

Futebol e política não se discutem, nem se misturam?
O artigo aborda a intrínseca relação entre futebol e política ao longo da história, destacando como eventos esportivos foram utilizados tanto para propaganda ideológica, como nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, quanto como plataformas de resistência, como a “Democracia Corintiana” no Brasil. O texto menciona exemplos emblemáticos, incluindo a vitória de Jesse Owens e o Massacre de Munique, analisando os impactos políticos que esses episódios tiveram nas sociedades. Além disso, questiona as consequências desta intersecção e reflete sobre o papel do esporte na construção de identidades e narrativas políticas.
Artigo no Empório do Direito
Ao longo da história, a atividade esportiva muitas vezes foi utilizada – ora positivamente, ora sob um aspecto negativo – pela política e pelos políticos; por outro lado, e de certa maneira, também serviu como um meio legítimo de atuação política. Neste trabalho, que não se pretende em absoluto longo, tampouco exaustivo em relação a todos os episódios pertinentes à temática, farei referência a alguns fatos que ligaram o esporte – em várias de suas modalidades – e a vida política de determinada época.
Observando uma ordem cronológica, e já na contemporaneidade, lembro os Jogos Olímpicos de Verão – conhecidos como Jogos da XI Olimpíada -, realizados em 1936, em Berlim, na Alemanha nazista. A abertura dos Jogos foi feita com a presença de Adolf Hitler, e foi um espetáculo grandioso, apresentado ao mundo desde as dependências do então inaugurado – e moderno – Estádio Olímpico de Berlim. A expectativa dos nazistas, e em especial do seu líder, era a de que os homens brancos vencessem em quase todas as modalidades disputadas, ganhando a maioria das medalhas e provando a superioridade da raça ariana.
Não foi o que se deu, porém, e como se viu. Para a decepção do führer, coube a um grupo de atletas negros estadunidenses conquistar a maioria das medalhas no atletismo, certamente a modalidade mais importante das Olimpíadas. Foram liderados todos pelo lendário Jesse Owens, que levou quatro medalhas de ouro nos 100m, 200m, revezamento 4×100 e salto em distância.[1] Este acontecimento esportivo foi, sem dúvidas, um dos mais emblemáticos da história dos Jogos Olímpicos da era moderna, pois se tratava de um evento esportivo pensado para ser palco de enaltecimento de toda uma estética racista, e para servir como propaganda do regime de horror implantado por Hitler.
E, para isso, os nazistas não economizaram dinheiro e esforços os mais diversos. Com um orçamento ampliado em mais de vinte vezes em relação ao previsto, construiu-se o mais moderno complexo esportivo do mundo (até então, obviamente), com capacidade para abrigar mais de cem mil pessoas. Os organizadores nazistas também mandaram construir um sino gigante com a inscrição “EU CHAMO OS JOVENS DO MUNDO”, celebrando a chegada da tocha olímpica ao local dos Jogos.
Dessa forma, o regime nazista tentava se apresentar ao mundo como algo pacífico, plural e humano; viu-se o contrário: o holocausto!
Trinta e seis anos depois da derrota de Hitler pelos atletas negros americanos, nos Jogos Olímpicos de Verão, em 1972 – os Jogos da XX Olimpíada, realizados também na Alemanha, em Munique – um grupo militante, denominado “Setembro Negro”, invadiu a vila olímpica; ao final, 17 pessoas morreram: seis treinadores e cinco atletas israelenses, além de cinco membros do Setembro Negro e um policial alemão. Este fato ficou conhecido como o Massacre de Munique.[2] Após 34 horas de interrupção, os Jogos voltaram a acontecer depois da insistência e da célebre frase do então Presidente do Comité Olímpico Internacional, Avery Brundage: “Os Jogos devem continuar!”
Soube-se, anos depois, exatamente o porquê da “comovente” persistência do cartola olímpico: na verdade, a partir de alguns dos telegramas diplomáticos que estavam em arquivos, o Comitê Olímpico Internacional e os organizadores alemães decidiram que interromper o evento poderia atrapalhar as investigações policiais em curso. Além desse motivo, houve um outro, menos altruísta, digamos assim: a televisão alemã havia pago milhões para mostrar a Olimpíada e não tinha outra programação planejada a tempo para colocar no ar.[3]
No futebol mundial, faço referência especial às Copas do Mundo de 1970 e de 1978, realizadas, respectivamente, no México e na Argentina, acontecimentos esportivos contemporâneos com os regimes militares brasileiro e argentino. Ambos, induvidosamente, serviram para fins políticos e de propaganda dos governos militares de ambos os países.
Aqui, o evento foi capitalizado pelo mais terrível e sanguinário dos generais da ditadura militar, o desumano Emílio Garrastazu Médici.
Com efeito, após a fracassada campanha brasileira na Copa do Mundo de 1966, nada melhor para o regime militar que um sucesso no futebol, uma indiscutível “paixão nacional”! O técnico escolhido para dirigir a seleção brasileira – para a surpresa de todos – foi o jornalista João Saldanha, filiado ao Partido Comunista Brasileiro e dono de uma personalidade corajosa, independente, marcante e forte.[4] Evidentemente, o General Médici não viu com bons olhos o fato de um comunista estar à frente da seleção brasileira, como se alhos tivessem a ver com bugalhos.
Certa vez, na véspera de um amistoso contra a Argentina, em Porto Alegre, um repórter perguntou a Saldanha: “O presidente Médici está no Rio Grande do Sul e sugeriu o nome de Dario (um centroavante do Clube Atlético Mineiro), para ser convocado, o que você acha da sugestão?”
