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Excesso de Habeas Corpus no STJ: um problema crônico

O artigo aborda a preocupação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o uso excessivo de Habeas Corpus, que tem se tornado um problema crônico, gerando uma média alarmante de 422 pedidos diários. Os autores discutem a dificuldade de admissibilidade de recursos especiais e a tendência dos advogados em recorrer ao habeas corpus como alternativa, propondo mudanças que visem equilibrar o uso desses instrumentos jurídicos e melhorar a eficiência do sistema judiciário.

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Nos últimos anos, o Superior Tribunal de Justiça tem manifestado uma crescente preocupação com a quantidade elevada de Habeas Corpus impetrados. Este problema se tornou crônico, com ministros diariamente alertando advogados e operadores do direito em geral sobre a necessidade de rever o uso excessivo deste instrumento, especialmente no que se refere ao habeas corpus substitutivo de recurso.

Em 2023, foram distribuídos e registrados 105.230 habeas corpus e recursos em habeas corpus, o que equivale a 422 HC e RHC por dia útil (considerando os 249 dias úteis em 2023, incluindo janeiro e julho), resultando em uma média de 42 HC e RHC recebidos por dia em cada gabinete.

Além dos 42 Habeas Corpus e recursos ordinários em HC que chegam aos gabinetes do STJ por dia útil, é importante destacar que cada um desses processos possui iniciais que frequentemente se estendem por diversas páginas, sem contar os anexos, que podem chegar a centenas ou até milhares de páginas.

Isso torna evidente a necessidade de que as petições iniciais sejam objetivas e que os documentos anexos sejam restritos aos indispensáveis para demonstrar o alegado constrangimento ilegal, em qualquer instância. Contudo, este não é o cerne da problemática abordada aqui, sendo apenas uma menção relevante para a contextualização.

Há diversas ideias e ações visando diminuir o número de Habeas Corpus. Com a pesquisa que tenho feito, vejo o quão importante é o habeas corpus para as garantias do cidadão. Assim, venho neste ensaio trazer uma solução que entendo adequada, sem prejudicar as concessões que visam a cessar constrangimentos ilegais.

Problema do Habeas Corpus substitutivo de Recurso Especial

O recurso especial (REsp) apresenta diversos requisitos rigorosos para sua admissibilidade, e, devido à Súmula 7 do STJ e tantos outros motivos, raramente é admitido. Normalmente, os recursos sobem ao tribunal via agravo em recurso especial (AREsp), que é encaminhado à presidência do STJ. Frequentemente, o agravo não é conhecido pela ausência de impugnação de todos os pontos decididos, necessitando o manejo de agravo regimental. Este agravo regimental, não sendo realizado o juízo de retratação, é distribuído a uma das turmas criminais, onde, em muitos casos, o agravo é ou conhecido e não provido, ou não conhecido por ausência de algum requisito.

Essa situação cria um cenário em que manejar um REsp é extremamente difícil, e, quando admitido, a análise do mérito é rara. Consequentemente, muitos advogados recorrem ao habeas corpus substitutivo de recurso especial como uma alternativa, tentando assegurar a análise de suas teses jurídicas, especialmente em casos de flagrante ilegalidade.

Prática dos advogados e a questão do Habeas Corpus de ofício

Diante da dificuldade de admissão do REsp, muitos advogados recorrem ao habeas corpus substitutivo de recurso especial. Quando não o fazem, e diante da iminente inadmissibilidade do recurso, é comum os advogados requererem a concessão de habeas corpus de ofício. No entanto, a jurisprudência majoritária do STJ tem sido clara ao negar tal concessão, conforme demonstram os seguintes julgados:

AgRg no AREsp n. 2.486.531/SP: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, não cabe pleitear a concessão de Habeas Corpus de ofício, como sucedâneo recursal ou como forma de se tentar burlar a inadmissão do recurso próprio, em se considerando que o seu deferimento se dá por iniciativa do próprio órgão jurisdicional, quando verificada a existência de ilegalidade flagrante ao direito de locomoção.” (relator ministro Jesuíno Rissato, julgado em 14/5/2024 pela 6ª Turma, DJe de 17/5/2024).

AgRg no AREsp n. 2.026.811/SP: “Nos termos do artigo 654, § 2.º, do Código de Processo Penal, o Habeas Corpus de ofício é deferido por iniciativa dos Tribunais quando detectarem ilegalidade flagrante, não se prestando como meio para que a Defesa obtenha pronunciamento judicial acerca do mérito de recurso que não ultrapassou os requisitos de admissibilidade.” (relatora ministra Laurita Vaz, julgado em 8/11/2022 pela 6ª Turma, DJe de 18/11/2022).

AgRg no AREsp n. 864.672/SP: “É descabido postular a concessão de habeas corpus de ofício, como forma de tentar burlar a inadmissão do recurso especial.” (relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/5/2016 pela 5ª Turma, DJe de 1/6/2016).

Nos termos dos julgados acima, que refletem o entendimento do STJ, o Habeas Corpus de ofício é concedido em REsp por iniciativa dos tribunais quando detectam ilegalidade flagrante, não sendo cabível como meio para que a defesa obtenha pronunciamento judicial acerca do mérito de recurso que não ultrapassou os requisitos de admissibilidade. Esse posicionamento que pretendo que seja alterado.

Mudança trazida pela Lei nº 14.836/2024

A Lei nº 14.836, de 8 de abril de 2024, introduziu alterações importantes na legislação processual penal brasileira, modificando a Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Essa nova legislação trouxe, entre outras mudanças, a formalização da concessão de habeas corpus de ofício, tanto de forma individual quanto coletiva.

