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Newton: A Reclamação Constitucional n° 29.303 merece ser decidida

O artigo aborda a importância da Reclamação Constitucional n° 29.303 e a necessidade de seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em meio à discussão sobre a limitação das audiências de custódia pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O texto ressalta a inexistência de amparo legal para tais restrições, argumentando que o direito de apresentação à autoridade judicial deve ser garantido a todas as pessoas privadas de liberdade, sem distinções. Os autores também mencionam a relevância das normas internacionais e decisões anteriores do STF que sustentam a necessidade de ampliação do acesso às audiências de custódia.

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O ano de 2020 representou um marco para o Supremo Tribunal Federal, pois, apesar de todas as dificuldades que a crise pandêmica impôs, a Alta Corte não deixou de exercer as suas funções constitucionais. Sem sombra de dúvida, esse dado não pode ser esquecido e merece o público reconhecimento de todos. A gestão do ministro Dias Toffoli ficará marcada pelo desafio enfrentado e superado. Porém, é preciso olhar além das dificuldades ultrapassadas e pensar no porvir, razão pela qual se defende a necessidade de encerrar o julgamento, que já foi iniciado, da Reclamação Constitucional n° 29.303.

Eis o ponto nodal da questão: a limitação! As normas convencionais que tratam sobre o tema, isto é, o artigo 7°, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos e o artigo 9°, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não realizam qualquer restrição. O cerceamento das normas convencionais vai de encontro ao cânone pro homine. A MC na ADPF n° 347 tampouco permite essa contenção na aplicação da audiência de custódia aos casos de prisão em flagrante; logo, mais um fundamento pode ser afastado para a disciplina normativa adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O Conselho Nacional de Justiça, ao estabelecer regras uniformes sobre a audiência de custódia, positivou o amplo espectro do seu cabimento, vide o artigo 13, Resolução n° 213.

Diante desse mosaico normativo, é perfeitamente possível assinalar que a audiência de custódia, que possui a natureza de direito subjetivo da pessoa privada de liberdade, não pode ser limitada em razão do título prisional.

Ao contrário da restrição imposta pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, outros tribunais sustentaram postura diametralmente oposta, devendo ser destacado o ocorrido na Justiça Comum mineira, que suprimiu essa limitação após o início do julgamento da Reclamação n° 29.303.

No âmbito doutrinário, Lenio Luiz Streck já apresentou censura pública à indevida limitação das audiências de custódia realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, examinou o objeto da Reclamação Constitucional n° 29.303:

“E, não esqueçamos: uma prisão indevida pode tanto advir tanto de prisão em flagrante como de temporária ou de preventiva. Ou não é assim?

Por isso, tratemos esse assunto com a necessária equanimidade” [1].

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que positivou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em decisões monocráticas, já decidiu pelo cabimento da audiência de custódia para modalidades prisionais diversas da prisão em flagrante:

“Conforme se verifica, no julgamento da ADPF 347-MC/DF os Ministros desta Suprema Corte não ficaram adstritos às questões referentes à prisão em flagrante. Em verdade, tratou-se, principalmente, do contingente desproporcional de pessoas presas provisoriamente, a revelar, de modo inconteste, a desnecessidade dessas prisões cautelares decretadas, em sua maioria, de modo automático, sem a observância de qualquer garantia da pessoa presa”. [2]

“Verifica-se que o paradigma tido como violado impõe que o preso seja submetido à audiência de custódia em, no máximo, 24 horas a partir do momento da prisão, o que não ocorreu na presente hipótese. No caso em tela, ao julgar a RCL 35.148/CE, determinei, em relação ao reclamante Francisco Mateus da Silva Nunes, a realização da audiência de custódia no processo n. 0029381-81.2018.8.26.0001, em trâmite na Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Em consulta ao sítio eletrônico, constata-se que a audiência de custódia teria sido realizada no o dia 25 de junho de 2019. Todavia, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, verifica-se que em relação ao ora requerente Francisco Breno Sales dos Santos ainda não foi realizada a audiência de custódia pelo Juízo competente. Diante do exposto, com base no artigo 161, parágrafo único, do RISTF, ESTENDO OS EFEITOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA NA RCL 35.148/CE AO REQUERENTE FRANCISCO BRENO SALES DOS SANTOS, a fim de determinar a realização da sua audiência de custódia no processo n. 0189513-15.2018.8.06.0001, em trâmite na Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará” [3].

