigo aborda a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance ao Processo Penal, enfatizando a importância da produção de provas além dos depoimentos policiais. Os autores argumentam que a ausência de provas materiais compromete a chance do acusado de se defender adequadamente, comprometendo a presunção de inocência e a legitimidade da condenação. A análise sugere que a omissão estatal em coletar provas pode resultar em consequências graves, reforçando a necessidade de um processo penal justo e completo.

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“Na lição de François Chabas, existem algumas características principais: a vítima deve estar em um processo aleatório, que foi interrompido pelo ato do agente e que ao final poderia lhe representar uma vantagem. Assim, pode-se afirmar que há uma ‘aposta’ perdida (essa aposta é uma possibilidade de ganho, é a vantagem que a vítima esperava auferir – como a procedência da demanda judicial e a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos – que normalmente pode ser enquadrada dentro da categoria de lucros cessantes) e uma total falta de prova do vínculo causal entre a perda dessa vantagem esperada e o ato danoso, pois essa aposta é aleatória por natureza.”

Não se pode negar que o acusado poderia ser condenado com a prova já existente nos autos, mas também não é menos verdade que a produção das demais provas possíveis (periciais, depoimentos, filmagens, etc.), sempre carga probatória da acusação, poderia enfraquecer ou mesmo levar à absolvição. No campo do processo penal, pois, a ideia que preside é a da acumulação de elementos de convicção por parte da acusação. Em uma frase: toda prova é necessária e nada é dispensável. O acusado perdeu a chance, com a não produção (desistência, não requerimento, inviabilidade, ausência de produção no momento do fato etc.,) de que sua expectativa de absolvição fosse destruída de boa-fé. Rafael Peteffi da Silva anota que as chances devem ser sérias e reais:

“A observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais para separar as chances potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada. Inicialmente vale ressaltar que as chances devem ser apreciadas objetivamente, diferenciando-se das simples esperanças subjetivas (…). A verificação objetiva das chances sérias e reais é muito mais uma questão de grau do que de natureza. Assim, somente a análise dos casos concretos possibilitará ao magistrado a verificação da real seriedade das chances. No entanto, podem-se traçar algumas características gerais, que auxiliam o aplicador do direito em um discernimento mais seguro e menos casuístico sobre a eventualidade do dano.”

E continua:

“A chamada ‘Teoria da Perda da Chance’, de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável; (…). Como foi visto até o presente momento, a teoria da perda de uma chance é utilizada devido à impossibilidade de se saber se a ‘aposta’, isto é, o processo aleatório, apresentaria um resultado positivo.”

Feita essa aproximação, nos limites do artigo, cabe dizer que é cada vez mais comum, especialmente pela chancela do Poder Judiciário, que as condenações ocorram exclusivamente com base na palavra dos policiais. E isso significa, em síntese, que não se possui mais nada a se fazer no processo em contraditório. Confirma-se o que se disse no flagrante ou no inquérito policial. E isso é pouco democrático porque havia chances de se produzir provas para além dos agentes estatais. Nos casos de tráfico a questão beira ao paroxismo. De regra, as provas da condenação advêm somente dos depoimentos dos policiais e não encontram guarida no restante do acervo probatório. Muitas vezes os policiais afirmam que a abordagem se deu logo após observarem a venda para um usuário de droga, mas nenhum possível comprador de droga é identificado ou presta declaração, nem é conduzido à autoridade policial. Consequentemente, dito usuário jamais será ouvido em juízo. Nem sequer, quando a venda ocorre em veículos, as placas dos tais compradores são anotadas. Assim, os agentes de segurança pública deixam de colher prova potencialmente isenta, não por ausência de possibilidade de produção da prova mais adequada, mas sim pela cômoda adoção da lei do menor esforço e pela confiança na atribuição de alta confiabilidade aos seus próprios relatos.

Estamos em 2014, tempos em que a tecnologia facilita as filmagens — aliás, os policiais depois da jornadas de protestos de 2013 receberam câmeras para serem colocadas nas fardas — e não se justifica a manutenção do modelo medieval de produção probatória testemunhal. Há possibilidade de tal proceder e não se faz. Logo, enfraquecida resta a prova. E é o que se faz quando se confere alto valor probatório aos testemunhos de policiais, dando-lhes capacidade de, per se, embasarem uma condenação: o próprio agente público finda por “se transformar na prova” quando, na realidade, sua função precípua é a de angariar elementos probatórios.

