Callegari e Linhares: Evasão de divisas e lavagem de dinheiro
O artigo aborda a relação entre o crime de evasão de divisas e a lavagem de dinheiro, ressaltando a possibilidade de que a evasão não seja necessariamente uma infração antecedente da lavagem. Os autores argumentam que, embora o STJ reconheça a configuração do crime de lavagem a partir da evasão, é necessário revisitar essa compreensão, considerando a proveniência dos ativos e a necessidade de que sejam originados de delitos anteriores para a caracterização da lavagem. Eles discutem três cenários práticos que ilustram essa intersecção entre os crimes, destacando a importância da origem lícita ou ilícita dos ativos envolvidos.
Artigo no Conjur
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente entendido ser possível a configuração do crime de lavagem de dinheiro a partir da prática do delito de evasão de divisas. Ou seja, a Corte Superior admite que o crime contra o Sistema Financeiro Nacional seja a infração penal antecedente à lavagem [1]. Em nosso entendimento, contudo, tal posicionamento merece ser revisitado pela Corte, por imposição do próprio tipo penal do crime de lavagem de dinheiro, especialmente se considerarmos o histórico da Lei de Lavagem brasileira.
Originariamente, o crime de lavagem de dinheiro foi pensado para incidir sobre o patrimônio auferido pelo agente com a prática de delitos específicos, especialmente o tráfico de drogas, como uma estratégia a mais no combate à infração penal antecedente — quer dizer, a criminalização da lavagem surge como um instrumento a mais de combate ao tráfico de drogas (primeira geração da lei de lavagem). Nesse contexto, o tipo penal do crime de lavagem foi historicamente constituído (e, o que é bastante importante, redigido) para incidir sobre movimentações dos ativos originados de infração penal, dos ganhos do agente com a prática da infração. Em outras palavras, o delito antecedente e os ativos lavados possuem uma relação de causa e efeito: a infração prévia é causa constitutiva dos ativos maculados; antes da infração prévia, o agente não os possui.
Desse modo, mesmo que a supressão legislativa do rol taxativo de infrações antecedentes tenha provocado uma significativa ampliação do âmbito fático de incidência do tipo penal do crime de lavagem, entendemos que continua a existir uma restrição semântica à aplicação do tipo penal de lavagem, restrição presente desde a primeira redação do caput do artigo 1º da Lei de Lavagem brasileira: justamente a “proveniência” delitiva dos ativos, à qual fizemos referência.
Desde sua redação inaugural (com um rol taxativo de delitos antecedentes), portanto, o tipo penal do crime de lavagem exige que os ativos objetos da lavagem sejam originados de um delito anterior; é justamente esse o significado do elemento típico “proveniente” (lugar de onde origina, fonte, procedência). Conferir ao substantivo “proveniência” um sentido mais amplo do que esse constitui violação frontal ao princípio da legalidade (taxatividade), enquanto vedação à analogia no Direito Penal, regra impositiva de um dever de interpretação restritiva dos tipos penais incriminadores.
A partir dessas bases teóricas, podemos pensar em três casos práticos ilustrativos da relação entre o crime de evasão de divisas e o crime de lavagem de dinheiro:
1) Primeiramente, o agente que detém a propriedade lícita de ativos (em outras palavras, possui ativos com fonte não vinculada a infração penal), e os remete ao exterior por meio de operação de câmbio não autorizada (conduta típica de evasão), posteriormente realizando sucessivas movimentações com esses ativos. Nesse caso, entendemos não ser possível afirmar a prática de lavagem, mesmo com as sucessivas movimentações dos ativos no exterior, justamente porque inexiste origem ilícita. Se o tipo penal do crime de lavagem exige, para que tal delito se configure, que os ativos sejam “provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, a origem lícita dos ativos impede que se afirme uma ocorrência de lavagem, independentemente das movimentações patrimoniais posteriores — ou seja, as transações realizadas com os ativos não alteram o status jurídico de sua origem/proveniência, que permanece a mesma. Isso não impede, contudo, que o agente seja responsabilizado pela evasão de divisas ou por delitos de natureza diversa, a depender das condutas praticadas nas movimentações patrimoniais (relacionadas a falsidades documentais, por exemplo).
2) Situação diversa ocorre quando, com a prática da evasão, ocorre alteração de propriedade sobre parte dos ativos de origem lícita, em relação ao novo proprietário. É o caso, por exemplo, do agente que, contratado para procedimentalizar a operação de câmbio não autorizada, recebe comissão pelo serviço de evasão prestado, em percentual sobre os valores enviados ao exterior. Nesse caso, a comissão recebida pelo agente contratado possui evidente origem ilícita (o crime de evasão que procedimentalizou), e as movimentações posteriores destinadas a dissimular essa origem ilícita constituirão ato de lavagem. Contudo, em relação ao agente contratante da remessa ao exterior, que já possuía tal patrimônio de origem lícita, no mesmo sentido do caso mencionado no tópico anterior, entendemos não ser possível afirmar a prática de lavagem por posteriores movimentações de seu patrimônio — novamente: em razão da falta de origem maculada.
3) Por fim, pode-se ainda pensar no caso (comum nos tribunais pátrios) em que os ativos realmente sejam provenientes de infração penal, e o agente, objetivando dissimular essa origem ilícita, realize uma sucessão de movimentações com tais ativos, sendo uma delas a remessa ao exterior por meio de operação de câmbio não autorizada. Conquanto essa operação de remessa ao exterior seja objetivamente compatível com o tipo penal do crime de evasão de divisas, ela faz parte do processo de atos realizados com a finalidade exclusiva de dissimulação da origem dos ativos. Portanto, a remessa ao exterior integra os atos de execução do crime de lavagem (é apenas uma movimentação a mais, entre tantas outras), motivo pelo qual entendemos que o agente não deve ser responsabilizado pelo crime contra o Sistema Financeiro Nacional em concurso com o crime de lavagem, mas apenas por esse último delito, em respeito ao princípio da consunção.
Nesse sentido, a evasão de divisas seria crime-meio e caminho necessário para a realização do crime de lavagem de dinheiro o que levaria a sua absorção pelo delito fim (lavagem). Além disso, como defendemos que o bem jurídico tutelado é a ordem econômica, não haveria óbice em aplicar o princípio da consunção porque ambos delitos atentam contra o mesmo bem jurídico protegido.
[1] Exemplificativamente: APn 928/DF, RHC 33903/PR, AgRg no REsp 1254887/SC.
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