Artigos Conjur – Quando a lei pretende espontaneidade, declara expressamente

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Quando a lei pretende espon…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Quando a lei pretende espontaneidade, declara expressamente

O artigo aborda a distinção entre voluntariedade e espontaneidade no contexto da “tentativa abandonada” no direito penal, destacando que a lei exige apenas que a desistência seja voluntária, sem a necessidade de ser espontânea. Os autores ilustram que a desistência acontece quando o agente interrompe sua prática criminosa de forma livre, sem coação, independentemente de seus motivos para tal. A discussão é fundamentada por doutrinadores renomados, que corroboram a ideia de que a lei penal não impõe a espontaneidade, mas sim a liberdade de decisão do agente.

Artigo no Conjur

O legislador penal conceituou a denominada “tentativa abandonada” — que contempla os institutos da desistência voluntária e arrependimento eficaz — nos seguintes termos: “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados” (CP, artigo 15).

A grande indagação que surge sobre o polêmico instituto da “desistência voluntária” é a seguinte: voluntariedade ou espontaneidade? Bastaria a mera voluntariedade para configuração da tentativa abandonada ou, então, seria necessária a comprovação da espontaneidade do agente?

A questão é bem simples, apesar de toda confusão feita por algumas pessoas sobre o tema. Fica caracterizada a figura da desistência voluntária, também denominada de “tentativa desistida”, quando o agente, após iniciada a sua conduta criminosa, mediante vontade isenta de qualquer vício (“vontade livre” ou “vontade voluntária”, isto é, não coagida), cessa sua atividade criminosa.

Com muita propriedade, leciona Bitencourt que “não é necessário que a desistência seja espontânea, basta que seja voluntária”. Lembra-nos o festejado mestre que “espontânea ocorre quando a idéia inicial parte do próprio agente, e voluntária é a desistência sem coação moral ou física, mesmo que a idéia inicial tenha partido de outrem, ou mesmo resultado de pedido da própria vítima”.1

Nesse sentido, doutrina Nélson Hungria que “não se faz mister que o agente proceda virtutis amore ou formidine poenoe, por motivos nobres ou de índole ética (piedade, remorso, despertada repugnância pelo crime) ou por motivos subalternos, egoísticos (covardia, medo, receio de ser eventualmente descoberto, decepção com o escasso proveito que pode auferir): é suficiente que não tenha sido obstado por causas exteriores, independentes de sua vontade”.2

Assim, o mais correto é se entender que não se requer espontaneidade do agente, mas simplesmente sua voluntariedade. Deve ficar bem claro que a desistência deve sempre ser voluntária, muito embora não se requeira que aquela vontade tenha derivado única e exclusivamente dos sentimentos e ponderações do próprio agente. Ou seja, a decisão de parar com a conduta delitiva deve ser tomada livremente pelo agente, que ainda se encontrava em condições de prosseguir na ação criminosa, pouco importando se este assim decidiu influenciado (nunca coagido) por pessoas que estavam participando, assistindo, ou, mesmo, sendo vítimas daquele crime.

Extremamente elucidativa é a lição do ilustre Álvaro Mayrink, o qual assim se posiciona quanto a esse ponto da voluntariedade: “é possível que do ponto de vista filosófico a vontade seja o poder do homem de determinar-se num sentido (coacta voluntas temen est voluntas), mas juridicamente, a expressão vontade deve ser entendida como fruto de uma determinação livre e não forçada. À noção de desistência voluntária não é necessário aduzir o espontâneo, isto é, produzido por iniciativa própria (sponte sua, sem qualquer causa exterior – sponta neum est cajus principium est in agente). Pouco importa que tenha procedida formidine poena o virtus amore, pois é indistinto que o fato com que o sujeito nega a conduta típica com outra atividade que provenha de pura intencionalidade renascida, como efeito de um arrependimento moral ou interior. Se o legislador exige que a desistência seja somente voluntária, não pode o intérprete impor que se agregue a espontaneidade”.3

Podemos encontrar essa orientação não só na doutrina pátria, mas também em grande parte da ciência penalista internacional. Exatamente nesse diapasão é que se pode ver dos escritos de Von Liszt, em tradução espanhola de sua preciosa obra: “El desistimiento no puede tener su fundamento em circunstancias exteriores, independientes de la voluntad del autor; debe tenerlo em uma resolución libremente tomada por el agente, ya proceda del miedo ante el descubrimiento o de arrepentimento, originado por repugnancia física o por horror moral, ya tenga su origem, talvez, hasta em motivos más bajos, quizá em la decepción respecto al escaso valor de los objetos que pretendía robar”.4

Ainda em campos estranhos ao direito pátrio, vale citar as aulas do douto penalista italiano Pannain, o qual sintetiza com propriedade o tema nos seguintes termos: “A voluntariedade não equivale à espontaneidade; quando a lei pretende espontaneidade, o declara expressamente”.5

Notas bibliográficas

1. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1. 7 ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 369.

2. HUNGRIA, Nélson. op. cit., p. 75.

3. COSTA, Álvaro Mayrink. Direito penal: parte geral. v. 1. t. II. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 1295.

4. VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho Penal. v. 3. 4 ed. Madrid: Editora Reus, 1999, pp. 22, 23.

5. PANNAIN, Remo. Manuale di diritto penale: parte generale. Torino: 1967, p. 649. Apud COSTA, Álvaro Mayrink. op. cit., p. 1296.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Leonardo Marcondes Machado || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.