Artigos Empório do Direito – Enunciado 381/stj ou como aplicar as regras processuais contra o consumidor

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Enunciado 381/stj ou como aplicar as regras processuais contra o consumidor

O artigo aborda a importância da proteção do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente à luz do Enunciado 381 do STJ, que limita a análise de cláusulas abusivas em contratos bancários. O autor, Maurilio Casas Maia, discute a necessidade de o Poder Judiciário aplicar as normas de defesa do consumidor, ressaltando a contraditoriedade desse enunciado com o compromisso constitucional de proteção ao consumidor. A reflexão se concentra na urgência de um Judiciário mais atuante na defesa dos direitos dos consumidores, principalmente em um contexto de vulnerabilidade.

Artigo no Empório do Direito

Por Maurilio Casas Maia – 03/10/2015

Em geral, os professores costumam registrar o compromisso constitucional do Estado (em sentido amplo) com a defesa do consumidor nas primeiras aulas de direito do consumidor. Nesse ponto, há um duplo aspecto a ser ressaltado: (1) a defesa do consumidor é dever fundamental do Estado e direito fundamental do consumidor (art. 5º, XXXII, Constituição); (2) a defesa do consumidor é princípio da ordem econômica (art. 170, V, Constituição). Desse modo, a figura do consumidor surge no cenário brasileiro como um “necessitado constitucional”, um “necessitado jurídico”, ou melhor, de proteção jurídica.

Pois bem. Certamente, o mandamento constitucional defesa do consumidor é determinação imposta a todos os tentáculos estatais, de acordo com suas peculiaridades. Desse modo, o “Estado-Legislador” deve produzir leis protetivas; o “Estado-executivo” deve executar e fiscalizar o cumprimento das Leis de proteção do consumidor; o “Ministério Público” deve fiscalizar e exigir o cumprimento correto das leis de defesa do consumidor; “Estado-defensor” deve defender os interesses consumeristas; e o “Estado-Juiz”, no trabalho de interpretar e aplicar leis, deve fazê-lo – sempre que possível –, favoravelmente ao consumidor.

Desse modo, concentrando-se agora na tarefa do “Poder Judiciário”, em existindo diversas posições jurídicas igualmente sustentáveis, inexiste – à luz do inciso XXXII, do artigo 5º, da Constituição –, qualquer discricionariedade judicial que afaste a óbvia opção em prol do consumidor. Eventualmente, no caso concreto, poder-se-ia realizar a efetiva ponderação frente à colisão com outros princípios e valores.

Ocorre que não é tão incomum encontrar decisões contrárias ao consumidor, sendo possível visualizá-las até mesmo em enunciados sumulares. É o caso do verbete sumular n. 381/STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. (STJ, Súmula 381, 2ª Seção, j. 22/04/2009, DJe 24/05/2013, DJe 05/05/2009).

Ao se buscar a ratio decidendi do enunciado sumular – a partir dos precedentes[1] que lhe deram origem –, percebe-se que a mesma está relacionada também ao princípio “tantum devolutum quantum apellatum”. Ou seja, a matéria alcançada pelo efeito devolutivo na Apelação seria tão somente aquela expressamente abrangida pelo recurso de Apelação. E, assim, o STJ adotou posicionamento favorável às instituições financeiras e prejudicial aos consumidores.

Poder-se-ia argumentar com base na neutralidade das regras de processo e assim justificar o posicionamento do e. STJ. Todavia, nada disso apaga o compromisso do processo em garantir efetividade ao direito material que, no caso, adota a concepção favor debilis e, sim, in dubio pro vulnerabilis, tudo em decorrência do mandamento constitucional (art. 5º, XXXII e art. 170, V).

