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Súmula 676 do STJ: uma vitória de Pirro?

O artigo aborda a recente aprovação da Súmula 676 do STJ, que impede a conversão de prisão em flagrante em preventiva de ofício, destacando a importância da estrutura acusatória no processo penal brasileiro. Os autores discutem a necessidade de mudança de mentalidade entre os operadores do direito e criticam a manutenção de práticas inquisitórias que desrespeitam essa estrutura, sugerindo que a nova súmula, embora um avanço, pode ser insuficiente sem uma mudança significativa nas audiências de custódia e nas decisões judiciais.

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Em 11/12/2024, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 676 com a seguinte redação: “Em razão da lei 13.964/19, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva”. O entendimento do STJ, ao nosso ver, é acertado à luz da estrutura acusatória insculpida na Constituição e no artigo 3º-A do Código de Processo Penal. Contudo, insuficiente para efetivamente combater a famigerada prisão de ofício na práxis forense.

Se não vigorasse no Brasil um compatibilismo inquisitorialmente guiado entre o retalhado Código de Processo Penal e a Constituição, o mero advento da Constituição Cidadã teria sido suficiente para extirpar as prisões de ofício do sistema de Justiça Criminal. Se o próprio artigo 129, inciso I, determina que o Ministério Público é o titular da ação penal pública, conclui-se que o processo penal deveria ser parametrizado pelo sistema acusatório, e, por conseguinte, acusação e órgão julgador teriam que exercer as inconfundíveis funções que lhes foram constitucionalmente determinadas.

A adoção do sistema acusatório reclama a substituição da figura do juiz protagonista pelo juiz espectador. A teoria da dissonância cognitiva explica que posturas ativas do julgador, a exemplo da decretação da prisão preventiva de ofício, contaminam (mesmo que involuntariamente) suas posteriores decisões no curso do processo. Destarte, a imparcialidade do magistrado, princípio supremo do processo, resta maculada se lhe for facultada a possibilidade de iniciativa acusatória e probatória no transcorrer da persecução penal.

A opção constitucional pelo sistema acusatório foi ratificada pela Lei n° 13.964/19 ao inserir o artigo 3°-A no Código de Processo Penal. Ademais, o nominado “pacote anticrime” trouxe nova redação aos artigos 282, §2° [1], 311 e 316 [2], todos do CPP, vedando expressamente a decretação de ofício da prisão preventiva, bem como das medidas cautelares diversas da prisão. Nessa nova conjectura, restou superado o Tema 10 da Edição nº 120 da Jurisprudência em Tese, que foi firmado antes do advento da lei acima referida e registrava a possibilidade de conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva, desde que presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis

Não obstante, em uma verdadeira demonstração empírica de que inovações legislativas são de pouca valia se desacompanhadas de mudança de mentalidade dos operados jurídicos, vozes (inquisitórias) continuaram a sustentar a possibilidade de conversão de ofício da prisão em flagrante em prisão preventiva, sob argumentos pífios no sentido de que o magistrado não estaria decidindo de ofício, mas sim mediante provocação, configurada pelo recebimento do auto de prisão em flagrante, bem como que a decisão judicial encontraria guarida no regramento do artigo 310, II, do CPP.

A bem da verdade, a autoridade policial remete o auto de prisão em flagrante ao juiz em razão do regramento constitucional de que toda prisão deve ser imediatamente comunicada à autoridade judiciária competente. O cumprimento das atribuições do delegado não pode ser interpretado como representação apta a provocar uma decisão de segregação cautelar, mormente quando as partes (acusação e defesa) se manifestam expressamente pela concessão de liberdade provisória. De mais a mais, o artigo 310, II do CPP deve ser interpretado sistematicamente com os artigos 282, § 2º, e 311 do mesmo diploma legal.

Substancialmente, inexiste diferença entre a prisão preventiva precedida de liberdade ou decorrente de conversão da prisão em flagrante. Seguindo nessa linha, a 3ª Seção do STJ, nos autos RHC nº 131.263/GO [3], firmou entendimento pela vedação da conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva. Esse precedente, que vai ao encontro dos comandos constitucionais e legais, não foi devidamente observado pelos magistrados brasileiros, de sorte que se fez necessária a edição da Súmula 676 do STJ.

