Artigos Empório do Direito – “não havia engano, tudo é vaidade”

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“não havia engano, tudo é vaidade”

O artigo aborda a descompostura pública de uma advogada por um Ministro do STF durante uma sustentação oral, destacando a falta de urbanidade e respeito necessária no ambiente jurídico. O autor faz uma reflexão sobre a vaidade e a efemeridade da vida, citando a obra de Tolstói para ilustrar que a morte é uma inevitabilidade que deveria nos levar a valorizar mais os verdadeiros significados da existência. Assim, conclui que, diante da vaidade e da transitoriedade da vida, tudo é vaidade.

Artigo no Empório do Direito

Foi amplamente divulgada pela imprensa a descompostura pública que, no dia 06 de novembro do ano passado, um Ministro do Supremo Tribunal Federal passou em uma advogada, enquanto ela fazia – respeitosamente, e com muita competência e sobriedade – uma sustentação oral no julgamento de um Recurso Extraordinário. O julgamento estava sendo transmitido pela TV e o Ministro, por certo, sabia disso e, quem sabe, talvez por isso.[2]

Nada obstante a solenidade e a tal da “liturgia” do momento – fato que não se discute, obviamente –, chamou menos a minha atenção um possível deslize da advogada, e mais – muito mais! –, a atitude deselegante do Ministro.

Se é defensável que, desde o lugar de onde ela estava, e para quem falava, a advogada deveria se dirigir aos Ministros utilizando-se de um outro pronome de tratamento, na verdade, muito mais sobreleva a descortesia e a indelicadeza que foi a interrupção da sustentação oral que fazia a advogada em tom absolutamente técnico e respeitoso para com toda a Corte.

Tratou-se de uma postura, a meu ver – e com todo respeito ao Ministro -, inaceitável, desde um ponto de vista da urbanidade e da civilidade com a quais deve se portar qualquer Magistrado ou membro do Ministério Público, ainda que diante de um “deslize” – se é que houve… – de um ou de uma advogada.

O fato foi lamentável, fazendo-me lembrar uma história contada por Tolstói, em “Uma Confissão”[3]. Segundo ele, houve um jovem príncipe indiano, muito feliz, de quem foram ocultadas, propositadamente, algumas vicissitudes da existência humana, como a doença, a velhice e até a morte, talvez, como costumo dizer, a mais trágica e a mais certa de todas as coisas!

Certo dia, ao passear numa carruagem, o príncipe avistou um velho, “um cara fraco, desdentado e feio, quase sem recheio”[4] e, espantado, perguntou ao cocheiro por que aquele homem havia chegado àquela degradante condição humana, desconhecida para ele até então. Quando lhe disse o empregado que aquele era o destino geral de todos nós e que ele, o príncipe, também teria o mesmo fim, ele não suportou continuar o passeio. Voltou para casa, “trancou-se sozinho e refletiu.”

Em outro dia, também quando passeava, o príncipe encontrou agora um homem muito doente e, sem entender o que se passava, perguntou novamente ao cocheiro. Ao saber que era uma doença e “que atinge todas as pessoas, e que ele mesmo, o príncipe saudável e feliz, no dia seguinte poderia também ficar doente, mais uma vez não tem coragem de continuar se divertindo.”

E, novamente, voltou para casa, certamente triste e pensativo. Numa terceira vez, ao sair de novo para se entreter, viu um cadáver sendo carregado. Não sabendo também do que se tratava, inquiriu:

“O que é isso?”

“É um morto”, respondeu o cocheiro.

“O que quer dizer ´morto`?”, indagou o príncipe tolo, que nada sabia da vida, nada obstante um nobre. Ao descobrir o que significava um morto, perguntou:

“E o que mais vai acontecer com ele?”

“Vai ser enterrado e não será nunca mais um vivo e dele só sairão vermes e mau cheiro”, ouviu, atônito!, o príncipe atoleimado.

