Artigos Conjur – Precedentes importantes de 2022 em matéria do júri (parte 1)

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Precedentes importantes de 2022 em matéria do júri (parte 1)

O artigo aborda os importantes precedentes estabelecidos em 2022 pelo Tribunal do Júri, destacando a ilegalidade da prisão automática após condenação não definitiva e a interpretação rigorosa nas apelações das sentenças, ressaltando a presunção de inocência e a soberania dos veredictos. Os autores discutem questões como a nulidade de decisões por falta de alegações finais e a admissibilidade de quesitos sobre dolo eventual, enfatizando a necessidade de garantir direitos fundamentais dos acusados. Ao final, o texto convida à reflexão sobre os impactos dessas decisões no futuro do direito processual penal.

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No mês de janeiro, naturalmente fazemos uma retrospectiva do que se passou no ano pretérito e um prognóstico do ano que se inicia. Nesta coluna não poderia ser diferente, dada a dialética que entretece o tempo e o Direito [1]. Em relação ao Tribunal do Júri, os tribunais superiores firmaram precedentes importantes em 2022, criando um “espaço de experiência” que configura a compreensão e interpretação dos textos normativos no futuro [2], norteador do “horizonte de expectativa”” para 2023 [3].

A primeira decisão selecionada versa sobre a prisão automática do réu solto, em razão da condenação não definitiva do Tribunal do Júri. Acórdão da 6ª Turma do STJ reconheceu a ilegalidade da medida em prestígio do princípio da presunção de inocência enquanto norma de tratamento (HC 737.749/MG, relator ministro Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, por unanimidade, j. em 28/6/2022).

A despeito da existência de entendimento anterior semelhante da 5ª Turma do STJ, a matéria ainda está sendo debatida pelo STF sobre o Tema 1.068 (RE 1.235.340, relator ministro Roberto Barroso). Em novembro do ano passado, a matéria foi colocada em pauta na sessão de julgamento virtual.

O julgamento do Tema 1.068 encontra-se suspenso e já nos posicionamos aqui sobre a temática, defendendo a robustez constitucional e convencional da tese proposta pelo ministro. A criação, pela via infraconstitucional, de um marco de antecipação dos efeitos da sentença condenatória viola o princípio da presunção de inocência, pois o mandamento constitucional é expresso em estabelecer que o status de inocente do acusado o acompanha até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Embora um tribunal formado por juízes togados não possa revisitar o mérito da decisão condenatória dos jurados, subsiste a possibilidade de cassação dessa sentença, o que descredibiliza a prisão automática do réu em razão de decisão recorrível do Conselho de Sentença.

Acrescenta-se que a redação do artigo 492, inciso I, “e” do CPP, para além de afrontar a presunção de inocência enquanto norma de tratamento, viola o princípio da isonomia, pois é ilegítima a diferenciação das regras prisionais entre um réu condenado a quinze anos e outro sentenciado em quatorze anos e dez meses pelo mesmo Conselho de Sentença. Tampouco existem critérios lógicos para sustentar a execução provisória da pena dos réus condenados em primeira instância por homicídio e a impossibilidade de execução provisória da pena de segundo grau a um condenado por crimes de natureza grave (estupro, latrocínio), por exemplo.

O constituinte originário, consciente de todo o trâmite do processo penal, inclusive da existência do Tribunal do Júri, garantiu ao acusado o “estado de inocência” até a decisão da última instância judicial: trata-se de escolha representativa da conjugação dos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e do devido processo legal.

O segundo e terceiro precedentes que abordaremos dizem respeito à apelação da sentença do Tribunal do Júri, sob o fundamento de ser a decisão manifestação contrária à prova dos autos.

Em acórdão da 6ª Turma do STJ, entendeu-se que: “O art. 563, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando a conclusão alcançada pelos jurados for teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo” (AgRg no HC 482.056-SP, relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, j. por unanimidade em 2/8/2022).

Esse entendimento da 6ª Turma do STJ deita raízes na soberania dos veredictos (do latim vere dictum; “verdadeiramente dito”). Desde já, assenta-se que a soberania dos veredictos não implica intangibilidade das decisões dos jurados. Há possibilidade de se recorrer das sentenças do júri em situações legalmente preestabelecidas, quais sejam: (1) nulidade posterior à pronúncia; (2) quando for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; (3) se houver erro ou injustiça no tocante a aplicação da pena ou de medida de segurança; ou (4) quando for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Essa última hipótese é justamente a gênese da celeuma ora debatida.

Embora as decisões dos jurados sejam passíveis de impugnação, somente cabe apelação quando há total discrepância entre as provas dos autos e a sentença dos jurados, que decidem conforme sua íntima convicção e, por conseguinte, podem acatar uma tese juridicamente mais frágil. Coadunamos com esse entendimento no que diz respeito à sentença condenatória.

Por outro lado, defendemos que não cabe impugnação do veredicto absolutório popular com base no argumento de contrariedade ao acervo probatório, ainda que considerada “manifesta” pelo representante do Ministério Público. A decisão soberana de absolvição dos jurados não é adstrita ao texto normativo, às teses contrapostas em plenário ou ao conteúdo dos autos processuais. Os jurados são constitucionalmente autorizados a absolver por questões metajurídicas [4]. Já nos posicionamentos aqui e aqui de forma mais pormenorizada sobre o tema.

