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O direito de não comparecimento às CPIs

O artigo aborda a discussão sobre o direito dos indivíduos de não comparecerem às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), destacando a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre essa questão. Os autores analisam como, embora as CPIs sejam instrumentos essenciais de investigação, o direito ao silêncio e ao não comparecimento deve ser respeitado, evitando constrangimentos desnecessários aos convocados. Além disso, enfatizam que o STF já reconheceu a condição de não obrigatoriedade de presença dos investigados, assegurando a proteção dos direitos individuais em processos de investigação.

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Em tempos de CPI da Pandemia, e de convocação de ex-ministros, médicos, epidemiologistas e tantos outros profissionais para esclarecimentos relevantes sobre as políticas públicas de combate à COVID-19, parece pertinente revisitar certas posições e tendências do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Comissões Parlamentares de Inquérito são um importante instrumento de investigação, que garante ao Poder Legislativo a capacidade de apurar e averiguar fatos ilícitos de forma independente do Executivo ou Judiciário. Sua existência assegura o equilíbrio institucional e prestigia a função do Parlamento enquanto órgão de fiscalização da administração pública.

Para exercer suas funções, a Constituição dota a CPI de poderes de investigação próprios de autoridades judiciais (CF, art,58, §3º). Com isso, a Comissão pode – sempre de forma fundamentada – convocar testemunhas, quebrar sigilos ficais, bancários e de dados, requisitar informações de repartições públicas, de determinar busca e apreensão de documentos, exceto quando em local inviolável, dentre outros atos.

O cerne da presente reflexão está nos depoimentos pessoais. Como órgão de investigação, a Comissão pode convocar pessoas para esclarecer fatos e responder a indagações, na qualidade de testemunhas ou investigados. No primeiro caso, há compromisso de falar a verdade, cujo descumprimento enseja o crime de falso testemunho. No segundo caso, o convocado não presta o juramento e pode até mesmo se calar, por não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Mas, como todo instrumento de poder, há o risco de desvirtuamento. De instrumento de garantia democrática, a CPI pode se transformar em espaço de abuso, em especial contra os investigados. Essa situação merece atenção. O depoimento pessoal a autoridades investigativas não é um dever, mas um direito do investigado. Direito de expor os motivos de sua conduta, esclarecer e explicar sua versão dos fatos.

Como direito, pode ou não ser exercido. O investigado pode optar pelo silêncio, por não contribuir com as investigações, uma vez que o ordenamento brasileiro assegura o direito de calar perante qualquer autoridade, incluindo os parlamentares que compõem a CPI. Esse é o entendimento do STF, que já se pronunciou sobre o tema inúmeras vezes.

Ocorre que, em sede de CPIs, quando o investigado opta pelo silêncio, tem-se exigido sua presença à Comissão, para que explicite de corpo presente sua decisão de calar. Tal situação não raro gera constrangimento e exposição desnecessária daquele que unicamente decidiu exercer direito assegurado em lei. Em algumas oportunidades chegou-se a ameaçar de prisão investigados que optam pelo silêncio.

Diante desses fatos, o STF tem, em recentes decisões, reconhecido que os investigados tem – para além do direito ao silêncio – a faculdade de não comparecimento à CPI. Ao examinar especificamente o tema, nos autos do HC 171.438, asseverou o Supremo Tribunal Federal que o “Direito à não autoincriminação abrange a faculdade de comparecer ao ato, ou seja, inexiste obrigatoriedade ou sanção pelo não comparecimento”1, entendimento sufragado ao se examinar o HC 171.6282.

Trata-se, em verdade, de uma decorrência lógica do direito ao silêncio e à concepção do depoimento pessoal como um ato de defesa. Se o comparecimento é considerado um direito de prestar explicações, não há sentido obrigar o investigado a estar presente a uma sessão para apenas informar que permanecerá calado, submetendo-se muitas vezes a agressões decorrentes de sua opção constitucional.

Observar o que decidiu o STF é um passo para que o mesmo direito seja reconhecido aos investigados ou réus em inquéritos, expedientes de investigação e processos judiciais3. Se o silêncio é garantido, o comparecimento não é necessário. Se o depoimento pessoal é direito, não faz sentido forçar seu exercício.

Tal medida não afeta a condução dos trabalhos de investigação das CPIs, que ainda podem determinar quebras de sigilo, diligências pertinentes e oitiva de testemunhas. Fica apenas vedada a prática de convocar alguém que não pretende exercer seu direito de autodefesa ou de autoexplicação. Com isso, e garante-se que o foco das atividades seja a apuração objetiva e não a busca de exposições públicas indevidas e constrangimentos desnecessários.

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1 HC 171.438, Rel. Min. Gilmar Mendes. 2ª Turma. DJe 17/8/2020

2 HC 171.628/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe. 24/5/2019

3 Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade das medidas de condução coercitiva dos investigados no âmbito da ADPF 395 e 444, assentou, por meio do voto do e. Min. Gilmar Mendes que, no “curso do inquérito, não há regra que determine a submissão ao interrogatório. Pelo contrário, como já afirmado, consagra-se ao investigado o direito ao silêncio. Por isso, a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado ou réu não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”ADPF 395. Rel. Min. Gilmar Mendes. Plenário. DJe 22/5/2019

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