“Comigo também vai acontecer isso, vão me enterrar e de mim vão sair mau cheiro e vermes?”

Ouvindo a única resposta possível de ser dada, o príncipe, pasmado!, voltou para casa, antes pensando:

“Nunca mais vou sair para passear.”

Ora, ora, o príncipe nem sequer sabia que aquele era o destino de todas as pessoas, e talvez, quem sabe, o único mesmo sentido da vida, afinal, como disse Freud, “a morte é o desfecho necessário de toda vida, que cada um de nós deve à natureza uma morte e tem de estar preparado para saldar a dívida, em suma, que a morte é natural, incontestável e inevitável.”[5]

De um certo modo, ou em um certo sentido, a morte dignifica-nos como alguém que um dia viveu a vida. Sem ela, e sem a sua sempre incômoda iminência, nada faria sentido. Rigorosamente nada. Viver a vida é, de certa maneira, viver a dolorosa espera pela morte. Esse louco e desesperador aguardar pelo nada. Aquela que, quem sabe?, irá nos redimir dos erros e nos gratificar pelos eventuais acertos.

Foi Lacan quem o disse: “a vida sonha apenas repousar o máximo possível, esperando a morte. A vida sonha apenas morrer.”[6]

O vaidoso príncipe também não sabia que “este é o segredo da vida: a vida passa.”[7] Schopenhauer, talvez o mais pessimista dos filósofos, também escreveu algo parecido: “A morte é o gênio inspirador, a musa da Filosofia… Sem ela ter-se-ia dificilmente filosofado. E o verdadeiro fim da vida é livrarmo-nos dela.”[8]

Voltando, então, à Confissão do mestre russo, ele conclui o capítulo assim:

“NÃO HAVIA ENGANO, TUDO É VAIDADE.”

Definitivamente, e como se diz por aí, a vaidade é o pecado favorito do Diabo! Ou, como costumam dizer os argentinos, só o unicórnio azul para nos salvar.[9]

Notas e Referências

[1] Este texto foi publicado originalmente no Boletim do Instituto Baiano de Direito Processual Penal – IBADPP (Ano 2, nº. 6, dezembro/2019), na coluna “Ponto e Contraponto”.

[2] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/11/08/nao-me-abati-diz-advogada-repreendida-durante-fala-no-stf-por-chamar-ministros-de-voces.ghtml, acessado em 10 de novembro de 2019.

[3] TOLSTÓI, Liev, “Uma Confissão”, São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2017, páginas 60 a 63. Este livro foi publicado pela primeira vez em 1884, em Genebra, na Suíça. Na Rússia, foi censurado pela Igreja Ortodoxa greco-russa, em razão de contestar dogmas, preceitos e costumes religiosos. A obra só foi oficialmente publicada na Rússia em 1906, quatro anos após a morte do autor.

[4] BUARQUE, Chico, “Partido Alto”, canção de 1972.

[5] FREUD, Sigmund, “Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos – 1914 – 1916”, São Paulo: Companhia das Letras, 1ª. edição, 2010, p. 230.

[6] ROUDINESCO, Elisabeth, “Lacan, a despeito de tudo e de todos”, Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2011, p. 22.

[7] PELLEGRINO, Hélio, “O tesouro encontrado”, prólogo do livro “Em busca do tesouro”, de Alex Polari, Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1982, p. 16.

[8] SCHOPENHAUER, Arthur, “Dores do Mundo”, Coleção Universidade, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint Ltda, páginas 125 e 127.

[9] Na Argentina, existe imortalizada uma lenda que remete para o unicórnio azul: quem conseguir capturar este animal terá muita felicidade e riqueza. O compositor Sílvio Rodriguez representou bem esta lenda em sua canção intitulada “Mi unicórnio azul”.

Imagem Ilustrativa do Post: DSC_5457.jpg // Foto de: Robert // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/rrachwal/26017459914/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

Referências

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