Calha frisar como é árdua a luta pela efetivação do sistema acusatório na justiça criminal brasileira. Precisou-se da edição da Súmula 676 do STJ para assentar o que já comandava a Constituição, o CPP e o precedente fixado pela 3ª Seção do STJ. Por um prisma retrospectivo, é indiscutível a evolução jurisprudencial acerca da matéria, mas ainda precisamos avançar mais.

Contorcionismos semânticos

A Súmula 676 do STJ não é a panaceia para extirpação das prisões de ofício do sistema de justiça criminal brasileiro. Nas audiências de custódia, comumente os pedidos de liberdade provisória feitos pelo Ministério Público são cumulados com medidas cautelares diversas da prisão, e nossos tribunais superiores têm reiterados julgados no sentido de que a decretação de prisão preventiva pelo magistrado, nas hipóteses em que o Parquet se manifestou pela decretação de cautelares diversas da prisão preventiva, não configura atuação de ofício [4]. A prevalecer esse posicionamento (inquisitório), a prisão de ofício continuará a ser realidade na justiça criminal.

Doravante, realizar-se-á um cotejo crítico entre os fundamentos sobre os quais gravitam a tese de que a escolha pelo magistrado de medidas cautelares pessoais, em sentido diverso das requeridas pelo MP, pela autoridade policial ou pelo ofendido, não pode ser considerada como atuação ex officio, e as balizas que, de outra banda, servem de sustentáculo para demonstração de como essa tese viola a estrutura acusatória normatizada.

Para os defensores da tese, o juiz tão somente pode determinar uma medida cautelar se houver prévio requerimento do Ministério Público nesse sentido. Não obstante, após a sinalização do Parquet, o magistrado estaria autorizado, no exercício de sua jurisdição, a decidir pela medida cautelar mais adequada ao caso concreto, pois a vinculação do Judiciário ao pedido formulado o transformaria em um mero chancelador dos requerimentos do Ministério Público. Para outros, se o juiz não tivesse a discricionariedade de deliberar fora dos quadrantes indicados pelo órgão acusatório, haveria subversão do sistema acusatório, pois, ao fim e ao cabo, caberia ao órgão acusatório ditar as decisões judiciais.

Em contrapartida, entendemos que os argumentos acima são meros contorcionismos semânticos utilizados para assegurar a estrutura autoritária do processo penal brasileiro. O juiz, em um modelo acusatório de processo penal, não pode desbordar para além da manifestação das partes [5]. A uma, porque destoa das funções do juiz a decretação da prisão preventiva sem requerimento expresso do órgão acusatório. A duas, porque qualquer postura judicial que tenha inclinação acusatória viola a paridade de armas entre as partes. A três, porque o juiz que se comporta como protoganista da persecução penal, compromete sua imparcialidade.

Vale pontuar, por fim, que lutar pela implementação da figura do juiz neutro não significa inviabilizar a possibilidade de decretação de medidas cautelares em desfavor do acusado ou obstar a eficiência persecutória. Trata-se, tão somente, de conferir à acusação e ao órgão julgador os lugares que lhe foram constitucionalmente estabelecidos e, em consequência, garantir ao acusado que as decisões que lhe atingem serão tomadas por um juiz imparcial.

Proibir o juiz, de ofício, de converter a prisão em flagrante em preventiva e, concomitante, lhe possibilitar a decretação da prisão quando o Ministério Público se manifestar pela concessão de liberdade provisória cumuladas com cautelares diversas da prisão é uma vitória de Pirro, porquanto infelizmente é praticamente nula a possibilidade do órgão acusatório, em sua manifestação na audiência de custódia, não acoplar medidas cautelates ao pedido de liberdade provisória.

[1] § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

[2] Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

[3] STJ, Terceira Seção, RHC nº 131.263/GO, rel. min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/2/2021, DJe 15/4/2021.

[4] A título exemplificativo, citamos os seguintes precedentes: STF, RHC: 234974 AL, relator min. Cristiano Zanin, j. em 19/12/2023; STJ – AgRg no HC: 764022/SC, rel. min. Laurita Vaz, 6ª Turma, j. em 27/3/2023; STJ, RHC nº 145.225/RO, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 15/2/2022.

[5] Nesse sentido: STF, HC: 227500/MG, rel. min. Gilmar Mendes (decisão monocrática), j. em 3/5/2023.

Referências

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