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Prévia compreensão do consumidor é pressuposto de validade de cláusula contratual

O artigo aborda a importância da prévia compreensão do consumidor como condição essencial para a validade das cláusulas contratuais, destacando que a informação clara e adequada é fundamental nas relações de consumo. Os autores destacam que a abordagem do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é distinta da lógica dos contratos civis, visando garantir equidade informacional e à proteção do consumidor, reconhecendo sua vulnerabilidade na relação de consumo. Por fim, enfatiza-se que a interpretação das contratações deve favorecer sempre o consumidor, considerando o contexto prático da negociação.

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Pesquisa realizada em 2020 [1], aponta que das 780.179 reclamações recebidas pelo Consumidor.gov.br [2] em 2019, apenas 21.68% eram alheias à assimetria informacional e que 78.32% poderiam ser evitadas com maior equidade informacional. A mesma pesquisa, valendo-se de jurimetria, demonstra que 77,99% dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, que tem a palavra “consumidor” na ementa, também tem a palavra informação, pois a informação adequada é premissa fundamental para a eficácia dos contratos de consumo.

A informação, portanto, é elemento vital no contrato de consumo cujo adimplemento a ela — à correta prestação da informação — está direta e indiretamente ligado. É a informação, bússola da liberdade de escolha da pessoa consumidora e condição de validade de todo o contrato de consumo: não basta estar escrita, não basta constar do contrato, ela precisa ser realmente captada, compreendida pela pessoa consumidora.

Por esta premissa, toda a lógica contratual do Direito do Consumidor é diversa da lógica dos contratos civis e empresariais. Mas em termos históricos, o Direito do Consumidor é muito jovem — pouco mais de 30 anos —, de modo que o contrato de consumo ainda é tratado como se fosse contrato cível ou empresarial, porquanto o contrato de consumo seja um contrato entre desiguais regulado pelo CDC e não pelo Código Civil. E o CDC, por este contexto, é dotado de ferramentas para garantir a equidade informacional, entre as quais a inversão do ônus da prova, a nulidade de cláusulas abusivas, a vinculação da oferta ao contrato, etc.

Inclusive, a relação entre CDC e CC não é uma relação de subordinação, mas de complementaridade: os contratos de consumo e todas as situações dele decorrentes são reguladas a partir do CDC, e não do CC: é o CDC que dispõe da tecnologia jurídica necessária a que a pessoa consumidora receba efetivamente o que comprou (nem mais, nem menos, mas o justo) e que receba todas as informações dos ônus e bônus da contratação. É a motivação da pessoa consumidora lastreada na informação recebida previamente que constitui o conteúdo válido deste contrato.

Tal “tecnologia” constante do CDC dispõe das mais variadas ferramentas para garantir que a informação seja clara, adequada e eficaz, sempre partindo do princípio fático e incontornável da desigualdade da relação de consumo.

A força da informação prévia

Por tal propósito é que o artigo 30 do CDC determina que todas as informações suficientemente precisas integram o contrato; o artigo 31, que todas as informações devem ser claras; o artigo 46, que a informação não prestada não gera obrigação ao consumidor e o artigo 47, que a interpretação do resultado final deve ser a mais favorável ao consumidor:

Ou seja, toda a estrutura do contrato de consumo está alicerçada na força da informação prévia, adequada, compreensível ao consumidor como requisito para a sua válida formação da vontade, de modo que o contrato, no Direito do Consumidor transcende o instrumento formal e absorve toda a negociação como bem explica Herman Vasconcelos e Benjamin (ministro do STJ):

“(…) No CDC, a informação deve ser clara e adequada (arts. 12, 14, 18, 20, 30, 31, 33, 34, 46, 48, 52 e 54), esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou, se falha, representa a falha (vício) na qualidade do produto ou serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Da mesma forma, se é direito do consumidor ser informado (art. 6º, III) este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado (art. 1º). Assim, a cláusula ou prática que considere o silêncio do consumidor como aceitação (a exemplo do art. 111 do CC/2002), mesmo com falha da informação, não pode prevalecer (arts. 24 e 25), acarretando a nulidade da cláusula no sistema do CDC (art. 51, I) e até no sistema geral do Código Civil (art. 424 do CC/2002). O direito à informação assegurado no art. 6º, III, corresponde ao dever de informar imposto pelo CDC ao fornecedor nos arts. 12, 14, 18 e 20, nos arts. 30 e 31, nos arts. 46 e 54)” (BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Cláudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2017, p. 86-87) [3].

Desta feita, o contrato de consumo não é apenas a versão formal, mas é ela e as tratativas da conversa no WhatsApp com a vendedora, o atendimento via telefônica e presencial, o folder e qualquer outra informação e que motivou a contratação.