Desse modo, por força da ordem protetiva do sistema consumerista-constitucional, a resposta mais adequada constitucionalmente é, por certo, aplicar e eventualmente até mesmo reler o efeito translativo dos recursos – o efeito permissivo da análise oficiosa das questões de ordem pública. Desse modo, a partir de uma leitura das especificidades de um processo civil consumerista, o efeito translativo deve ser relido e adaptado às características do Código de Defesa do Consumidor (CDC): norma de ordem pública e interesse social (art. 1º), a qual sanciona as cláusulas abusivas com a nulidade de pleno direito (art. 51). Oportuno salientar que o próprio STJ já apresentou as cláusulas abusivas como questão de ordem pública material ou substancial e, portanto, cognoscíveis de ofício: “(…) Alguns exemplos de matérias de ordem pública: a) substanciais: cláusulas contratuais abusivas (CDC, 1º e 51); (…)”. (STJ, REsp 1112524/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, Corte Especial, j. 1/9/2010, DJe 30/9/2010).

Desse modo, percebe-se a insuficiência constitucional e processual do enunciado sumular n. 381 do e. STJ, quando confrontado com as finalidades do processo e o dever estatal de defesa do consumidor. É necessário visualizar o processo civil-consumerista como um consectário do mandamento constitucional de defesa do consumidor, sendo possível debater a especificidade de sua hermenêutica e seus valores específicos.

Portanto, não é muito difícil concluir que o enunciado n. 381 do STJ presta um desfavor ao inciso XXXII do artigo 5º da Constituição e ao respectivo acesso à Justiça incidente (art. 5º, XXXV).

Em breve, o STJ deve debater o posicionamento decorrente do enunciado sumular n. 381 e, quem sabe, até mesmo revogar o verbete. Trata-se do REsp. 1.465.832-RS pelo qual o Banco Fiat busca restabelecer o posicionamento do ora criticado verbete sumular n. 381. É tema que interessa a toda gama de consumidores brasileiros, mormente os mais vulneráveis às práticas bancárias abusivas.

É nesse contexto que se relembra Boaventura de Souza Santos[2]: O Judiciário é força política na sociedade. E assim o é, tanto por ação, quanto por omissão. Anos trás, quando editado o verbete sumular foi editado, a posição política anticonsumidor (consciente ou não) foi tomada. Os anos se seguiram e a ausência de revogação do enunciado sumular implicou em certa posição omissiva e cômoda ao (re)aplicar o multicitado verbete sumular.

Ao remate, indaga-se: qual será a posição político-constitucional adotada pelo STJ no REsp. 1.465.832-RS? Ela restabelecerá a tutela protetiva do consumidor firmando precedente atento às peculiaridades do processo civil-consumerista? Que mensagem ficará: a de um Judiciário comprometido com o inciso XXXII do artigo 5º da CRFB/88 ou de um Judiciário totalmente alheio e alienado da luta diária dos consumidores vulneráveis de “carne e osso”? Resta aguardar e torcer para visualizar um STJ efetivamente “da cidadania”.

Óbvio que o complexo debate não se encerra nessas poucas e mal traçadas linhas. Porém, a reflexão em prol de um processo civil atento à Constituição e às especificidades do Direito do Consumidor vulnerável está lançada.

Notas e Referências:

[1] Vide a ementa de alguns precedentes originadores do enunciado sumular: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. A jurisprudência da Segunda Seção consolidou-se no sentido de que fere o princípio do tantum devolutum quantum appellatum a revisão, de ofício, pelo juiz, de cláusulas contratuais que não foram objeto de recurso (REsp nº 541.153, RS, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 14.09.2005). Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg nos EREsp 801.421/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2007, DJ 16/04/2007, p. 164); “COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. CONTRATO. REVISÃO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. APELAÇÃO. AUSÊNCIA. TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. VIOLAÇÃO. 1 – Viola o princípio do tantum devolutum quantum apellatum o deferimento de repetição de indébito, em face do reconhecimento de abusividade no contrato de financiamento bancário, sem que a parte interessada tenha manejado o competente recurso de apelação. Entendimento da Segunda Seção (EResp nº 702524/RS e REsp 541153/RS). 2 – Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ, EREsp 645.902/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/10/2007, DJ 22/10/2007, p. 189).

[2] SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da Justiça. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008, 108-109.

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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