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Abboud e Gavazzoni: Controle constitucional da arbitragem

O artigo aborda a relação entre a arbitragem e o controle constitucional, destacando a decisão da 2ª Seção do STJ no CC 185.702, que reafirma a competência do tribunal para resolver conflitos de jurisdição entre instâncias arbitrais. Os autores defendem a rejeição da ideia de “arbitragens supremas”, argumentando que a submissão da arbitragem à jurisdição constitucional fortalece tanto a autonomia desse meio de resolução de conflitos quanto a normatividade da Constituição. O texto enfatiza a importância de um diálogo entre a arbitragem e os tribunais superiores para assegurar a legitimidade e eficácia no sistema jurídico brasileiro.

Artigo no Conjur

Em 1º de fevereiro de 2022, um dos coautores publicou na ConJur artigo no qual foi expressamente defendida a necessidade de rejeição de “arbitragens supremas”, ou seja, da noção bastante difundida, no cenário jurídico brasileiro, de que a arbitragem representa uma espécie de Direito “paralelo” ao Direito nacional, e que, portanto, não se submeteria à jurisdição constitucional.

Ainda acerca deste eixo temático, merece destaque a entrevista de Walfrido Warde para o ConJur destacando as fragilidades do sistema arbitral e seus respectivos pontos para melhoria. Nessa perspectiva, consideramos que a continuidade do sucesso da arbitragem no Brasil perpassa seu aperfeiçoamento, em especial, mediante mecanismos de accountability e maior percepção e diálogo com as decisões dos tribunais superiores.

Assim, no presente artigo, gostaríamos de colocar, nesse quadro crítico da relação entre arbitragem e jurisdição constitucional, a elogiável decisão proferida pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência n° 185.702 [2], em que se decidiu pela competência do STJ para decidir conflitos de competência entre instâncias arbitrais, sejam tribunais arbitrais, ou mesmo painéis diversos de uma mesma Câmara.

Comecemos com uma retomada do que afirmamos anteriormente. Nossa tese central em “Precisamos rejeitar arbitragens supremas” foi a de que a plena submissão da arbitragem à jurisdição constitucional promove, a um só tempo, a força normativa da Constituição e a autonomia da arbitragem, além de permitir que esse instituto possa ser utilizado em mais áreas do Direito Público.

No CC n° 185.702, o STJ viu-se diante do seguinte cenário: foram propostas duas arbitragens relacionadas à mesma “causa”, a saber, a responsabilização de controladores e administradores por ilícitos reconhecidos em acordo de leniência do grupo JBS; uma delas promovida pelos acionistas minoritários da Companhia (legitimação extraordinária, LSA 159 §4º e 246) e, a outra, pela própria companhia (legitimação ordinária). É evidente que ambos os procedimentos não poderiam coexistir, sob pena de eventuais decisões incompatíveis.

A 2ª Seção decidiu sobre sua competência fundamentalmente a partir da interpretação da CF 105 I “d”, que atribui ao STJ a função de julgar conflitos de competência “entre quaisquer tribunais”, considerando que a arbitragem possui natureza inequivocamente jurisdicional, reconhecida, aliás, pelo próprio tribunal superior, o que, aliás permitiu, num primeiro momento, a existência de conflitos de competência entre juízos estatal e arbitral [3].

A 2ª Seção está correta. Afinal, a Constituição não restringe a competência do STJ a analisar conflitos de competência entre órgãos judicantes estatais.

Outrossim, se devemos reforçar o caráter jurisdicional da arbitragem, por conseguinte, precisamos fortalecer seus mecanismos de accountability, dentre os quais a sujeição ao STJ para definição de regimes de competência. Daí ser digno de nota a atuação do STJ, dado que nesse caso, confirmou patentemente o que temos sustentado: o Judiciário serviu de suporte de legitimidade para a arbitragem. Explicamos.

Ao se arrogar a competência para julgar conflitos de competência entre Tribunais Arbitrais ou painéis da mesma Câmara, o STJ preservou a autoridade, a legitimidade e o prestígio da arbitragem, que certamente seriam minados no caso de prolação de decisões conflitantes e, portanto, inexequíveis. Noutras palavras, o Judiciário serviu de verdadeiro garantidor da autonomia da arbitragem, ao evitar que, terminados os litígios, as partes tivessem que recorrer à jurisdição estatal para saber qual decisão cumprir. Ou transferir para o Judiciário uma infindável discussão acerca de decisões arbitrais conflituosas.

Ao argumentar favoravelmente à legitimação ordinária da companhia — titular do direito material lesado e interessada natural na reparação dos danos — e explicitar a legitimação extraordinária e, portanto, subsidiária dos minoritários, o STJ utilizou sua autoridade de uniformizador da interpretação legislativa federal, em favor do interesse privado de que a solução fosse efetivamente resolvida pela via arbitral, o que teria ocorrido somente de forma simbólica, caso decisões contraditórias fossem prolatadas.

A Corte foi enfática em seu respeito pela opção das partes: “(a) eficácia subjetiva da vindoura sentença arbitral legitima-se justamente na confiança depositada pelas partes, não apenas na Câmara de arbitragem eleita para dirimir seu litígio, mas, principalmente, nos específicos e determinados árbitros escolhidos em comum acordo para o julgamento da causa posta”.

Ao enfatizar que “(n)ão há como se admitir a subsistência de deliberações jurisdicionais exaradas por Tribunais arbitrais que se excluam mutuamente, como se houvesse um vácuo no ordenamento jurídico”, o STJ reafirma o quanto dito em nosso texto anterior: a arbitragem existe dentro do ordenamento jurídico brasileiro e a ele se submete, sendo, portanto, sua submissão à jurisdição constitucional (STF) e federal (STJ) uma consequência natural e evidente.

