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Opinião: Afinal, ‘o que é o MP, esse outro (des)conhecido’?

O artigo aborda a função do Ministério Público na atualidade, enfatizando a necessidade de uma atuação como fiscal da lei e não como mero promotor de acusações. Discute a persistência de um modelo antigo de atuação e questiona a responsabilidade da sociedade e das instituições na efetivação das garantias constitucionais. O texto aponta que, paradoxalmente, a defesa criminal se torna o verdadeiro fiscalizador da legalidade devido ao comportamento estratégico adotado pelo Ministério Público.

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1) O velho promotor público vive A modernidade é marcada por um conjunto de modificações que alcançaram a sociedade, as instituições e o modo de exercício do poder. A ruptura do modelo anterior, a chamada Forma Estatal Medieval, implicou — como tipo ideal — uma laicização do poder e na submissão do próprio poder público aos comandos legais existentes. Digamos assim: de ex parte principis para ex-parte principio. Assim, é no decorrer da modernidade (que começa absolutista) que surge a figura do Estado de Direito, isto é, a organização sociopolítica em que todos se encontram sob o domínio do ordenamento jurídico.

A partir disso, é oportuno realizar uma análise sobre a realidade brasileira, mais especificamente para o âmbito da persecução penal.

Por força constitucional, o Ministério Público, além de ser o titular da ação penal pública, deverá exercer a função de fiscal da lei no curso da persecução penal. Diante da configuração ministerial instituída em 5 de outubro de 1988, não deveria, portanto, mais existir o mínimo espaço para a antiga figura do promotor de acusação.

Isto é, legitimamente somente há ambiente para a atuação do promotor de Justiça — e não mais o promotor público —, ainda que outras nomenclaturas possam a vir ser utilizadas, vide o procurador da República. Não se trata de uma filigrana jurídica, pois, desde a promulgação da Constituição vigente, não pode o membro do Ministério Público, no curso de uma ação penal, buscar a condenação a todo e qualquer custo. Não pode, pois, usando as palavras certas, fazer agir estratégico, esconder provas, distorcê-las ou “forçar a barra” pela qual os fins (condenação) justificam qualquer meio.

2) O velho não morre e não deixa o novo nascer? Antes mesmo da superação da ordem constitucional da ditadura civil-militar (1964-1985), essa figura do promotor de acusação, e que é tão cara no imaginário coletivo, já era questionada. Alfredo Valadão já trazia um lema que permitia a crítica a um obstinado pela condenação: “MP como fiscal das ilegalidades, vindas de onde viessem…” [1] — espécie de modelo de MP que vem sendo esquecido.

Na ordem constitucional brasileira, somente pode existir o promotor de Justiça e isso não (deveria) constitui(r) qualquer novidade. E, apesar dos 32 anos de Constituição, afirma-se que esse personagem ainda não se encontra devidamente consolidado. O velho modelo não morre e não deixa o novo modelo nascer, mesmo 32 anos depois.

Nem está em crise de identidade. Na verdade, assumiu um lado: o da acusação (lembremos do procurador Carlos Lima, ao confessar publicamente que a “lava jato” “assumiu” um lado). Custe o que custar. Bom, sempre achávamos que o lado era a CF. E não o Direito Penal do inimigo. Ou o lawfare.

E essa dificuldade na solidificação do promotor de Justiça não pode ser atribuída a um suposto desconhecimento ou mesmo falta de interesse da sociedade frente ao sistema de Justiça.

Outrora, essa desculpa até poderia ser invocada, tanto que Aliomar Baleeiro chegou a escrever sobre o Supremo Tribunal Federal [2], mas agora isso não se mostra verdadeiro. A comunidade acadêmica desenvolve diversas pesquisas sobre as instituições e personagens jurídicos e, além disso, a sociedade debate as decisões judiciais que chegam mesmo a ser televisionadas. E debate denúncias e acusações temerárias. Aliás, o Supremo Tribunal já alertou sobre o agir estratégico de juízes e promotores (ler aqui).

Por que será que o MP recebeu as garantias da magistratura? Para agir estrategicamente ou para se portar como “um magistrado”? As garantias são para não se apresentar como um teimoso e irascível acusador. O agir por princípios é o que (deveria) pauta(r) o agente imparcial; porém, diante dessa fragilidade do tipo ideal do promotor de Justiça, o que se verifica é a atuação pautada pelo agir estratégico, ou seja, um comportamento próprio de quem possui interesse no desfecho do processo. Em verdade, o comportamento de assistente de acusação.

3) Mas, afinal, por que existe essa resistência? Tentemos. A despeito de o Texto Constitucional de 1988 ter surgido em um momento de superação do regime de força — daí a ilegitimidade de uma nova Assembleia Constituinte, pois o que seria objeto de superação agora? — instituído no dia 1º de abril de 1964, a verdade é que permanece o autoritarismo na sociedade brasileira.

Trata-se de um imaginário forjado na história brasileira. Uma fagocitose (ruim) do Direito feito pela autoridade estatal. A bureau-cracia, instituidora da modernidade, foi substituída pela parcialidade. Em vez de a autoridade garantir as garantias, coloca-se contra essas.

Nesse ponto, não se pode desprezar a responsabilidade das faculdades de direito e das próprias instituições em sabotar o projeto constitucional de atuação do membro do Ministério Público no curso da persecução penal.

4) Quem fiscaliza, mesmo, a lei? Se o Ministério Público ainda não conseguiu romper com essa resistência ao “novo” modelo institucional, há de se perguntar: quem no processo penal brasileiro exerce, de fato, a função de fiscal da lei?

É aqui que, surpreendentemente — pela opção do MP pelo agir estratégico — tem-se que o grande fiscalizador da legalidade na persecução penal é a defesa criminal. O Superior Tribunal de Justiça, em paradigmático julgado sobre o reconhecimento pessoal, destacou isso. Diariamente, advogados e defensores públicos se insurgem contra os desmandos praticados nas ações penais e que se originam no agir estratégico adotado pelo titular da ação penal pública.

Qual é o busílis? Simples. É que esse tipo de atuação sequer deveria ser imaginado se o promotor de acusação tivesse, enfim, dado lugar ao promotor de Justiça. É claro que a atuação defensiva não é descompromissada, mas, diante de uma mentalidade autoritária, a fiscalização da lei quase sempre irá lhe trazer algum benefício.

A comunidade jurídica deveria olhar melhor para essa fenomenologia. Quem deveria ser imparcial, não fiscaliza a legalidade e, por agir estrategicamente, visa a todo custo, ainda que seja pela superação das leis, uma condenação. Paradoxalmente, quem é o parcial, acaba por se mostrar um intransigente defensor da legalidade, pois, nesse cenário autoritário, assim se mostrará mais fácil um provimento jurisdicional mais favorável.

Já hoje não deveríamos dizer ou indagar “o Ministério Público — esse outro desconhecido”, imitando Baleeiro. Na verdade, de tão conhecido, o Ministério Público vai perdendo espaço para a própria defensoria, que, ao fim e ao cabo, cresce dialeticamente, dia a dia, justamente pelo fato de o Ministério Público não exercer o seu papel constitucional de fiscal da lei, como, aliás, dizia Alfredo Valadão: “Fiscal da lei, vindas as ilegalidades de onde vierem, inclusive de si próprio”.

[1] https://www.conjur.com.br/2020-out-26/streck-ministerio-publico-paraiba-professor-agassiz.

[2] BALEEIRO, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal — esse outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968.

Referências

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