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A impossibilidade de qualquer prejuízo com o exercício do silêncio

O artigo aborda o impacto das vedações do artigo 478 do Código de Processo Penal nas sessões do Tribunal do Júri, enfatizando a importância do direito ao silêncio do réu e as implicações legais de sua menção em argumentações. Os autores discutem a distinção entre diferentes tipos de limitações impostas pela norma e argumentam que a exploração do silêncio do acusado como um argumento pela acusação não pode ser aceita, pois configura uma violação dos direitos constitucionais, levando à nulidade do julgamento. Além disso, enfatizam que até mesmo a ausência do réu no julgamento deve ser tratada com cautela, uma vez que se relaciona ao mesmo direito fundamental de permanecer em silêncio.

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Um grande problema enfrentado durante as sessões plenárias do Tribunal do Júri diz respeito à compreensão dos limites das vedações estabelecidas no artigo 478 do Código de Processo Penal.

A primeira questão a ser observada é se o referido dispositivo se estrutura apenas como limite simbólico, podendo ser ampliada a sua interpretação, ou se a previsão normativa segue exclusivamente para essas hipóteses.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo no sentido da taxatividade do rol aí estabelecido [1], compreendendo que outras hipóteses, como a menção aos antecedentes dos acusados, são lícitas ainda que inapropriadas. (Precedentes: AgRg no AREsp 1.533.952/SC; AgRg no AREsp 1.737.903/MS). Já nos inclinamos pela discordância face a grave violação ao princípio da inocência no seu viés de tratamento, mas será tema para outra coluna.

Neste artigo, nos ateremos à segunda vedação legal, atinente à menção ao direito constitucional ao silêncio em prejuízo do réu submetido ao julgamento.

Vamos partir da seguinte hipótese prática: durante o julgamento em Plenário do Júri, a acusação lamenta a ausência de respostas às suas perguntas na fase investigativa, na primeira fase ou em plenário. Porém, salienta que não se utilizou do referido argumento para afirmar a responsabilidade do acusado, bem como o próprio exercício do silêncio.

A questão é: no contexto hipotético acima, incidiria a vedação legal, caracterizando-se a nulidade a partir da inobservância da vedação prescrita no inciso II do artigo 478, CPP?

Inicialmente, há de se observar clara distinção realizada pelo legislador, ao formular dois incisos distintos, deixando para as hipóteses em que se faz menção à ausência de autodefesa do acusado a fórmula “em seu prejuízo”, abandonando a fórmula “como argumento de autoridade” utilizada no inciso I.

O motivo é simples: o argumento de autoridade deriva da utilização de uma decisão judicial, que possui a autoridade decorrente da posição atribuída à figura do juiz presidente perante os jurados [2] ou a referência ao aspecto prisional para justificar a hipótese acusatória ou defensiva. Por se tratar de decisões que não determinam a culpa ou a ausência dela, não podem servir de fundamento pelas partes para suas sustentações orais.

Ao falarmos da autodefesa do acusado, por outro lado, não há de se falar em autoridade de seu silêncio ou autoridade da ausência do interrogatório. Fala-se apenas no exercício de um direito constitucionalmente previsto. O exercício de um direito, todavia, não poderia ser utilizado em prejuízo do indivíduo, sob pena de esvaziamento da proteção constitucional, bem como de gerar uma contradição direta da norma com a Constituição Federal.

Enquanto o inciso I se apresenta como limitador das falas de ambas as partes, nota-se que o inciso II deixa claro que se trata de limite aos excessos da acusação, sempre que esta violar o direito constitucional do acusado de permancer em silêncio, conhecido como nemo tenetur se detegere.

Quando a pessoa submetida a uma pretensão penal condenatória exerce um direito constitucionalmente previsto, o exercício desse direito não pode ser explorado pela acusação como um comportamento reprovável, sob pena de grave violação às próprias proteções constitucionais e convencionais. É por isso que a lei determina que mencionar o silêncio do acusado em seu prejuízo é causa da nulidade irreparável.

Quando a acusação, ao sustentar sua pretensão condenatória, lamenta que o acusado não tenha respondido às suas perguntas, torna-se legítimo questionar:

1) Qual o possível objetivo do argumento retórico utilizado, diante da ausência de conteúdo fático e probatório no ato do silêncio?;

2) Se não há conteúdo probatório no silêncio, em qual contexto a menção ao exercício desse direito pela acusação se mostra justificado?;

3) É possível a mera menção ao silêncio, independentemente da fase processual, sem que haja prejuízo direto ao acusado?

Não há conteúdo fático a ser extraído do silêncio do acusado. Por conseguinte, a menção ao silêncio ou o “profundo lamento” do seu exercício somente tem como função reforçar o ideário popular que conclui que “quem cala, consente”, o que resulta em produção de efeitos para todas as tomadas de decisão, diga-se de passagem!

No júri, como os julgadores não motivam suas decisões, não é possível apreender o nível de impacto dessas afirmações da acusação em suas conclusões. Por esse motivo, as cautelas do artigo 478 do CPP se mostram imperativas.

