Artigos Empório do Direito – Será que juiz com fome julga diferente?

Artigos Empório do Direito
Artigos Empório do Direito || Será que juiz com fome julg…Início / Conteúdos / Artigos / Empório do Direito
Artigo || Artigos no Empório do Direito

Será que juiz com fome julga diferente?

O artigo aborda a influência de fatores externos, como fome e cansaço, na decisão judicial, analisando se juízes em estados físicos adversos julgam de forma diferente. Baseando-se em estudos de psicologia cognitiva, os autores discutem como emoções e pré-compreensões pessoais afetam o raciocínio jurídico, questionando a ideia de uma decisão puramente racional. A reflexão culmina na necessidade de reconhecer a subjetividade dos juízes na tomada de decisões, enfatizando a importância de uma abordagem mais consciente e reflexiva na prática do Direito.

Artigo no Empório do Direito

Por Alexandre Morais da Rosa e Giseli Caroline Tobler – 28/06/2015

Obrigado por nos ler na manhã de domingo. Esperamos que já tenha tomado café. Logo entenderás. E partimos da seguinte indagação: Se o sujeito está com fome ou dor, por exemplo, seu foco de atenção está localizado onde? Um juiz com fome julgará a questão da mesma maneira do que se estivesse saciado?

Assim é que se pode estudar influências inusitadas na teoria de tomada de decisão judicial. Lembramos ao leitor que o diálogo se dá a partir da noção de decisões inautênticas, conforme indica Lenio Streck[1], ou seja, apontamos as armadilhas da cognição, para além do formalismo da teoria da decisão propalada pelo Direito.

O psicólogo Daniel Kahneman ao discutir sobre os sistemas de julgamento presentes nos estados mentais cita uma experiência relatada nos Proceedings of the National Academy of Sciences:

‘“Os participantes inadvertidos do estudo eram oito juízes de condicional em Israel. Eles passam dias inteiros revisando pedidos de condicional. Os casos são apresentados em ordem aleatória, e os juízes dedicam pouco tempo a cada um, numa média de seis minutos […]. (O tempo exato de cada decisão é registrado, e os períodos dos três intervalos para refeição dos juízes – a pausa da manhã, o almoço e o lanche da tarde – durante o dia também são registrados). Os autores do estudo fizeram um gráfico da proporção de pedidos aprovados em relação ao tempo desde a última pausa para refeição […]. Durante as duas horas, mais ou menos, até a refeição seguinte dos juízes, a taxa de aprovação cai regularmente, até chegar perto de zero pouco antes da refeição […]. A melhor explicação possível dos dados é uma má notícia: juízes cansados e com fome tendem a incorrer na mais fácil posição […] de negar os pedidos de condicional. Tanto o cansaço como a fome provavelmente desempenham um papel.” [2]

Por mais que se diga que isso não deveria entrar em cena na teoria da decisão, a aproximação pretendida aponta os reais mecanismos de decisão e não somente teóricos. Enfim, juízes sentem fome e dor, dentre outras situações, sendo que tal fato pode ser relevante no exato momento da decisão. Poderíamos invocar, também, a fadiga, o mau humor, enfim, os estados humanos. Ou você é sempre o mesmo?

Para que possamos compreender melhor a participação da Psicologia Cognitiva na Teoria da Decisão é relevante considerar a origem dos comportamentos cognitivos, mesmo que de maneira introdutória. Estes, segundo seus distintos aspectos, podem ser categorizados como proposicionais ou sensações. O estado mental proposicional se refere ao emprego de atitudes cognitivas, emocionais e perceptivas pelo sujeito. No primeiro caso se inserem o pensamento, o raciocínio e a compreensão, nas emoções, por sua vez, estão presentes o medo, a felicidade, a raiva, a ansiedade e a inveja, dentre outros. Por fim, as atitudes perceptivas do estado mental humano comportam a audição, a visão, o tato e o olfato. Há, outrossim, os estados mentais de quase percepção tais como a imaginação e as aspirações humanas e os estados conativos, caracterizados como atitudes conscientes de querer, desejar, agir.[3]

Na fusão dos diversos horizontes catalisados na decisão judicial diversos fatores incidem no comportamento cognitivo. Assim é que a pressão operada por fatores externos pode roubar a cena da decisão hermeneuticamente correta. O juiz, ainda que ciente de sua racionalidade, sempre estará envolto por intuições, pré-compreensões, pré-interpretações e ideologias, específicas de perspectivas e experiências vivenciadas, tornando as decisões inautênticas, conforme aponta reiteradamente Lenio Streck. É sobre a inautencidade que nos debruçamos.