São possíveis a filmagem de toda a ação; investigações anteriores; condução dos usuários por porte etc. Mas nada disso é produzido. A acusação se restringe a produzir (repetir) em juízo os depoimentos dos policiais. Nesse contexto, ainda que os depoimentos dos policiais não sejam inválidos, cabe indagar se o Estado polícia, acusador e juiz, não deve exigir a produção de todas as provas possíveis, sob pena de flexionar a presunção de inocência pressuposta em nome da facilidade da condenação, fazendo com que o acusado perca a chance de questionar a consistência e coerência de todas as provas.

Não se trata de uma quimera. Mas de tipo penal com pena de cinco anos. A perda da chance de que todas as provas contra si sejam produzidas implica numa perda, sem possibilidade de produção pela parte contrária, lembrando-se, ainda, que o acusado nada deve provar. Dito de outra forma: o Estado não pode perder a chance de produzir provas contra o acusado em nome da eficiência. Todas as provas possíveis se constituem como preceitos do devido processo substancial, já que a vida e a liberdade do sujeito estão em jogo. Deve, portanto, exigir-se a justificativa plausível para que tenha se perdido a chance de se produzir prova material, além da testemunhal, pelos agentes estatais.[4]. Não basta ausência de condições tecnológicas, pois essas são possíveis e não realizadas pelo próprio Estado. Há a perda de uma chance para defesa pela ausência de prova possível e factível da acusação, a ser apurada em cada caso. Por sua omissão o Estado ceifa a possibilidade de comprovação mais substancial e impede a perfeita configuração da ação típica.

Não é coerente, por exemplo, aceitar-se como suficiente o relato prestado por policiais no sentido de que viram o acusado praticando o crime de tráfico de droga quando, por exemplo, havia possibilidade de os mesmos agentes, no estrito cumprimento do dever legal, colherem informações de terceiros para justificar a prisão em flagrante. Proceder assim é atentar contra a qualidade da prova e deslegitimar eventual decisão condenatória, porque obviamente não foram esgotadas — e por culpa do próprio Estado — as formas de averiguação do fato imputado. Por isso é que se afirma: a destruição do estado constitucional de inocência do acusado não pode se dar unicamente pela prova produzida contra ele pelo Estado na forma de seus agentes, dado que dificilmente refutável, a se considerar a realidade dos casos, nos quais não raramente a única defesa do acusado será sua própria palavra – a qual se dá pouca confiabilidade na jurisprudência – em face da dos policiais. Dever-se-á, assim, sempre se exigir uma “comprovação externa”, a ser buscada pelos próprios agentes públicos quando do cumprimento das diligências, claro, dentro de uma razoabilidade, já que nem todas as condutas possibilitam a ampla produção probatória.[5]

Ademais, reforça-se que não é papel do acusado provar sua inocência, já que a carga probatória é do Ministério Público, a quem incumbe demonstrar, de maneira inequívoca, que a droga apreendida era de fato destinada à comercialização e, mais do que isso, que o acusado possuía relação com a droga apreendida. O dano decorrente da condenação, mesmo ausente a produção de prova possível, implica no reconhecimento da modulação, invertida, da Teoria da Perda de uma Chance, no Processo Penal. Não se trata de dano hipotético ou eventual, mas sério e real da liberdade de alguém. A perda da chance probatória por parte do Estado acusação gera o nexo de causalidade com a fragilidade da prova que poderia ser produzida e, com isso, diante da omissão estatal, pode-se aquilatar, no caso concreto, os efeitos dessa ausência. Dado que a única presunção constitucionalmente reconhecida é o da presunção de inocência, não produzida prova capaz de corroborar a palavra isolada dos policiais, em muitos casos, a condenação será abusiva, ainda mais quando disponíveis, em pleno 2014, meios tecnológicos hábeis (utilizados amplamente por forças policiais em diversos países), ausente no Brasil. Não se está duvidando da palavra dos policiais. O que se reconhece é que a condenação de um sujeito, em uma democracia, exige a produção dos meios probatórios disponíveis. Sem eles, havendo qualquer dúvida, a absolvição é o único caminho.

Sabe-se que a condenação exige certeza e, havendo dúvida acerca da autoria do delito, bem assim a perda da chance de produção de prova por parte do Estado, plenamente factível, nos dias atuais em face dos avanços tecnológicos, a absolvição é a medida que se impõe. A Teoria da Perda de uma Chance, assim, pode ser invocada no Processo Penal para o fim de justificar teoricamente a absolvição pela falta de provas possíveis, não apuradas, não produzidas, mas factíveis, prevalecendo a presunção de inocência.

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