Artigos Empório do Direito – Uma reflexão sobre

Artigos Empório do Direito
Artigos Empório do Direito || Uma reflexão sobreInício / Conteúdos / Artigos / Empório do Direito
Artigo || Artigos no Empório do Direito

Uma reflexão sobre

O artigo aborda a crítica à injustiça social sob uma perspectiva descolonial, enfatizando a “necessidade” como fundamento essencial para a elaboração de um novo sistema de justiça. Márcio Soares Berclaz questiona como os conceitos de direitos humanos e democracia podem ser adequadamente adaptados às realidades latino-americanas, propondo a escuta ativa dos grupos marginalizados. A reflexão destaca a urgência de repensar a relação entre direito e capitalismo, configurando um cenário onde as vozes dos oprimidos possam ser efetivamente reconhecidas e valorizadas.

Artigo no Empório do Direito

Por Márcio Soares Berclaz – 02/05/2016

Numa perspectiva descolonial, não há como pretender redução de injustiça sem atenção para a “necessidade” enquanto categoria fundante e relevante para essa reflexão.

Para além da modernidade (iniciada com a conquista violenta da América no século XV e não com a retórica iluminista) e da pós-modernidade, duas faces opostas situadas perante um mesmo e parcial contexto, a adoção da exterioridade no lugar da totalidade como característica própria da trasmodernidade centrada no paradigma filosófico da vida concreta impõe a busca de novos e mais emancipatórios caminhos.

Mas, afinal, quais são as matrizes materiais, formais e factíveis a partir das quais se pode dimensionar e concretizar a “necessidade” humana como fundamento ontológico e epistemológico de um renovado sistema de justiça?

Direitos humanos? Dignidade da pessoa humana? Democracia para além da representação? (participação, deliberação e, sobretudo, radicalidade). Escuta aos movimentos sociais e à sociedade civil como canais legítimos de expressão das necessidades? Essas são algumas hipóteses de trabalho, sem dúvida.

Como fazer, contudo, para que o desenvolvimento de tais ideias não implique na repetição acrítica e descontextualizada de apostas eurocêntricas ou norte-americanas distantes da realidade do “Sul” global periférico nas suas ainda muitas e multifacetadas feridas coloniais, em franca contradição com os valores de seus povos, sua língua e sua cultura? Afastada, de algum modo, a imposição física do colonialismo externo, como lidar com a colonialidade do imaginário e do saber hegemônico ainda vigente? Não seria o caso de adaptar a categoria da necessidade ao conceito de um “pensamento fronteiriço”, tal como proposto por Walter Mignollo, de entender que o justo “necessário” em solo latino-americano é desenvolver a concretização material do “bem-viver” (buen viver/sumak kawsay) como o padrão adequado de subjetivação, como o exemplo de “necessidade radical” (Agnes Heller) que contribui para desenvolvimento das potencialidades de modo consciente e sob o aspecto qualitativo? Enfim, de que tipo de necessidades estamos tratando, reais ou artificiais? Quais outros padrões próprios e autênticos ou mesmo “preferências sociais generalizáveis (Joaquin Herrera Flores) ou bens primários (John Rawls) são determinantes para debater a ”necessidade“ como categoria filosófica relevante na reflexão sobre a injustiça ainda infelizmente dominante na realidade cotidiana da América Latina?

Índios. Quilombolas. Comunidades tradicionais. Classe trabalhadora sem emprego ou explorada e com direitos violados. Analfabetos. Pessoas sem terra ou sem teto; pessoas sem ter o que comer (1 bilhão que passa fome no mundo diante de uma agricultura hegemônica que ocupa-se de negócio e veneno ao invés de produzir alimentos saudáveis!). Comunidades atingidas por barragens ou quaisquer outros impactos ou desastres ambientais. Comunidade LGBT. Vítimas de gênero. Imigrantes. Presos. Vítimas e oprimidos, de modo geral, de um sistema econômico e de um mercado opressor que vende como ”utópico“ tudo que pode levar à sua superação, quando o seu funcionamento sem a regulação devida é a expressão prática da impossibilidade de ”viver junto“ em condições minimamente iguais.Todos tratam-se de sujeitos materiais e corpos subalternos que precisariam ter seus direitos efetivamente reconhecidos. Resta saber como. Diante disso, há uma só certeza: o que está aí posto mostra-se absolutamente insuficiente para esta finalidade. E por acaso o sistema-mundo capitalista permite a construção um direito para além dos conceitos de indivíduo e propriedade em direção à uma cosmovisão voltada ao” comum“? De novo, torna-se a debater a relação entre direito e capitalismo. Ao quê e a quem serve, propriamente, o direito?

Se, numa perspectiva de uma Política da Libertação, tal como proposto por Enrique Dussel, é a ”potentia“, o poder em si, sempre do povo, que deve se sobrepor ao ”potestas“, o poder delegado, trata-se de identificar meios adequados para que esta vontade se manifeste de maneira transparente e direta. Nesse sentido, indaga-se: até que ponto os canais já postos de reivindicação e reclamação são suficientemente aptos para as interpelações necessárias? Será que os Conselhos e as Conferências, como espaços supostamente democráticos de debate permanente e episódico das políticas públicas, respectivamente, têm se mostrado mecanismos efetivos e eficazes para apontar as incoerências e permitir as superações? Qual o critério do ”necessitado“ para fim de acesso à justiça? Melhor do que isso, qual a escuta que o sistema de justiça institucionalizado outorga aos sujeitos ”necessitados“? Descendo no nível concreto e indo a um exemplo de resquício e entulho da matriz colonial do poder mesmo numa perspectiva de transição para a democracia, qual a ”necessidade“ e justificativa para a justiça militar”?

Em último grau, longe do padrão Aristotélico do verdadeiro ou falso para indicar o que é necessário (o que é; o que não é), como construir um novo direito a partir da exterioridade, a partir da tomada de posição e da busca de libertação daquele que “deveria ser”, mas que “ainda não é”?

Márcio Soares Berclaz é Doutorando em Direitos das Relações Sociais (UFPR), Mestre em Direito do Estado (UFPR), sócio-fundador do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br), membro do Ministério Público Democrático, membro da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude – ABMP, membro da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em saúde pública – AMPASA, membro do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS, autor do Blog Recortes Críticos (www.recortescriticos.blogspot.com) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Paraná.

Imagem Ilustrativa do Post: Sem título // Foto de: Sarah Twitchell // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/60109216@N07/15803897738

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Márcio Berclaz || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.