A ausência de vacuidade no ordenamento jurídico não deve ser lida como um reforço à concepção positivista herdada da filosofia natural do século 17, de um ordenamento completo para fins de análise autônoma pela ciência do Direito [4]; trata-se de uma consideração ainda mais pragmática, quase praxista, de que o ordenamento jurídico — e a arbitragem foi instituída no Brasil por lei (L 9.307/1996) — deve servir para resolver os problemas práticos da sociedade.

Sem a intervenção do Judiciário estatal no caso em comento, a arbitragem poderia até se revestir de uma autonomia sem utilidade. “Um corpo sem alma”, que produz soluções incapazes de pacificar os conflitos a ela submetidos e, no caso concreto, recusando solução a um grande conflito societário.

Esse aspecto é reforçado pela circunstância de que a 2ª Seção tenha anotado sua competência “sobretudo se a solução interna para o impasse criado não é objeto de disciplina regulamentar” [5]. Ou seja, o STJ em hipótese alguma vetou a possibilidade de as câmaras arbitrais regulamentarem seus próprios conflitos de competência. Apenas interveio num caso aparentemente omisso.

Ao explicitar a legitimidade ordinária da companhia, o STJ fez valer a LSA e as expectativas dos sócios de que cabe precipuamente à empresa, após deliberação assemblear autorizativa, ajuizar a respectiva ação de responsabilização pelos danos causados ao patrimônio social e evitou, com isso, o vilipêndio de uma legitimação que é meramente subsidiária e só existe em caso de inércia da companhia (LSA 159 §4º).

Se um “simples” conflito de competência foi suficiente para ressalvar a importância do Judiciário na legitimação normativa da arbitragem, que diremos de sua submissão ao controle de constitucionalidade?

A suposta insubmissão da arbitragem à jurisdição constitucional criaria uma aporia: se não se pudesse fazer valer a normatividade da Constituição em procedimentos arbitrais — a norma que é fundamento de validade de todas as demais — com qual legitimidade poder-se-ia esperar que a própria lei de arbitragem (ou qualquer outra) seja respeitada?

Voltamos a Niklas Luhmann: o caráter normativo do Direito significa que as normas jurídicas são expectativas de comportamento estabilizadas contrafactualmente (kontrafaktisch stabilisierte Verhaltenserwartungen) [6]. Os instrumentos do controle judicial e de constitucionalidade existem justamente para que o Direito possa cumprir sua função social de garantia das expectativas normativas. Fora disso o que existe é o não-Direito.

Veja, aqui sequer falamos de proceduralização, enquanto “justificação de regras de colisão” (Rudolf Wiethölter), em que o Direito — que já não mais projeta uma “forma de vida concreta” [7] (Jürgen Habermas) — serve de aparato racionalizador da auto-organização da sociedade [8]. Estamos ainda buscando as promessas do constitucionalismo do Direito pós-bélico (Mario Losano).

Rejeitar a concepção de arbitragens supremas é não aceitar que a jurisdição arbitral fique à margem do Direito produzido pelos tribunais superiores brasileiros. Do contrário, dificilmente teremos a noção de unidade de Direito. Do mesmo modo, não buscamos uma colonização da esfera arbitral, pelo contrário, o diálogo com os tribunais superiores é o caminho para o recrudescimento de sua legitimação.

Uma recepção consistente de um paradigma jurídico procedural em que Estado e particulares formam uma rede heterárquica depende também de nossa capacidade de não hipostasiar a função dos particulares ou marginalizar a função legitimadora que o Estado ainda desempenha na sociedade. Eis, acima, um bom exemplo.

[1] Georges Abboud e Rafael Valim, Aspectos do Controle Constitucional de Procedimentos Arbitrais, in: Direito Público e Arbitragem: Os Desafios Emergentes da Resolução Privada de Conflitos do Estado, Contracorrente, 2022.

[2] STJ, 2a S., CC 185702-DF, rel. min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/6/2022, DJe 30/6/2022.

[3] STJ, 2ª S., CC 111230/DF, rel. min. Nancy Andrighi, j. 8/5/2013, DJe 3/4/2014.

[4] Cf. Georges Abboud, Maira Scavuzzi e Matthäus Kroschinsky, “Consequencialismo, teoria da decisão e jurisdição constitucional”, in: Revista dos Tribunais, v. 1.038, abril/2022, p. 249-279; Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 8. Ed., trad. José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 21-44 e Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 3. Ed., trad. A. Menezes Cordeiro, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 14 e ss.

[5] STJ, 2ª S., CC 185702-DF, cit., ementa e p. 25/70 do acórdão.

[6] Niklas Luhmann, Rechtssoziologie, 3ª edição, Opladen: Westdeutscher Verlag, 1987, p. 43.

[7] Jürgen Habermas, O filósofo como verdadeiro teórico do direito, in: A Revolução Recuperadora: Pequenos escritos políticos VII, 1ª ed., São Paulo: Editora Unesp, trad. Rúrion Melo, 2021, p. 93-111, p. 104. Cf. Georges Abboud, Direito Constitucional Pós-Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, Parte III; Georges Abboud e Matthäus Kroschinsky, “Notas sobre Direito e Política no pensamento de Jürgen Habermas”, in: Pensamento Jurídico, v. 16, n. 1, 2022. Disponível em: https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/view/343.

[8] Rudolf Wiethölter. Materialization and proceduralization in modern law, in: Gunther Teubner (Org.). Dilemmas of Law and Welfare State. New York: Walder Gruyter, 1988, p. 221-249.

Referências

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