E se existir uma contradição entre as informações prévias ao contrato e a sua versão formal (que muitas vezes só é entregue ao consumidor após a contratação, após o pagamento, ao arrepio do artigo 46 do CDC), valerá, conforme artigo 47 do CDC, a que mais beneficia a pessoa consumidora. Ou seja, se se tem uma conversa em WhatsApp ou e-mail com o vendedor dizendo que o pagamento se dará em 36 prestações, é ela que integra o contrato, mesmo que este, em sua versão formal, indique 48 prestações.

Assim é que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que, em contrato de consumo, não basta a literalidade, tendo que existir uma clareza semântica, uma verdadeira prévia compreensão do consumidor sobre o que está a contratar, como se vê no trecho adiante:

“(…) 3. Como o segurado é a parte mais fraca, hipossuficiente e vulnerável, inclusive no sentido informacional da relação de consumo, e o segurador detém todas as informações essenciais acerca do conteúdo do contrato, abusivas serão as cláusulas dúbias, obscuras e redigidas com termos técnicos, de difícil entendimento. 4. O consumidor tem direito a informação plena do objeto do contrato, e não só uma clareza física das cláusulas limitativas, pelo simples destaque destas, mas, essencialmente, clareza semântica, com um significado homogêneo dessas cláusulas, as quais deverão estar ábdito a ambiguidade. 5. Hipótese em que, diante da ausência de clareza da cláusula contratual que exclui a cobertura securitária no caso de furto simples, bem como a precariedade da informação oferecida à recorrente, associado ao fato de que as cláusulas pré-estabelecidas em contratos de adesão devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor, a referida exclusão se mostra abusiva e, em razão disso, devida a indenização securitária. (…)” (STJ, REsp nº 1.837.434/SP, rel. min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 3/12/2019, DJe 5/12/2019, transcrição parcial e sem destaques no original).

Dano informativo

Outrossim, a questão da informação nas relações de consumo é tão crucial que a teoria jurídica vem falando em “dano informativo”, como ressalta Fernanda Nunes Barbosa [4], caracterizado a partir de lesões oriundas de “defeitos informativos”, tais como a ausência, a insuficiência, a não veracidade ou o excesso nas informações devidas ao consumidor. Nesse contexto, já em 2007, o STJ apontava o direito à informação como “manifestação autônoma da obrigação de segurança”, um dever contratual positivo, abrangendo tanto a informação-conteúdo, quanto a informação-advertência, especialmente quando envolvendo consumidores hiervulneráveis – nesse sentido: REsp nº 586.316/MG, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 17/4/2007, DJe 19/3/2009.

Em suma:

– é direito da pessoa consumidora, o cumprimento pleno do direito à informação, não basta informação literal ou formal, é preciso clareza semântica, compreensão concreta da pessoa consumidora sobre os ônus e bônus da contratação.

– inexiste obrigação contratual da pessoa consumidora com base em informação inadequada ou ineficiente (a pergunta a ser feita sempre é “se soubesse disse, teria feito a contratação?”).

– justamente pela desigualdade que justifica a própria existência do direito do consumidor, o contrato de consumo, não tem a “mesma régua” do contrato cível ou do contrato empresarial.

– a compreensão desta peculiar identidade é fundamental para o próprio adimplemento voluntário dos contratos, diminuindo a judicialização.

– Cumprir o CDC não é caro. É mais caro (mas muito mais caro mesmo) não cumpri-lo. A produção de uma informação que não chega ao consumidor (e por isso não o obriga) tem um custo direto (a sua própria produção) e indireto (o inadimplemento e a discussão judicial ou extrajudicial bem como eventuais indenizações daí decorrentes).

[1] Tese de doutorado de Amélia Soares da Rocha, defendida em 10/08/2020 no Programa de Pós Graduação em Direito da Unifor – Universidade de Fortaleza e publicada, neste ano de 2021, pela Editora Foco, sob o título “CONTRATOS DE CONSUMO: parâmetros eficientes para a redução da assimetria informacional”.

[2] Mecanismo de solução extrajudicial de disputas organizado e mantido pela Senacon – Secretária Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

[3] Parte deste trecho, em sua versão de 2009 (2ª edição), está citada no REsp 1.365.609-SP (pagina 15 do acordão).

[4] BARBOSA, Fernanda Nunes. O dano informativo do consumidor na era digital: uma abordagem a partir do reconhecimento do direito do consumidor como direito humano. In: BORGES, Gustavo. CASAS MAIA, Maurilio. (Org.) Novos Danos na Pós-Modernidade. Belo Horizonte: 2019, p. 25-54.

Referências

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