Essa discussão também deve ser abarcada pelo tema das nulidades. Para Leonel e Felix, “caso o Ministério Público assim proceda, é inegável o prejuízo, pois forma é garantia. No mais, o jurado julga sem fundamentar a sua decisão. Logo, como provar se tal fala do acusador teve ou não peso no convencimento do jurado?” [3].

A par do entendimento predominante na jurisprudência pela adoção do princípio pas de nullité sans grief [4], importação descabida do Processo Civil, o prejuízo deve ser presumido sempre que houver a condenação do acusado, pois não há a possibilidade de individualização do fundamento adotado por cada jurado ao decidir.

Um outro ponto desponta interesse: e com relação ao acusado ausente na sessão plenária? Essa regra também se aplicaria?

Vale relembrar a segunda parte do inciso II do artigo 478 sob análise: “À ausência de interrogatório por falta de requerimento”. Se o acusado opta por exercer o nemo tenetur se detegere em sua integralidade e não comparece ao ato de julgamento, o que lhe é garantido por lei fazer, não será possível ocorrer menção à sua ausência, pois fundada no mesmo direito fundamental que prevê o direito ao silêncio [5].

Na prática, a ausência do acusado no ato de julgamento já é tendencialmente compreendida como culpa pelo corpo de jurados [6]. A vedação à exploração dessa condição pela acusação, portanto, parece se encontrar no escopo da norma [7].

O necessário alicerce constitucional para assegurar o processo justo indica que o Superior Tribunal de Justiça precisa rever seus precedentes [8] a fim de assegurar uma interpretação que impeça a mera menção ao direito ao silêncio (independentemente da fase processual em que ocorreu), pois esta já importa em evidente prejuízo aos réus submetidos a julgamento perante o júri popular. Entender de forma diversa somente se torna possível em uma cultura inquisitória, que despreza o respeito aos direitos e garantias fundamentais alcançados com grandes esforços para a vivificação do texto constitucional.

[1] Nicolitt sustenta que esse rol é exemplificativo, abarcando outras decisões e documentos que possam exercer influências externas indevidas ao jurado, tais como o acórdão que anulou o julgamento anterior ou a decisão que decretou a prisão do acusado, posição à qual nos filiamos. NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. Belo Horiazonte: D’ Plácido, 2018, p. 572.

[2] Alexandre Morais da Rosa sustenta que o argumento de autoridade é o apossamento do argumento pelo cargo, a fim de garantir maior confiabilidade, mostrando-se completamente antidemocrático e antidiálogo. Recomendamos a leitura de ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Emais, 2020.

[3] LEONEL, Juliano de Oliveira. FELIX, Yuri. Nulidades no Tribunal do Júri. In: SAMPAIO, Denis. Manual do Tribunal do Júri. Florianópolis: Emais, 2021, p. 214.

[4] “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A juntada de documentos pela acusação após o interrogatório do réu é admitida, consoante artigo 231 do CPP. No caso concreto, não se constata nenhum prejuízo (artigo 563 do CPP), eis que a defesa apresentou alegações finais após a juntada de documentos. Além disso, consta dos autos que as partes tiveram acesso aos documentos apresentados e aos autos sigilosos (Quebra de sigilo bancário e fiscal) durante todo o decorrer da instrução. 2. A jurisprudência desta Corte Superior há muito se firmou no sentido de que a declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, previsto no artigo 563 do CPP e no enunciado 523 da Súmula do STF, o que não foi demonstrado na hipótese. 3. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 1962716/PR, rel. ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, 5ª TURMA, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021).

[5] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 826.

[6] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Emais, 2020, p. 619.

[7] SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Manual do Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 422.

[8] “(…) 3. Quanto à aludida violação do artigo 478, II, do Código de Processo Penal, foi fundamentado que o d. Promotor de Justiça teria apenas mencionado que o réu permaneceu em silêncio na fase inquisitiva e, em juízo, apresentou versões distintas, ou seja, este narrou o conteúdo da prova colhida nos autos em relação ao acusado, o que lhe é lícito fazer. 4. Verifica-se que há mera referência ao silêncio do agravante, sem a exploração do tema, apta a ensejar o reconhecimento de nulidade. 5. A menção ao silêncio do acusado, em seu prejuízo, no Plenário do Tribunal do Júri, é procedimento vedado pelo artigo 478, II, do Código de Processo Penal. No entanto, a mera referência ao silêncio do acusado, sem a exploração do tema, não enseja a nulidade. Na hipótese, não é possível extrair dos elementos constantes dos autos se houve ou não a exploração, pela acusação em plenário, do silêncio do réu em seu desfavor (HC nº 355.000/SP, ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 27/8/2019) (AgRg no AREsp 1.558.779/MT, rel. ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6ª TURMA, DJe 19/12/2019) (AgRg no AREsp nº 1.665.572/MG, ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, DJe 27/11/2020). 6. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp 1.894.634/SP, rel. ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021).

Referências

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