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A prática de fishing expedition no processo penal

O artigo aborda a prática de fishing expedition no processo penal, que se refere à busca indiscriminada de provas sem causa provável ou objetivo definido, caracterizando-se como uma violação das garantias constitucionais, especialmente contra a autoincriminação. A discussão inclui a necessidade de prévia determinação do alvo e finalidade clara nas investigações, apontando os riscos de abusos que podem ocorrer quando esses requisitos não são cumpridos. O texto enfatiza a importância de respeitar os limites legais para garantir um processo penal justo e democrático.

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1) Definição Fishing expedition, ou pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem “causa provável”, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém.

Com Viviani Ghizoni Silva e Philipe Benoni Melo e Silva (“Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e Apreensão”. Florianópolis: EMais, 2019), restou conceituada como: (fishing expedition é a) “investigação especulativa indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado, que ‘lança’ suas redes com a esperança de ‘pescar’ qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes. Como consequência, não pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferimento das balizas de um processo penal democrático de índole Constitucional”. Especificamos, em seguida: “Se o primeiro passo do fishing expedition é mascarar a ilegalidade dos procedimentos de investigação, o próximo passo é a tentativa de legitimar o ato. Assim, da mesma forma como ocorre numa expedição de pesca quando os pescadores angariam algum peixe e se juntam para tirar uma foto e exibir o pescado, também ocorre na expedição probatória do processo penal”.

3) Extensão do privilégio contra a autoincriminação A vedação ao fishing expedition é entendida como consequência lógica da garantia contra a autoincriminação (privilege against self-incrimination). As origens históricas remontam às cortes eclesiásticas inglesas, em que, após colhido o juramento, procedia-se à investigação de acusações desconhecidas, em verdadeiro ato de pescaria (equivalente ao juízo final). Premida pelo juramento, a vida da pessoa era escrutinada. As garantias constitucionais colocam barreiras às práticas ilegais, embora os agentes oportunistas se valham das “brechas” legais ou instrumentalização dos institutos processuais. Laura de Oliveira Mello Figueiredo (“O direito ao silêncio: suas origens, desenvolvimento e desdobramentos no direito processual penal brasileiro”. Porto Alegre: PUC-RS — Monografia — Direito, 2016) explica: “O procedimento do juramento ex officio consistia em comparecerem as partes perante estas cortes, submetendo-se a um juramento de responder quaisquer questões que lhes fossem feitas. Comumente, as acusações eram desconhecidas. Assim, o privilege against self- incrimination desenvolveu-se, inicialmente, como uma proteção às fishing expeditions, prática por meio da qual os juízes, através do ato do interrogatório, investigavam aspectos e procediam a questionamentos alheios ao objeto da acusação. Os advogados à época já se insurgiam contra a prática do juramento ex officio, por entender que ele conduzia ao perjúrio”.

4) Exigência de prévia “causa provável” e finalidade definida No ambiente americano, a Corte Suprema (Hickman vs. Taylor; 1947) indicou que, ao mesmo tempo em que as regras não podem ser restritivas (impedir a apuração de condutas criminosas), os limites legais devem ser respeitados, a saber, o ato não pode ser movido por má-fé ou com desvio de finalidade (vinculado à causa provável), de modo opressor e/ou vexatório, nem invadir o domínio de direitos reconhecidos. Trata-se de expediente, na definição de Philipe Melo e Silva, em que o órgão investigador pode se utilizar dos meios legais para, sem objetivo definido ou declarado, “pescar” quaisquer evidências a respeito de crimes desconhecidos ou futuros. Configura verdadeira devassa ampla e irrestrita do passado, presente e futuro do alvo (pessoa ou conduta suspeita), desprovida de “causa provável”, isto é, fora do enquadramento normativo da investigação democrática.

5) Limites da investigação ou cautelares A invasão de direitos fundamentais encontra regime restrito, em geral submetido à reserva de jurisdição. As cautelares probatórias ou investigações precisam definir antecipadamente o objeto, isto é, responder expressamente (diligência, pedido ou decisão judicial): quem, quando, como, onde, por e para quê, o que, com que motivação. Do contrário, não preenchem os pressupostos e requisitos legais. A decisão judicial deve motivar de modo adequado, sob pena de nulidade (CPP, artigo 315, §2º). A prática da “pescaria probatória” promove atalho abusivo, por meio da desconsideração da prévia exigência de decisão judicial.

6) Hipóteses de pescaria probatória A criatividade dos agentes públicos oportunistas no “aproveitamento” de diligências, com ou sem autorização, para colocar em prática à expedição probatória pode se configurar, entre outras hipóteses:

a) Busca e apreensão sem alvo definido, tangível e descrito no mandado (mandados genéricos);

b) Vasculhamento de todo o conteúdo do celular apreendido;

c) Continuidade da busca e apreensão depois de obtido o material objeto da diligência;

d) Investigações criminais dissimuladas de fiscalizações de órgãos públicos (Receita Federal, controladorias, Tribunais de Contas, órgãos públicos etc.);

e) Interceptação ou monitoramento por períodos longos de tempo;

f) Prisão temporária ou preventiva para “forçar” a descoberta ou colaboração premiada ou incriminação;

g) Buscas pessoais (ou residenciais) desprovidas de “fundada suspeita” prévia e objetiva; e,

h) Quebra de sigilo (bancário, fiscal, dados etc.) sem justificativa do período requisitado.

7) Limites à banalização do expediente O desafio do Processo Penal é punir dentro das regras do jogo válido, como sempre diz Aury Lopes Jr. (“Direito Processual Penal”. São Paulo: Saraiva, 2021). Do contrário, transforma-se no vale tudo (Processo Penal freestyle), em que o resultado valida a desconformidade de obtenção do meio de prova. O trajeto de obtenção da prova é pressuposto à análise do conteúdo. Deve-se perquirir a: 1) existência; 2) validade; e 3) eficácia (Teste EVE. Guia do Processo Penal Estratégico. Florianópolis: EMais, 2021). O desafio se renova, até porque as conquistas civilizatórias materializadas nas garantias constitucionais não podem depender de contextos fáticos, nem da “boa vontade” dos agentes da lei. Pouco importa, ademais, a boa ou má-fé dos agentes processais. As regras de obtenção de meios de prova garantem a todos. As exceções oportunistas destoam do padrão democrático. Ainda que signifiquem a absolvição de prováveis culpados, trata-se do patamar civilizatório e a sustentação do padrão ético do agir estatal. O esforço de conformidade da investigação e da punição dentro das regras do jogo compõem o desafio contemporâneo do Processo Penal brasileiro.

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