Artigos Conjur – Nacionalização e federalização da Defensoria: uma promessa constitucional

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Nacionalização e federaliza…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Nacionalização e federalização da Defensoria: uma promessa constitucional

O artigo aborda a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação da Defensoria Pública como um modelo nacionalizado e federalizado de assistência jurídica gratuita, essencial para garantir o acesso aos direitos fundamentais. Apesar das diretrizes constitucionais, a realidade atual revela a insuficiência na presença das Defensorias Públicas em diversas comarcas, exacerbada pela Emenda Constitucional 95/2016, que comprometeu financeiramente a implementação e expansão da assistência jurídica, ameaçando os direitos das populações vulneráveis.

Artigo no Conjur

Com a Constituição Federal de 1988, a dignidade humana passou a ser elemento constitutivo do Estado democrático de Direito e a fundamentar a própria República, exprimindo a busca pelo exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Não obstante a escolha tenha sido efetivada pela Assembleia Nacional Constituinte de 87/88, a opção brasileira pelo modelo de assistência jurídica ofertada obrigatoriamente pelo poder público começou a se desenhar, e a se fortalecer, com a Constituição de 1934, que cometeu à União e aos estados o dever de criar órgãos especiais para assegurá-la.

O constituinte, em 87/88, se deparou com quatro opções de modelo público de assistência jurídica gratuita: 1) “advogados de ofício” como membros da estrutura da Justiça Militar, com provimento do citado cargo através de concurso público; 2) a assistência jurídica prestada por um “setor” da Procuradoria do estado, normalmente chamada de Procuradoria de Assistência Judiciária; 3) Coordenadorias de Assistência Judiciária, normalmente ligadas às Secretarias de Justiça, com cargo de “advogados de ofício” providos por concurso público; e 4) Defensoria Pública, como instituição advinda da Procuradoria-Geral de Justiça, irmã do Ministério Público, em que seus membros eram detentores de prerrogativas, garantias, vedações e deveres muito semelhantes aos dos promotores de justiça.

A Constituição foi promulgada em 5 de outubro de 1988 com a escolha desse último modelo, em que os defensores públicos tinham como atribuição, por exemplo, exercer a função de curador especial, de defensor do vínculo matrimonial e a defesa dos direitos dos consumidores, com clara vocação pro hominem, dissociada do critério único de hipossuficiência econômica; vocação interventiva exercida sem representação de parte e a vocação coletiva imanente aos processos que envolvem relação de consumo.

A Constituição pretendia concretizar a promessa de acesso aos direitos fundamentais de milhões de cidadãos brasileiros, citando a essencialidade da Defensoria Pública diretamente nos artigos 21, XIII; 22, XVII; 24, XIII; 33, §3º; 48, IX;61, §1º, II, d; 134; 35, VII; e no Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no artigo 22. Portanto, foi a Defensoria Pública o modelo nacionalizado (a ser implantado em todos os estados) e federalizado (a ser implantado na União, no Distrito Federal e nos territórios) de assistência jurídica gratuita.

Inúmeras emendas constitucionais se sucederam, e muitas delas alteraram ou aperfeiçoaram a feição da instituição e da carreira. Colhe-se especificamente a Emenda Constitucional 80/2014 que, entre inúmeras disposições, determina, no artigo 98, do Ato das Disposições Constitucional Transitórias, que a União, os estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, no prazo de oito anos.

E já se passaram sete anos dessa promessa constitucional e os números trazidos pela Pesquisa Nacional da Defensoria Pública do Brasil não são nada alvissareiros. Publicada no último dia 21, a pesquisa decorre de uma parceria do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais, do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais e da Defensoria Pública da União.

A pesquisa mostra que as Defensorias Públicas estaduais estão presentes somente em somente 44,5% do total de 2.585 comarcas, ou seja, menos da metade destas unidades judiciárias contam com atendimento de um defensor público. Se levarmos em consideração a população com renda de até três salários mínimos, reduzindo o cenário para análise utilizando somente a hipossuficiência econômica como critério de atendimento pela instituição, do total de 186 milhões de pessoas que são potencialmente assistidas, 71,2% se encontram em comarcas atendidas.

Logicamente esse quadro muda drasticamente quando são analisadas as unidades da federação isoladamente. Em alguns estados temos situações mais dramáticas. No estado do Ceará, por exemplo, somente 36,4% do total de comarcas são atendidas, e a população que pode contar com os serviços de assistência jurídica gira em torno de 44,7% do total da população do estado.

Relativamente à Defensoria Pública da União, conta-se no Brasil um total de 279 sessões judiciárias, contudo apenas 28,67% dessas sessões têm a atuação de um defensor público federal.

Um duro golpe sofrido pelas Defensorias Públicas e pelo próprio acesso à Justiça nacionalizado e federalizado ocorreu com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, que estabelece o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, a serem corrigidos apenas pela inflação. A EC nº 95/2016 é, sem dúvida, uma das razões dessa lentidão ou suspensão de implementação da Defensoria Pública em todo o Brasil, tendo em vista que materializou uma verdadeira ruptura constitucional, impedindo a concretização dos instrumentos hábeis a garantir o exercício dos direitos sociais e individuais, comprometendo, assim, todo o núcleo essencial da Constituição de 1988.

Com a advento da EC nº 95/2016, a implementação desses direitos sociais foi suspensa, como saúde e educação e a implementação da dimensão organizacional do acesso à Justiça pela Defensoria Pública, restando o comando inserido pela Emenda Constitucional nº 80/2014 completamente inviabilizado.

Além de paralisar a efetivação de novas unidades de atendimento das Defensorias Públicas e de praticamente estagnar o crescimento do número de defensores públicos, corre-se o sério risco de retrocessos, como o fechamento de unidades em todo o Brasil e o esvaziamento da carreira com profissionais migrando para outros cargos, sem sequer se dar a devida reposição dos quadros.

Em todo o Brasil, as unidades de atendimento da Defensoria Pública se concentram nas capitais, regiões metropolitanas e cidades de maior densidade, por isso alcançam um grande contingente populacional, e a ausência de realização do comando inserto na EC nº 80/2014 atinge exatamente as pessoas que residem nos pequenos centros urbanos e nas zonas rurais, em que todos os outros direitos também ficam carentes de implementação.

A Defensoria Pública, além da orientação e defesa jurídica das pessoas vulnerabilizadas em questões judiciais e extrajudiciais, também tem o dever de promoção dos direitos humanos e de atuar como player democrático — amicus democratiae —, promovendo a ampliação multifacetada e pluralizada dos debates da República quanto à formulação de normas jurídicas, políticas públicas, projetos e programas em prol dos vulnerabilizados, buscando dotar de recursos financeiros e estruturais para assegurar o pleno exercício da cidadania e da dignidade às pessoas que compõe a tessitura social historicamente esgarçada e excluída.

O acesso à Justiça pela Defensoria Pública integra o núcleo duro dos direitos sociais trazidos pela Constituição de 1988, e a instituição deve também ser considerada como cláusula pétrea que inadmite retrocesso, mitigação ou abolição pelo constituinte revisor ou reformador.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Jorge Bheron Rocha || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.