Habeas Corpus de ofício: novos horizontes

A partir da promulgação da Lei nº 14.836/2024, o Habeas Corpus de ofício passou, novamente, a ser expressamente previsto na legislação, permitindo que qualquer autoridade judicial conceda a ordem independentemente de provocação, sempre que identificar, no curso de um processo, que alguém está sofrendo ou correndo risco de sofrer coação ilegal em sua liberdade de locomoção (artigo 647-A e parágrafo único do CPP).

Esta mudança reforça a prática já existente nos tribunais superiores, especialmente no STJ e no STF, onde a concessão de habeas corpus de ofício é frequentemente utilizada para corrigir ilegalidades flagrantes. Ocorre que isso, majoritariamente, acontece em sede de habeas corpus e não de REsp, como se vê abaixo.

Dados estatísticos e a necessidade de mudança

Em 2023, segundo minhas pesquisas, foram concedidas 16.376 ordens de Habeas Corpus e recursos ordinários em HC (excluindo liminares). Não tenho os números de quantas concessões de ofício em AREsp e REsp, pois não fazem parte do escopo da minha pesquisa, todavia, há claras evidências de que o número de concessões de ofício nessas classes mencionadas é bem inferior comparado ao número de concessões em Habeas Corpus e seus respectivos recursos.

Isso fica claro quando se discute a possibilidade de decisões em habeas corpus servirem de paradigma para embargos de divergência. Até porque as principais decisões relevantes nos últimos anos ocorreram em habeas corpus, como reconhecimento fotográfico, ingresso ilegal em domicílio, testemunho de ouvir dizer, entre tantos outros.

Em razão disso, muitos advogados preferem utilizar o habeas corpus, mesmo quando os recursos tradicionais, como o REsp, estão disponíveis. A razão para isso é a maior chance de sucesso percebida no habeas corpus, comparada à dificuldade de admissibilidade e análise de mérito no REsp. Essa prática, no entanto, é um dos fatores que sobrecarregam o STJ.

Proposta de mudança de entendimento

Sugiro uma mudança de entendimento quanto à concessão de habeas corpus de ofício em AREsp e REsp. Muitos advogados utilizam o REsp apenas para evitar o trânsito em julgado, mas, concomitantemente, utilizam o habeas corpus para sanar a flagrante ilegalidade. Acredito que, se fosse adotada a concessão de Habeas Corpus de ofício mesmo quando provocado em AREsp e REsp, muitos advogados recorreriam ao REsp, sabendo que, mesmo inadmitido, poderiam alcançar êxito com a concessão de ofício.

Essa estratégia é relevante porque, com o trânsito em julgado, seria necessário ingressar com revisão criminal. Sabe-se que o habeas corpus substitutivo de revisão criminal é mais complexo e a flagrante ilegalidade deve estar claramente evidenciada. Portanto, é estratégico utilizar o REsp para evitar o trânsito, sabendo que, caso o recurso especial não seja conhecido, ainda há a possibilidade de êxito com a concessão de ofício.

Essa mudança poderia reduzir significativamente a quantidade de habeas corpus no STJ, incentivando advogados e advogadas a utilizarem o habeas corpus prioritariamente para teses que afetam diretamente a liberdade, enquanto temas como dosimetria, trancamento, absolvição e outros que não afetam diretamente a liberdade poderiam ser tratados via REsp.

A concessão de Habeas Corpus de ofício em AREsp e REsp, mesmo quando provocado pela defesa, poderia promover um uso mais equilibrado e eficaz dos recursos disponíveis no sistema judicial. Isso não apenas reduziria a sobrecarga do STJ, mas também asseguraria que os casos de flagrante ilegalidade em relação a liberdade fossem tratados com a devida urgência e prioridade, sem comprometer a eficiência do tribunal.

Claro que ainda temos que considerar a morosidade da tramitação do REsp e AREsp, pois essa lentidão também é um fator que contribui para a utilização do habeas corpus. Todavia, uma duração razoável do trâmite do REsp e AREsp no próprio STJ já ajudaria bastante a mitigar este problema.

Conclusão

A redução do uso excessivo de habeas corpus no STJ é essencial para melhorar a eficiência e eficácia do sistema judiciário. A mudança sugerida busca equilibrar o uso dos recursos disponíveis, sem prejudicar o direito de defesa dos pacientes, assegurando que o STJ continue cumprindo seu papel de guardião da cidadania e dos direitos fundamentais.

A adoção de uma nova perspectiva quanto à concessão de habeas corpus de ofício em AREsp e REsp poderia ser um passo importante nessa direção. Ao incentivar o uso adequado do recurso especial, e reservar o Habeas Corpus para casos realmente urgentes e que afetam diretamente a liberdade dos indivíduos, o STJ poderia melhorar significativamente a sua capacidade de administrar a justiça de maneira eficiente e justa.

Em última análise, a proposta aqui apresentada visa promover um sistema judicial mais equilibrado, eficiente e justo, onde os recursos são utilizados de forma adequada e as garantias fundamentais dos cidadãos são plenamente asseguradas. A mudança de entendimento quanto ao uso do habeas corpus de ofício em AREsp e REsp, em conformidade com a Lei nº 14.836/2024, pode ser a chave para alcançar esse objetivo, garantindo que o STJ possa continuar a desempenhar seu papel crucial na proteção dos direitos e liberdades individuais.

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