Respondeu Saldanha: “O Brasil tem 80, 90 milhões de torcedores e gente que gosta de futebol. É um direito que todos têm. Aliás, eu e o Presidente, ou o Presidente e eu, temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos. Somos gremistas. Gostamos de futebol. E nem eu escalo o Ministério, nem o Presidente escala time, então está vendo que nós nos entendemos muito bem.” Era o que bastava.
Três dias depois de a seleção empatar em jogo-treino contra o Bangu, Saldanha foi demitido pela cúpula do futebol brasileiro e em seu lugar foi chamado Zagallo, que no dia seguinte à sua nomeação convocou Dario, para o gosto do ditador brasileiro.
Pouco mais de três meses depois, Médici recebeu, em Brasília, Zagallo e seus comandados, dentre eles Dario, que tinham conquistado o tricampeonato mundial. No dia 20 de abril de 1970, o então Prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf – um dos políticos mais corruptos da República! – presenteou com vinte e cinco fuscas a delegação brasileira, incluindo, além do time titular, os reservas, o técnico, o preparador físico e o massagista.[5]
Oito anos depois, na Argentina, a Copa do Mundo de Futebol serviu também aos interesses dos militares golpistas, assassinos, corruptos e torturadores, mais especificamente para o não menos cruel General Jorge Rafael Videla Redondo, então Presidente. Neste torneio, a partida final – que deu o título aos argentinos – foi disputada no Estádio Monumental de Núñez, triste e coincidentemente localizado a menos de 1km da Escola Superior de Mecânica da Armada, o principal e mais temido centro de tortura do país.[6]
No ano de 1990, na antiga Iugoslávia, jogavam uma partida de futebol – um clássico local – os clubes Dínamo Zagreb e Estrela Vermelha, válida pelo campeonato iugoslavo. Na época, territórios que formavam a Iugoslávia, como a Croácia (terra do Dínamo), lutavam pela independência em relação ao governo central de Belgrado, na Sérvia (do Estrela Vermelha). As disputas diplomáticas envolvendo torcedores sérvios e croatas nas arquibancadas do Estádio Maksimir foi parar nos gramados e acabou com uma “voadora” do capitão do Dínamo em um policial. Este fato inusitado e politicamente relevante, ficou conhecido como “o chute que iniciou uma guerra.”[7]
Aqui no Brasil, no início dos anos 80, surgiu a “Democracia Corintiana”[8], possivelmente o movimento democrático/esportivo mais importante da história do futebol brasileiro.
Deu-se entre os anos de 1981 a 1985, quando os jogadores do Corinthians participavam das decisões mais importantes do clube e tudo era resolvido pelo voto, das contratações ao local de concentração. Em 1980, o time paulista saía de uma das piores campanhas da sua história. Em abril, o clube elegeu Waldemar Pires como Presidente, encerrando o reinado do folclórico Vicente Matheus. Para a Diretoria de Futebol, foi indicado o sociólogo Adílson Monteiro Alves, que decidiu ouvir os jogadores. Destacavam-se entre os craques – no futebol e na política – Sócrates, Casagrande e Wladimir. Foi uma verdadeira e genuína revolução. Dentre outras medidas, os atletas liberaram os jogadores casados da concentração. Em campo, a autogestão rendeu gols. O time chegou às semifinais do Brasileiro e faturou o campeonato paulista de 1982.
O Movimento decaiu a partir de 1984, quando Sócrates foi para a Itália e Casagrande para o time do São Paulo. Em 1985, Waldemar Pires tentou eleger Adílson Monteiro Alves como sucessor, mas foi derrotado. Era o fim de uma grande história.[9]
Infelizmente, nada obstante ser o futebol “um patrimônio do povo brasileiro, historicamente tem sido usado por alguns para enriquecer. Quando o torcedor perceber a força que tem e os jogadores entenderem que são os principais atores do espetáculo, essa exploração acaba.”[10]
Enfim, como se vê, o esporte também é influenciado pela política e a política também sofre influência do esporte. Nem sempre isso é positivo. Às vezes, sim!
Notas e Referências
[1] http://radios.ebc.com.br/rio-2016/edicao/2016-01/owens-derrota-hitler-nos-jogos-olimpicos-de-1936-relembre, acessado em 02 de novembro de 2019.
[2] https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/atentado-terrorista-nas-olimpiadas-munique.htm, acessado em 02 de novembro de 2019.
[3] https://catholicus.org.br/um-ataque-terrorista-suspenderia-olimpiada/, acessado em 02 de novembro de 2019.
[4] Para quem não conhece a trajetória de João Saldanha, indico o documentário “João Saldanha”, dirigido por André Iki Siqueira e Beto Macedo, produzido por TvZero e parte da Coleção Canal Brasil.
[5] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42574031, acessado em 02 de novembro de 2019.
[6] https://www.cafehistoria.com.br/a-escola-do-terror-na-ditadura-argentina/, acessado em 02 de novembro de 2019.
[7]https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/10/podcast-conta-historia-do-chute-que-iniciou-uma-guerra-na-iugoslavia.shtml, acessado em 02 de novembro de 2019.
[8] Este nome deve-se ao publicitário Washington Olivetto: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-a-democracia-corintiana/, acessado em 02 de novembro de 2019.
[9] Essa linda história é contada no livro “Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo”, escrita pelo próprio Sócrates e pelo jornalista Ricardo Gozzi, publicado pela Editora Boitempo, em 2002.
[10] RIBEIRO JR., Amaury, CIPOLONI, Leandro, AZENHA, Luiz Carlos e CHASTINET, Tony, “O lado sujo do futebol”, São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2014, p. 361.
Imagem Ilustrativa do Post:rio, brasil // Foto de:paulo duarte // Sem alterações
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