Em sentido diverso do nosso entendimento, a 6ª Turma do STJ negou, por unanimidade, provimento a agravo regimental, entendendo que a absolvição do réu pelos jurados, com base no artigo 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável (AgRg no REsp nº 1.979.704/AM, relator ministro Sebastião Reis Júnior, j. em 27/9/2022). Esta decisão ratifica entendimento já sedimentado pela 3ª Seção do STJ (AgRg no AREsp nº 1.306.814/DF, ministro Nefi Cordeiro, 6ª Turma, DJe de 2/4/2019).

A matéria será objeto de discussão em plenário da Suprema Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.225.185, e, dada a relevância da discussão ventilada, por unanimidade, já foi reconhecida a repercussão geral da matéria (Tema 1.087). Embora não possamos antever o resultado do julgamento, é válido destacar que recentemente o ministro Nunes Marques se posicionou pela impossibilidade de apelação da decisão absolutória do Júri (HC 222.589, julgado em 22/11/2022) e assim também já se manifestou o ministro Gilmar Mendes (HC 178.856/RJ).

O quarto julgado destacado no presente texto traz um distinguishing ao entendimento majoritário de que na fase do judicium accusationis, “o não oferecimento de alegações finais não é causa de nulidade do processo, pois o juízo de pronúncia é provisório, não havendo antecipação do mérito da ação penal, mas mero juízo de admissibilidade positivo ou negativo da acusação formulada, para que o réu seja submetido, ou não, a julgamento perante o Tribunal do Júri, juízo natural da causa” (STJ, RHC 103.562/PE).

A 6ª Turma do STJ, acertadamente, mitigou esse posicionamento ao decidir que “na primeira fase do rito do Júri, o não oferecimento de alegações finais sem comprovação de desídia do réu, configura prejuízo a direito fundamental e nulidade da decisão de pronúncia, por violação à plenitude de defesa” (AgRg no HC 710.306/AM, rel. min. Olindo Menezes, julgado por unanimidade em 27/9/2022). Em homenagem à plenitude de defesa, norteadora do júri, quando a ausência de memoriais finais não decorrer de uma tática devidamente planejada, e com a anuência do acusado, resta configurada uma nulidade.

O quinto julgado que selecionamos foi uma decisão da 5ª Turma do STJ, na qual definiu-se que “no âmbito do Tribunal do Júri, não há nulidade na formulação de quesito a respeito do dolo eventual, quando a defesa apresenta tese no sentido de desclassificar o crime para lesão corporal seguida de morte, ainda que a questão não tenha sido discutida em plenário” (AREsp 1.883.314-DF, rel. min. Joel Ilan Paciornik, por unanimidade, j. em 25/10/2022).

Discordamos veementemente desta posição, eis que a admissão do desmembramento ou da criação de quesitos fora dos quadrantes legais implica interpretação extensiva em desfavor do acusado, além de repristinar a sistemática anterior à Lei 11.689/2008. Acrescenta-se que há nítido prejuízo ao acusado quando é acrescentado um quesito de ofício sobre dolo eventual, com base em tese defensiva.

O sexto julgado trata de uma ordem de habeas corpus concedida pelo ministro Edson Fachin do STF no dia 18/12/2022, nos autos do HC 223.286/GO, para fins de determinar o desentranhamento do interrogatório feito em fase investigativa, bem como a aposição de tarjas sobre referências feitas em juízo pelos policiais em relação ao interrogatório ilícito. A nulidade da prova decorreu da ausência da advertência ao acusado quanto ao direito ao silêncio (o chamado Miranda Warnings) e à não autoincriminação.

O ministro Fachin, corretamente, vislumbrou nítida possibilidade de prejuízo ao réu caso os jurados tivessem acesso ao conteúdo do interrogatório extrajudicial ilícito, porquanto tal prova provavelmente repercutiria na decisão do Conselho de Sentença.

Na próxima semana, discorreremos sobre as consequências da confissão espontânea do acusado em sessão plenária, à luz do que restou preconizado nos autos do REsp 1.972.098/SC (STJ, 5ª Turma, rel. min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, j. em 14/6/2022) e do AgRg no REsp 2.010.303-MG (STJ, rel. min. Antonio Saldanha Palheiro, j. por unanimidade em 14/11/2022), bem como focaremos no julgamento do REsp 1.973.397-MG (STJ, 5ª Turma, rel. min. Ribeiro Dantas, j. em 6/9/2022) — que tratou de diversas questões dignas de notas.

São enfrentamentos decisórios sobre temas que devemos conhecer, debater e refletir sobre os principais efeitos teóricos e práticos não apenas para traçar uma perspectiva para 2023, mas também que poderão servir para a discussão do novo Código de Processo Penal.

[1] OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, p. 14.

[2] MAIA, Alexandre da. Racionalidade e progresso nas teorias jurídicas: o problema do planejamento do futuro na história do direito pela legalidade e pelo conceito de direito subjetivo. ADEODATO, João Maurício; BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco. Principio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 7.

[3] “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” são categorias meta-históricas cunhadas por: KOSELLECK, Reinhart. “Espaço de experiência e horizonte de expectativa” In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RJ, 2006, p. 305-327.

[4] Sobre o tema, em estudo em direito comparado, sugerimos a leitura da série “Jury Nullification”: Parte 1, Parte 2 e Parte final.

Referências

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