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Entenda a semana do Supremo e sua investigação de ofício

O artigo aborda a decisão do ministro Dias Toffoli de investigar, de ofício, possíveis crimes relacionados a fake news e ataques ao Supremo Tribunal Federal, designando Alexandre de Moraes como investigador. Discute-se a legalidade da atuação do STF, considerando os princípios do devido processo e a competência do Ministério Público, além de uma reflexão sobre a importância de seguir as regras processuais para garantir a democracia e a justiça. Os autores críticos à investigação levantam preocupações sobre o acúmulo de funções investigativas e judiciais, ressaltando a necessidade de um sistema acusatório equilibrado.

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2. Diante da notícia de possíveis fakes news e ataques diretos ao Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli determinou a instauração de investigação para apuração dos possíveis crimes por meio da Portaria 69, de 14.03.2019. Designou Alexandre de Moraes como autoridade investigadora do Inquérito 4.781. O ministro, de ofício, começa a investigar sem provocação de autoridade policial ou do Ministério Público.

3. Realizadas diligências (busca e apreensão, ordens contra sites etc.), surge a manifestação da procuradora-geral, Raquel Dodge, para arquivar o Inquérito 4.781 por violação do princípio acusatório, do juiz natural, da ausência de competência do STF. A manifestação da PGR está correta, mas é interessante como muitas das violações apontadas ao sistema acusatório só agora parecem interessar ao MPF, passados mais de 30 anos de vigência da Constituição Federal.

4. O relator indeferiu o pedido de arquivamento sob o argumento de que foi genérico e que o STF congrega competência para tanto. Perplexidade geral.

5. Como professores de Processo Penal cabe dizer que quando um ministro ou seus familiares são vítimas, a competência para apuração das infrações é da polícia Civil ou Federal, em paralelo com o Ministério Público (poder conferido equivocadamente pelo próprio STF – RE 593.727). Jamais pode o próprio STF avocar com base em regra regimental uma competência não existente na Constituição da República (artigo 102). Logo, fazer subir a investigação não sendo competente para conhecer da ação penal é um equívoco. A futura ação penal, se for o caso, não seria da competência para julgamento do STF.

6. Não fosse isso, o titular da ação penal nos crimes aparentemente investigados seria o Ministério Público e os atingidos na honra. Assim, cabe ao Ministério Público (CF, art. 129) deliberar sobre a existência de elementos suficientes à instauração de investigação, aliás, no órgão policial com atribuição legal para tanto. No que interessa aqui, como atividade exercida pelo Estado em face da invasão de Direitos Fundamentais, somente pode dar por meio de Instituições reconhecidas pela normatividade, ou seja, não se pode investigar fora do contexto democrático. O perigo de se atribuir a instituições não previstas expressamente em lei o poder de investigar é o de se dar o fenômeno da cegueira deliberada das provas que não são interessantes à estratégia eleita, por efeito da dissonância cognitiva[1]. É importante certo afastamento objetivo, subjetivo e cognitivo do Estado-investigador, sob pena de sedução pelas hipóteses imaginadas[2], aplicando-se o que foi dito sobre heurísticas e vieses[3]. Logo, não se pode acreditar que todos que desejarem podem investigar. A fixação de “quem”, “onde”, “como” e “quando”, poderá promover investigação é de importância democrática fundamental. Daí os perigos de um “Inquisidor de Terno/Toga” se meter a realizar atividade investigatória desprovida de meios adequados e vinculada à recompensa, sem afastamento objetivo, subjetivo e cognitivo[4]. Pior ainda quando investigador se arvora também no papel de futuro julgador.

7. Discute-se sobre o conteúdo do devido processo legal, pelo menos, desde a Inglaterra de João Sem Terra (1215)[5]. João I (Sem Terra) (lackland) reinou enquanto seu irmão, Ricardo I (Coração de Leão), lutava em batalhas fora da Inglaterra, situação que o obrigava a exigir maiores tributos e, quando assume o Reino, diante da fragilização de seu poder político e da recusa pelo Papa Inocêncio III da confirmação de Langton como arcebispo de Canterbury, acaba sendo compelido a aceitar a imposição de limitações ao exercício do poder pela Magna Carta de 1215. Não se trata, assim, de significante desprovido de história e tradição. Logo, parece abusivo e até ingênuo, como fazem, de regra, os manuais de direito constitucional e processo penal, ao apontar simplesmente que o devido processo legal é o procedimento estatal para restrição de direitos. Essa leitura desconsidera toda a discussão histórica, e por ela, quem sabe, possa se buscar uma chave de interpretação para o processo penal brasileiro[6].

8. A lição do “Bonham case” é fundamental para compreender o que se passa. Isso porque foi marcado pelo reconhecimento da nulidade do ato que aplicou a multa e prisão em face do exercício ilegal da medicina em Londres sem autorização da Academia Real de Medicina. Afirma Letícia Martel: “Os censores não podem ser juízes, ministros e partes; juízes para proferir sentença e julgar; ministros para fazer notificações ou intimações e parte para terem metade das multas, quia aliquis non debet esse judex in propria causa, imo iniquun este alequem suas rei esse judicem; e ninguém pode ser juiz e advogado para qualquer das partes (…) e consta dos nossos livros que, em muitos casos, o direito comum controlará aos do parlamento, e, às vezes, julgá-los-á absolutamente nulos, pois quando um ato do parlamento vai de encontro ao direito comum e à razão, ou é inaceitável ou impossível de executar, o direito comum irá controlá-lo e julgá-lo como nulo.”[7]

9. Por tudo isso, diante da manifestação expressa do titular da ação penal de que a investigação deve ser arquivada, diante da ilegalidade de sua instauração, cabe renovar o pleito nas instâncias regulares, com a nulidade de todos os atos praticados. Aliás, existe Habeas Corpus impetrado pela Associação Nacional de Procuradores da República discutindo a matéria no STF. Ironicamente, se as ditas medidas contra a corrupção tivessem sido aprovadas, sequer caberia o Habeas Corpus. Garantias são salutares à democracia, até porque diante das ações estatais, excluir-se remédios processuais e ações sempre é um risco, principalmente para quem acredita ingenuamente que nunca poderá ser vítima.

