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Competência criminal da lei de violência contra a mulher

O artigo aborda a competência criminal prevista na Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, destacando que os Juizados de Violência Doméstica (Jufams) terão, no futuro, jurisdição cível e criminal para tais casos, enquanto as varas criminais assumem essa responsabilidade até sua criação. Explora as definições de violência, os vínculos necessários entre a vítima e o agressor, e questões sobre a aplicação da lei para diferentes contextos e pessoas, enfatizando a necessidade de proteger as mulheres em situações de violência. Além disso, discute a constitucionalidade da lei e suas diretrizes de prioridade no julgamento dos casos.

Artigo no Migalhas

Competência criminal da lei de violência contra a mulher

Alice Bianchini*

Luiz Flávio Gomes**

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Jufams, que poderão ser criados pelos Estados e no Distrito Federal e Territórios) terão competência “cível e criminal” para conhecer e julgar “as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (art. 14). Enquanto não criados tais juizados, essa tarefa será das “varas criminais” (arts. 29 e 33). Como se vê, a partir de 22/9/06 passa para tais varas criminais a plena competência para julgar as causas acima referidas.

Competência (imediata) das varas criminais: o que se entende por “causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, que comporão (no futuro) a competência dos Jufams e que, de imediato, passam para a responsabilidade das varas criminais? A resposta deve ser encontrada no artigo 5º da Lei 11.340/2006 (clique aqui).

Esse dispositivo legal (art. 5º) diz o seguinte: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.

A fixação da competência (imediata) das varas criminais (que é a mesma que no futuro fará parte dos Jufams), como se nota, depende (da conjugação) de dois critérios: 1º) violência contra mulher e 2º) que ela (mulher) faça parte do âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo do agente do fato. Em outras palavras, a competência será firmada em razão da pessoa da vítima (“mulher”) assim como em virtude do seu vínculo pessoal com o agente do fato (ou seja: é também imprescindível a ambiência doméstica, familiar ou íntima).

Note-se: não importa o local do fato (agressão em casa, na rua etc.). Não é o local da ofensa que define a competência (das varas criminais e dos Jufams). Fundamental é que se constate violência contra mulher e seu vínculo com o agente do fato.

Para ter incidência a lei nova o sujeito passivo da violência deve necessariamente ser uma “mulher” (tanto quanto, por exemplo, no crime de estupro). Pessoas travestidas não são mulheres. Não se aplica no caso delas a lei nova (sim, as disposições legais outras do CP e do CPP). No caso de cirurgia transexual, desde que a pessoa tenha passado documentalmente a ser identificada como mulher (Roberta Close, por exemplo), terá incidência a lei nova.

A questão da constitucionalidade da lei: a Lei 11.340/2006 constitui exemplo de ação afirmativa, no sentido de buscar uma maior e melhor proteção a um segmento da população que vem sendo duramente vitimizado (no caso, mulher que se encontra no âmbito de uma relação doméstica, familiar ou íntima). O art. 5º, I, da CF diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Mas o tratamento diferenciado em favor da mulher (tal como o que lhe foi conferido agora com a Lei 11.340/2006) justifica-se, não é desarrazoado (visto que a violência doméstica tem como vítima, em regra, a mulher). Quando se trata de diferenciação justificada, por força do critério valorativo não há que se falar em violação ao princípio da igualdade (ou seja: em discriminação, sim, em uma ação afirmativa que visa a favorecer e conferir equilíbrio existencial, social, econômico, educacional etc. a um determinado grupo). Se a lei nova escolheu o melhor caminho a partir de 22/9/06 é outra coisa. Faço reservas em relação a isso.

Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja: qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima: aplica a nova lei. A essa mesma conclusão se chega: na agressão de filho contra mãe, de marido contra mulher, de neto contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro contra companheira, de quem está em união estável contra a mulher etc. Exceção: marido policial militar que agride mulher policial militar, em quartel militar (a competência, nesse caso, é da Justiça militar).

Quem agredir uma mulher que está fora da ambiência doméstica, familiar ou íntima do agente do fato não está sujeito à Lei 11.340/2006. É dizer: quem ataca fisicamente uma mulher num estádio de futebol, num show musical etc., desde que essa vítima não tenha nenhum vínculo doméstico, familiar ou íntimo com o agente do fato, não terá a incidência da lei nova. Aplicam-se, nesse caso, as disposições penais e processuais do CP, CPP etc.

A violência contra a mulher pode assumir distintas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral (art. 7º). Não importa o tipo de violência: se gerar algum ilícito penal ou alguma pretensão civil (de urgência), tudo será da competência das “varas criminais” (de imediato) (no futuro, dos Jufams).

Observe-se que, no futuro, quando criados os Jufams, a competência deles não terá por base o atual critério dos juizados (infrações penais até dois anos). Trata-se de competência que será definida em razão de critérios próprios. Qualquer delito contra mulher praticado no âmbito das relações domésticas, de família ou íntima (não importa a pena nem a natureza do crime: lesão corporal, ameaça, crime contra a honra, constrangimento ilegal, contra a liberdade individual, contra a liberdade sexual etc.) será da competência dos Jufams (e, de imediato, das varas criminais).

Cárcere privado, lesões corporais, tortura, violência sexual, calúnia, injúria, ameaça etc.: tudo é da competência imediata das varas criminais (e, no futuro, dos Jufams). Exceções: as exceções a essa regra ficam por conta das competências definidas na Constituição Federal: júri, crimes da competência da Justiça Federal, crimes da competência da Justiça militar etc. No caso de homicídio (crime doloso contra a vida) a competência é do Tribunal do Júri, incluindo-se o sumário de culpa (fase instrutória preliminar). Não será de imediato das varas criminais nem dos Jufams no futuro. Diga-se a mesma coisa em relação à competência da Justiça Federal: agressão do marido contra a mulher dentro de um avião ou navio (é da competência da Justiça Federal, CF, art. 109). Note-se que a lei não prevê os Jufams no âmbito da Justiça Federal.

Regras de competência (incidência imediata): todas as novas regras de competência contempladas na Lei 11.340/2006 terão incidência imediata (no mesmo dia 22/9/06), por força do art. 2º do CPP (princípio da aplicação imediata da lei genuinamente processual). Mas os crimes ocorridos até 21/9/06 continuarão regidos pelo direito anterior (mais benéfico). Lei nova prejudicial não retroage.

Direito de preferência: nas varas criminais as causas que envolvem violência doméstica ou familiar contra a mulher contam com direito de preferência (parágrafo único do art. 33). Essa preferência não exclui outras já definidas em lei (lei dos idosos, por exemplo). O juiz deve dar prioridade (na movimentação dos processos) a todas essas causas (elas devem ter andamento mais célere).

Sucessão de leis penais e continuidade delitiva: no caso de continuidade delitiva (marido que pratica agressões freqüentes e sucessivas contra a mulher), caso tenha havido agressões na vigência da lei anterior bem como da lei nova, incide a Súmula 711 do STF (ou seja: a pena que terá incidência é a da nova lei, não a da lei antiga).

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*Consultora e Parecerista e Coordenadora dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

** Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

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