Do mesmo modo que não é admissível conjecturar a figura do magistrado tal como a de uma entidade suprema, de poder absoluto e ilimitada autonomia de escolhas, igualmente não é razoável concebê-lo como um ente inanimado, destituído de emoções ou ideologia. A neutralidade não é uma justificativa a ser seguida, dada sua ingenuidade. Inexiste juiz pH 7. Logo, em cada momento processual sofrerá o impacto de intuições, anseios, crenças, pensamentos inconscientes e às vezes automaticamente pré-compreendidos. Consequentemente, não é plausível menosprezar a influência cognitiva na tomada de decisão penal, ainda que não se aposte todas as fichas nela.[4]

A pré-compreensão do magistrado resulta de suas experiências e concepções de mundo, algo particular e inerente à sua subjetividade. São estes traços específicos que demarcam seus métodos de julgamento e que o diferencia dos demais sujeitos. As pré-compreensões presentes na subjetividade do juiz revelam, conforme assevera José Carlos Barbosa Moreira “o complexo de traços que o distinguem de todos os outros seres humanos e assim lhe definem a quente e espessa singularidade”.[5]

Os elementos pré-compreensíveis do comportamento mental humano abrangem aspectos como idade, sexo, cor da pele, religião, aspirações políticas e filosóficas, convicções religiosas, comportamento familiar, tanto em relação ao ambiente externo diretamente interligado com as aspirações pessoais quanto no que diz respeito a própria historia de vida do magistrado. Desta forma, é perceptível que desde o momento em que assume a tarefa de decidir toda a carga relativa a ideologias, aspirações, o próprio modo de experienciar o mundo estará inevitavelmente impregnado em seu julgamento.

A pretensão do texto é se dar conta das dificuldades, uma vez que o juiz não foi nomeado para decidir como se fosse um monarca. Há uma autonomia do Direito para além das subjetividades. A questão está em conseguir cercar as armadilhas da percepção, no rumo de uma decisão democrática que possa superar as excentricidades subjetivas. Neste sentido a proposta do Novo CPC nos pode auxiliar.

O vínculo existente entre crenças pessoais e influências externas é, em grande parte, o responsável pela determinação e formação das subjetividades. Essas crenças e ideologias, embora sempre presentes nas opiniões, estão constantemente propensas a sofrer modificações conforme estas mesmas circunstâncias externas, tais como religião, política e aspectos relacionados a gênero, conduzam a diferentes posicionamentos.

Existem, por consequência, circunstâncias nas quais ao juiz, ainda que investido de elementos pré-compreensíveis de julgamento, não será possível decidir consoante sua percepção, dado que suas respostas serão determinadas por uma deliberação para além do consciente. Apesar da influência das pré-compreensões ser um fator fundamental e inerente à decisão do julgador, grande parte dos juízes não admite, quando de suas deliberações, uma justificativa resultante de apreciações decorrentes das armadilhas da cognição, já que é o orgulhoso sujeito da modernidade.

As decisões judiciais integram, ainda que implicitamente, as ideologias e pré-compreensões do magistrado. A problemática, surge no momento em que o julgador delibera consoante suas convicções, menosprezando, por exemplo, o depoimento de uma testemunha em detrimento de outra, adotando critérios pessoais relativamente ao comportamento do acusado ou da testemunha, como nervosismo, grau de instrução, de intimidade entre as partes, modo de falar e de se vestir. Esta primeira impressão do magistrado diante do acusado igualmente contribui para influenciar de modo significativo todo o transcorrer do processo.[6]

Todos esses pré-juízos, pré-concepções, ideologias, ou mesmo posicionamentos religiosos e políticos abrangem a valoração das provas e, ainda que não externados pelo juiz, permanecem inevitavelmente contidos, mesmo que silenciados, na fundamentação da sentença. Estes fatores, portanto, influenciam em maior ou menor grau o julgamento do magistrado, sendo por vezes a justificação preponderante e omitida da decisão prolatada. O juiz deve compreender que “não é ser-do-mundo, e sim ser-no-mundo”,[7] dando-se conta das suas limitações, especialmente quanto está com fome, por exemplo, bem assim das armadilhas da cognição.

Depois seria interessante reler as das semanas anteriores para que o sentido aconteça e não se faça críticas desprovidas de coerência ou somente por uma parte da proposta (aqui). Mas se for fazer uma crítica, alimente-se antes, já que o torna menos irritadiço.

Notas e Referências:

[1] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto? – Decido conforme minha consciência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[2] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 58.

[3] MASLIN, Keith T. Introdução à Filosofia da Mente. Trad. Fernando José R. da Rocha. Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 17.

[4] KHALED JR, Salah H; MORAIS DA ROSA, Alexandre. In Dúbio Pro Hell: Profanando o Sistema Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 07.

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual, sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p.145.

[6] KAHNEMAN, 2012, p.110.

[7] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Jurisdição do Real x controle penal: direito e psicanálise, via literatura. Petrópolis: Delibera/KindleBookBr, 2011, p. 190.

Gostou do artigo???? Livros Publicados pelo autor na Editora Empório do Direito. Confira: Compre os livros do autor aqui.

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: [email protected] Facebook aqui

. Giseli Caroline Tobler é Acadêmica de Direito da UFSC.

Imagem ilustrativa do post: Patisserie-Restaurant-Chedi-Andermatt // Foto de: Walter Schärer // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/schaerer/16137603773/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Alexandre Morais da Rosa || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.