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Eduardo Newton: A Legião Urbana, o STF e o artigo 316 do CPP

O artigo aborda a influência da cultura rock, particularmente da Legião Urbana, na interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 316 do CPP, destacando a problemática do tratamento legal a presos provisórios durante a pandemia. Os autores discutem as implicações da decisão do STF e seu desrespeito ao estado de direito, evidenciando a preocupação com a qualidade da justiça em um cenário de inércia processual. A reflexão final questiona a eficácia das leis em face das decisões judiciais, ressaltando o impacto da legislação sobre a presunção de inocência.

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A banda Legião Urbana foi a grande marca da geração dos anos 80 do rock brasiliense — caso se queira aprofundar no estudo sobre o rock e uma relação com o Direito, não se pode ignorar o importante canal Direito ao Rock [1]. As letras ainda se mostram atuais mesmo após o transcurso de quatro décadas. Entre os vários sucessos do icônico grupo liderado por Renato Russo, inicialmente, há de se destacar a música “Tempo Perdido”, justamente a partir dos seguintes versos: “Sempre em frente, não temos tempo a perder”.

No curso do julgamento, várias vezes o pensamento de Carlos Maximiliano foi invocado como forma de afastar a literalidade do dispositivo contido no artigo 316, parágrafo único, Código de Processo Penal. Em outro momento, essa questão já foi devidamente rebatida em texto escrito de forma coletiva [3]. Em um país que a cultura bacharelesca predomina, mostra-se oportuno invocar o Direito Romano e as categorias de normas jurídicas, quando se leva em conta os efeitos decorrentes do seu descumprimento. A partir do que veio a ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o artigo 316, parágrafo único, Código de Processo Penal é uma lei que possui status inferior a uma lei menos que perfeita [4], ou seja, o seu descumprimento é um nada jurídico.

Contudo, o absurdo que decorre da espécie normativa tornada por decisão do Supremo Tribunal Federal implica em claro desrespeito ao Estado de Direito, pois o poder público pode simplesmente decidir por descumprir uma determinada norma e não advir qualquer sanção. O império da lei é substituído, portanto, pela vontade de poder. E que não se ignore o fato de que o artigo 316, parágrafo único, CPP, é voltado para presos provisórios, ou seja, pessoas que gozam, por imperativo constitucional, do estado de inocência.

Não são essas as questões que causam as maiores inquietações sobre o decidido pelo Supremo Tribunal Federal. O descumprimento do artigo 316, parágrafo único, CPP, veio a ser espetacularizado — o que demonstra o acerto dos aportes doutrinários de Rubens Casara [5] e Alexandre Morais da Rosa [6], quanto a este sobre o fato de não se desprezar a atuação de jogadores externos ao processo penal — deve ser associado ao momento em que se deu, qual seja, em um cenário pandêmica em que serviços judiciais funcionaram em regime de plantão ou outras modalidades extraordinárias.

Apesar da novidade do panorama, o que implicou em soluções de duvidosa legalidade [7], vide o manejo de citação por meio do aplicativo de WhatsApp, o Poder Judiciário, quiçá sequestrado pelo discurso neoliberal, não teve qualquer pudor em demonstrar à sociedade que não parou nesse momento de crise sanitária. A corporação judicial — se isso for possível diante da prestação do serviço judicial — a cada semana apresenta números de despachos e decisões judiciais proferidas [8] como forma de convencimento de atuação contínua.

O emblemático “caso André Oliveira de Macedo”, o chamado André do Rap, indica que toda a produtividade pode até mesmo encantar os apologistas por números, mas permite sérios questionamentos sobre a qualidade da atividade judicante mesmo em período pandêmico.

As audiências criminais não foram realizadas durante considerável período da pandemia, até mesmo para adaptação do mobiliário e preparação das modalidades virtuais. É evidente que o prazo nonagesimal não foi observado. Mas isso legitimaria a inércia? A resposta somente pode ser negativa!

Não é preciso trilhar o caminho descrito por Santo Agostinho quanto à dificuldade na definição do que vem a ser o tempo: “Que é, então, o tempo? Se ninguém me pergunta, o sei; se quero explica-lo a quem me pergunta, não o sei” [9]. Há um comando legal com prazo especificado — em qualquer lugar do planeta 90 dias representa o movimento de rotação da Terra sobre seu eixo por 90 vezes — , que não é observado e que o ônus dessa inércia é arcado por quem se é tido como inocente.

Na verdade, e aqui não se pode perder de vista a função pedagógica invocada pelo presidente para justificar o inusitado manejo da suspensão da liminar em sede de Habeas Corpus — a expressão latina que pode ser compreendida como tenhas o corpo é então substituída por uma nova: seja mantido preso, ainda que com expediente inadequado —, foi utilizada como forma de salvação do tempo perdido no curso da pandemia. Os milhares de juízes criminais do Brasil podem descumprir um dever, pois foi essa lição transmitida pelo Alta Corte.

O rock, mais uma vez, recorre à Legião Urbana e a música Tempo perdido, afirma que “temos nosso próprio tempo”. O Supremo Tribunal Federal, com a honrosa exceção do ministro Marco Aurélio, acreditou nesse poder, quando o sentido era de contestação. A orquestra não compreendeu a obra musical e, ao tentar salvar a magistratura, realizou um grande desserviço ao império da lei. Diante dessa salvação suprema que despreza a própria legalidade, os versos da banda tantas vezes citada encerram com uma reflexão extraída de outra música: “Como acreditar no futuro da nação?”.

[1] https://www.youtube.com/c/DireitoaoRock.

[2] STRECK, Lenio. Ao reescrever o art. 316, STF torna prisão preventiva sem prazo. https://www.conjur.com.br/2020-out-19/streck-reescrever-art-316-stf-torna-preventiva-prazo.

[3] MUNIZ, Gina R. G.; ROCHA, Jorge B. & NEWTON, Eduardo J. Réquiem ao Habeas Corpus no Brasil: o caso da Suspensão da Liminar nº 1.395. https://www.conjur.com.br/2020-out-18/opiniao-requiem-habeas-corpus-brasil.

[4] Sobre a classificação romana, ver: MARQUES, Teresa Cristina Motta Ramos. A lei. In: Doutrinas essenciais de Direito Civil. volume I, página 10678-1080, outubro de 2010. Versão digital.

[5] CASARA, Rubens. Processo penal do espetáculo (e outros ensaios). 2. ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018.

[6] ROSA, Alexandre Morais. Guia do processo penal conforma a teoria dos jogos. 6. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

[7] Muito embora a crítica não tenha sido feito pelo viés da ilegalidade, oportuno se mostra o exame realizado por Marcelo Buhatem sobre o risco de uma justiça virtual: BUHATEM, Marcelo. O risco de uma justiça virtual. https://www.conjur.com.br/2020-ago-13/marcelo-buhatem-risco-justica-virtual.

[8] TJRJ movimento mais de 50 milhões de processos desde o início do RDAU. http://www.tjrj.jus.br/web/guest/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/7641678.

[9] AGOSTINHO apud BONATO, Gilson; BASTOS, Cleverson Leite e CORRÊA, Murilo Duarte Costqa. Dobraduras do tempo. Ensaios sobre história de algumas durações no direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 53.

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