Existe, dessa forma, um antagonismo evidente entre o que veio a ser restritivamente positivado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e, de outro lado, o mosaico normativo e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Ademais, não foi por outra razão que, em 19 de dezembro de 2019, o ministro Edson Fachin, relator da Reclamação Constitucional n° 29.3030, proferiu o seguinte despacho:

“Trata-se de agravo regimental por meio do qual se impugna Resolução do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que procedeu à limitação da realização de audiências de apresentação às prisões em flagrante. Aduz a Defensoria Pública do Estado do Rio do Janeiro que, naquele estado, referidos atos processuais não seriam e não estariam sendo realizados nas demais modalidades prisionais, como custódias temporárias, preventivas e penais. Neguei seguimento monocraticamente à reclamação ao assentar, na linha de decisões proferidas por outros membros deste Tribunal, inexistir relação de estrita aderência, na medida em que compreendi que o Tribunal Pleno, ao examinar a tutela cautelar na APDF 347, não se manifestou expressamente quanto a prisões distintas das custódias implementadas em flagrante. A despeito desse pronunciamento monocrático, cabe observar que esta Suprema Corte já proferiu decisão que sinaliza admitir o emprego da reclamação como via processual adequada ao aperfeiçoamento do paradigma. Trata-se do decidido na Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, por meio da qual se afirmou que é no juízo hermenêutico típico da reclamação no balançar de olhos entre objeto e parâmetro da reclamação que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade, ambiência na qual o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. Nada obstante, ao meu sentir, esse aperfeiçoamento, decorrente da função integrativa da reclamação que deve ser desencadeado de modo coerente com o pronunciamento anterior, constitui afazer a ser implementado pelo próprio órgão que proferiu a decisão paradigma. Daí a recomendação de submissão da matéria ao colegiado maior, conforme, inclusive, determinou, por unanimidade, a Segunda Turma desta Corte. Nessa ordem de ideias, enfatize-se que tanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos quanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não restringem a situações de flagrância o direito de apresentação de qualquer pessoa encarcerada, mesma linha da densificação normativa operada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da edição da Resolução n. 213/15. Assim, o fato é que a indefinição dessa questão, a meu ver, com as mais respeitosas vênias, poderia acarretar o prolongamento da não realização de audiência de apresentação em extensão não limitada pelas normas internacionais às quais o Estado brasileiro aderiu, com potencial indicação de grave e irreversível inobservância de direitos e garantias fundamentais. Diante do exposto, nos termos do artigo 129 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, indico preferência para o julgamento do presente feito. Comunique-se a Presidência desta Corte, pelo meio mais expedito”.

Milhares de vidas estão sendo ceifadas durante a grave crise pandêmica e deverão ser sempre lembradas. Esse cenário, tal como apontado, não impediu o Supremo Tribunal Federal de funcionar. Decisões paradigmáticas foram proferidas nesse momento crítico e foi a forma adotada por aquele tribunal de homenagear as vítimas fatais.

O momento é ainda de vigília e os cuidados ainda se mostram necessários para impedir a propagação do vírus. A normalidade somente deverá chegar com o advento de uma vacina eficaz. Ainda assim, espera-se a continuidade do trabalho de excelência pelo Supremo Tribunal Federal. A limitação indevida das audiências de custódia realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não possui o mínimo amparo legal e jurisprudencial. O direito subjetivo da pessoa presa ser apresentada à autoridade judicial não pode depender de um CEP. O núcleo decisório da MC na ADPF n° 347 deve ser assegurado a todos. Assim desejamos e o Supremo Tribunal Federal pode marcar essa posição com o prosseguimento do julgamento da Reclamação n° 29.303.

[1] STRECK, Lenio Luiz. Audiência de custódia para todos os presos é um direito constitucional. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mar-11/streck-audiencia-custodia-todos-presos-direito-constitucional

[2] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação Constitucional n° 34.360/RJ decisão proferida, em 07 de maio de 2019, pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação Constitucional n° 35148/CE decisão proferida, em 1° de julho de 2019, pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Referências

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