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Fandom, organização criminosa e cibercrimes

O artigo aborda a intersecção entre fandoms, organizações criminosas e cibercrimes, destacando como grupos de fãs podem se envolver em atividades ilegais, como perseguições digitais e disseminação de fake news. Os autores, Antonio Belarmino Junior e Glauber Guilherme Belarmino, discutem a evolução do Direito Penal diante das novas dinâmicas sociais e tecnológicas, enfatizando as implicações legais das ações coletivas que visam a violação da honra e da imagem de indivíduos na internet. Além disso, o texto analisa a recentência de legislações que endurecem as penas para cibercrimes, ressaltando a gravidade das ofensas perpetradas em ambientes virtuais.

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A expressão Fandom é um diminutivo da expressão em inglês fan kingdom, que significa “reino dos fãs”, em uma tradução literal para o português.

Um Fandom é um grupo de pessoas que são fãs de determinada coisa em comum, como um seriado de televisão, um música, um artista, um político, um tipo de filme, livro e etc.

Em recente reportagem1 sobre os grupos denominados de Fandom, observamos o seu modus operandi: “O cancelamento tem como característica principal ser um ato violento; ele expõe, persegue e esculacha a pessoa que está sendo cancelada, independentemente do motivo”. Ainda a mesma reportagem aborda que “Assim como os influencers são figuras-chave na disseminação da campanha de políticos, o mesmo ocorre com contas famosas de fãs nos grupos de k-pop. O Twitter é praticamente um parque de diversões para o k-pop: várias hashtags de grupos e idols costumam figurar nos Trending Topics. Esse cancelamentos que afetam idols e fãs, expondo dados pessoais, fotos e opiniões, faz com que as pessoas comecem a usar as redes de forma distinta, trocando mensagens apenas no privado -as chamadas DMs- motivados pelo medo”.

Com a evolução da sociedade, o Direito Penal em igual proporção está evoluindo, a adequação da tipologia da norma punitiva tem que se moldar aos novos delitos ou a forma de cometer delitos. Em uma análise doutrinária Polaino-Orts2 descreve duas funções essenciais para o direito penal: primeiramente ele formaliza os aspectos sociais, refletindo formalmente em normas as expectativas atuais que definem e moldam a sociedade, partindo deste pressuposto poderíamos dizer metaforicamente que a norma é um espelho. Em segundo lugar, traz que a norma desempenha o papel de orientação das condutas dos cidadãos na sociedade. Nesta perspectiva, a norma seria um foco ou farol de orientação.

Atualmente muito tem se falado de crimes virtuais, nos últimos meses um novo tipo penal foi criado (Artigo 147-A – Código Penal – Crime de Perseguição, popularmente conhecido como Stalking – Lei 14.132/21) e tipos penais foram agravados (Artigo 154-A, 155 e 171 do Código Penal, foram alterados para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos por fraude eletrônica ou pela internet – Lei 14.155/21) e em 19 de abril o Senado derrubou parcialmente o Veto Presidencial 56/19, que tinha barrado 24 dispositivos do pacote anticrime e com a derrubada 16 dispositivos foram inseridos em Lei, dentre eles os Crimes Contra a Honra na Internet que tiveram a pena triplicada.

Diariamente nos meios de comunicação em massa, são divulgadas as supostas práticas de cibercrimes, que conceitualmente são os crimes praticados na rede mundial de computadores, o que se compõe desde os crimes comuns, até a citada violação de dispositivo informático, portanto, todo crime praticado na esfera virtual poderá ser classificado como cibercrime, ainda sobre a definição do Professor Espanhol Fernando Miró Llinares3, “Porque lo que también es innegable, es que todos esos cambios sociales que estamos viviendo a raíz de los cambios tecnológicos que se están sucediendo, tienen su reflejo en la criminalidad como fenómeno social que es. Lo tienen, concretamente, en la aparición de un nuevo tipo de delincuencia asociado al nuevo espacio de comunicación interpersonal que es Internet”I.

Em uma amostra de crimes praticados pela internet, temos como exemplo da modelo Rayssa Barbosa, participante do reality show A Fazenda 12, que ficou conhecida por ser portadora da síndrome de borderline e desde a sua participação no reality, tornou-se vítima de perseguição digital, sofrendo total violência psicológica, tendo sido inclusive a rede social Twitter compelida a excluir postagens4.

Partindo do prisma do crime de perseguição no âmbito digital, aonde mutuamente as ofensas morais, violência física ou psicológica, são praticadas por uma multiplicidade de pessoas, um outro tipo penal começa a orbitar na esfera dos cibercrimes, o delito de organização criminosa.

A Lei 12.850/13 traz a definição de associação criminosa “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

A caracterização de associação criminosa em cibercrimes é notória em alguns casos. Vejamos: um grupo de Fandom, que atua de forma organizada através de reunião, em grupos de aplicativos de mensagens como Whatsapp ou Telegram, com o objetivo de articular ataques criminosos à artistas, políticos, personalidades ou influenciadores digitais, muitas vezes não imaginam que este animo associativo pode ser caracterizado como um delito.

Temos dois elementos caracterizadores para o delito de associação criminosa, quais sejam: multiplicidade de pessoas (4 pessoas5) com animo associativo e com o intuito de cometer crimes de forma dolosa, com finalidade especifica e cujas penas máximas superam os 4 (quatro) anos.

Com a já relatada derrubada do veto presencial em face de alguns aspectos do Pacote Anticrime, ocorreu à modificação do sistema de apenamento dos crimes contra a honra, o Art. 141 do Código Penal trouxe em seu § 2º o seguinte “2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena”.