10. Por fim, a tese de que seria o caso de ação penal privada subsidiária da pública parte de uma petição de princípio, a saber, a vítima somente pode propor a ação penal em face da omissão temporal do órgão acusador e não quando ele se manifesta contrariamente. Não faz sentido que a vítima promova ação penal subsidiária da pública nos casos em que o Ministério Público promova o arquivamento ou peça diligências. Somente em caso de inércia é que o art. 29 do CPP autoriza essa legitimação ativa extraordinária. A prevalecer a tese de cabimento mesmo havendo pedido de arquivamento, salvem-se. Agora qual será o resultado prático de uma investigação realizada por um Ministro quando o próprio titular da futura ação penal já avisa que não irá exercê-la? Não existe aplicação do art. 28 do CPP no âmbito do STF… Logo, se a PGR não denunciar e insistir no pedido de arquivamento, nada mais poderá ser feito. Exceto se resolverem nomear um ‘acusador’ ad hoc…

11. Por isso insistimos em nossos cursos de processo penal[8] sobre a importância de que as regras sejam cumpridas e que existem sim, nulidades em face de investigação desempenhada por órgão sem atribuição legal. Ou se joga dentro das regras, para todos, ou não se trata de devido processo legal substancial. Todas as condutas podem e devem ser investigadas pelo órgão competente que, no desenho da Constituição da República, não podem condensar todas as funções. Anotamos que na investigação se chegou a autorizar mandado de busca e apreensão itinerante, em franca violação ao art. 240, do CPP.

12. Por tudo isso, espera-se que as investigações, ações e comportamentos processuais possam ocorrer dentro do desenho acusatório, consoante sublinhado pela Procurada Raquel Dodge. O reconhecimento do sistema acusatório, todavia, não pode ser ad-hoc, mas sim para todos os casos em que se tolera ações inquisitórias por parte dos magistrados do Brasil. Como desenhou o Min Celso de Mello (Ag. Reg. no IP 4.435/DF):

Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do poder público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais gaves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal.

Nossa crítica, portanto, é procedimental, esperando que todas as condutas violadoras de regras possam ser apuradas dentro do devido processo legal substancial e com liberdade de expressão, de todos.

Boa páscoa

[1] RITTER, Ruiz. Imparcialidade no processo penal: reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva. Porto Alegre: PUCRS (Dissertação: Mestrado), 2016, p. 90. Publicada em 2017 pela editora Empório do Direito.

[2] MORAIS FILHO, Antônio Evaristo de. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, n.º 19, p. 106: “Este fenômeno foi muito bem estudado por Altavilla, em sua famosa ‘Psicologia Judiciária’ (Porto, 1960, v. 5, p. 36-39), onde dedicou dois verbetes aos perigos das hipóteses provisórias, que podem ‘seduzir o investigador, de maneira a torná-lo daltônico nas apreciações das conclusões de indagações ulteriores’. Adverte o mestre italiano que, uma vez internalizada na mente do policial, do promotor ou do juiz, a procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de demonstrar o que considera verdade, ‘à qual ele liga uma especial razão de orgulho’, como se a eventual demonstração da improcedência de sua hipótese ‘constituísse uma razão de demérito’. E assim, intoxicado por sua verdade, sobrevaloriza todos os elementos probatórios que lhe forem favoráveis e diminui ‘o valor dos contrários, até o ponto de não serem tomados em consideração num ato”.

[3] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi: MORAIS DA ROSA, Alexandre. Vieses da Justiça: como as heurísticas e vieses operam nas decisões penais e a atuação contraintuitiva. Florianópolis: EMais, 2019 (no prelo a segunda edição).

[4] QUEIROZ, David. A permeabilidade do processo penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 30.

[5] Foi um pacto estamental, realizado entre a Burguesia (os Barões Ingleses) e aquele que pela morte de seu irmão Ricardo I, à época rei da Inglaterra, viria a sucedê-lo na coroa britânica. O novo Rei, John de Anjou, chamado de Rei João “Sem Terra”, teria recebido esse nome pelo fato de não ter herdado terras quando da morte de seu pai, Henrique II. Sendo, então, um Rei sem posses e desprestigiado, se viu pressionado pela burguesia a ceder alguns Direitos como condição necessária para permanecer no trono. SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Introdução ao Direito Processual Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p. 53-54.

[6] Precioso o trabalho de: MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo: razão abstrata, Função e Características de Aplicabilidade: a linha decisória da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. No mesmo sentido: PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O Princípio do Devido Processo Legal: Direito Fundamental do Cidadão. Coimbra: Almedina, 2009.

[7] MARTEL, Letícia de Campos Velho. MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo: razão abstrata, Função e Características de Aplicabilidade: a linha decisória da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24.

[8] LOPES JR, Aury . Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2019; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Emais, 2019.

Referências

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