Partindo deste prisma, o crime de calúnia praticado pela rede mundial de computadores terá pena máxima de 6 (seis) anos de detenção e a Injúria também praticada através da rede mundial de computadores, com a realização de ofensa à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, terá uma pena máxima de 9 (nove) anos de reclusão.

Portanto, nestas duas hipóteses é possível a caracterização do delito de associação criminosa, uma vez que preenchem o requisito de apenamento.

Desta feita, estando os agentes organizados em uma estrutura ordenada, temos a possibilidade de caracterização do delito de associação criminosa no ambiente virtual pela prática de crimes virtuais contra a honra.

Outra possibilidade de caracterização de organização criminosa para prática de cibercrimes são as populares Fake News na modalidade Eleitoral. As eleições gerais de 2018 constituíram verdadeiro divisor de águas no combate às chamadas fake news. Desde então, um dos maiores desafios das nossas instituições democráticas é assegurar a higidez do processo eleitoral, com ações afirmativas do c. TSE no combate à desinformação e, até mesmo, a criação de um novo tipo penal para criminalizar de forma especial a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, acrescendo o artigo 326-A ao Código Eleitoral (Lei 4.737/65).

Apontamos o delito de Fake News Eleitoral “consubstanciado no art. 326-A, que dispõe:”§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.“ (..) A pena prevista para tal delito é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.”

Abordando o aspecto político, a reportagem retro citada7 traz o aspecto dos fãs, “Essa militância é intensificada pelas dinâmicas de rede, zonas de contato entre grupos sociais e afeto dos fãs. A cultura dos fãs redefine as relações sociais e políticas nos dias de hoje. O fã sempre teve capacidade e articulação e um grande letramento midiático. E essa relação de fãs e política cresceu muito com a campanha de Barack Obama e se fortaleceu com Trump e Jair Bolsonaro”.

Conforme se observa, a pena máxima é de 8 (oito) anos de reclusão e a organização estrutura em alguns casos, torna-se a prática apta para caracterização do delito hoje configurado como associação criminosa.

Sobre a definição doutrinária Cezar Roberto Bitencourt8 traz que: “Criminalidade organizada, por sua vez, genericamente falando, deve apresentar um potencial de ameaça e de perigo gigantescos, além de poder produzir consequências imprevisíveis e incontroláveis”, em uma análise com a doutrina comparada em que Alri Zurita Gutiérrez[ix] traz que “Hoy en día, tiende a reconocerse al fenómeno de la criminalidad organizada dentro de un escenario criminológico y político-criminal nuevo, al que ya se le atribuyen rasgos capaces de generar un salto cualitativo en la evolución de la criminalidad y de los mecanismos de control”.II

Em tempos de mudança, evolução e adequação das normas, o afã de um Fandom ao expressar uma opinião ou impor seu posicionamento de forma coletiva e de maneira estável, objetivando a violação da honra e da imagem de um terceiro, ou ainda, com objetivos eleitorais, podem configurar além da tipificação penal dos delitos comuns, a configuração do delito de associação criminosa em um novo ambiente de discussão que é os cibercrimes.

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I (Tradução livre – Porque o que também é inegável é que todas estas mudanças sociais que estamos a viver como resultado das mudanças tecnológicas que estão a ocorrer se refletem no crime como um fenómeno social. Tem, especificamente, na emergência de um novo tipo de crime associado ao novo espaço de comunicação interpessoal que é a Internet).

II (Tradução libre – Nos dias atuais, o fenómeno do crime organizado tende a ser reconhecido dentro de um novo cenário criminológico e político-criminal, ao qual já lhe são atribuídas características capazes de gerar um salto qualitativo na evolução da criminalidade e dos mecanismos de controle).

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1 https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/30/politica-kpop-e-cancelamento-o-que-os-fandoms-podem-nos-ensinar.htm – acessado em 10/06/2021 às 11:00

2 Polaino-Orts, Miguel, Fundamentos dogmáticos de funcionalismo penal constitucional – 1ª ed. – Managua: PAVSA, 2017, pág. 108.

3 El Cibercrimen, Fenomenología y criminología de la delincuencia en el ciberespacio, Fernando Miró Llinares, Marcial Pons, Madrid, año 2012, p. 27.

4 https://www.migalhas.com.br/quentes/340627/twitter-tem-48h-para-apagar-post-ofensivo-contra-modelo-raissa-barbosa – acessado dia 09/06/2021 às 13h55min e Twitter deverá retirar do ar publicação que fere imagem de modelo – acessado dia 09/06/2021 às 14h00min

5 Com a publicação da Lei 12.850/2013, definindo organização criminosa, se revogou tacitamente o número de 3 (três) pessoas.

6 https://www.abracrim.adv.br/artigos/fake-news-liberdade-de-expressao-e-eleicoes – acessado dia 09/06/2021 às 18h19min

7 https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/30/politica-kpop-e-cancelamento-o-que-os-fandoms-podem-nos-ensinar.htm – acessado em 10/06/2021 às 11:00

8 Tratado de direito penal: parte especial 4: crimes contra a dignidade sexual até crimes contra a fé pública/ Cezar Roberto Bitencourt – 12ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pág. 510.

9 Gutiérrez, Alri Zurita, El Delito de Organización Criminal, fundamentos y contenidos de injusto, Bosch penal, Barcelona, ano 2020, p. 29.

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Referências

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