Artigos Empório do Direito – Expressão e instrumento do regime democrático? ‘communitas’, ‘vulnerabilis et plebis’ – algumas dimensões da missão do estado defensor

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Expressão e instrumento do regime democrático? ‘communitas’, ‘vulnerabilis et plebis’ – algumas dimensões da missão do estado defensor

O artigo aborda a Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático, destacando sua função de ampliação do pluralismo e representação de grupos vulneráveis. O autor, Maurilio Casas Maia, explora conceitos como amicus communitas, custös plebis e custös vulnerabilis, enfatizando a importância da Defensoria na proteção de direitos e na luta por inclusão social e jurídica, além de discutir a atuação da instituição na promoção da democracia e do acesso à justiça.

Artigo no Empório do Direito

Por Maurilio Casas Maia – 29/08/2015

Ainda existem pouquíssimos escritos sobre a Defensoria Pública enquanto expressão e instrumento do regime democrático – conforme registra o artigo 134[1] da Constituição, com a redação conferida pela EC n. 80. Na verdade, o Estado Defensor sempre representou a pluralidade de interesses e continuará a fazê-lo ainda que incomode mentalidades antipluralistas – incompatíveis com um estado que se autoproclame democrático.

Mas, afinal, ser expressão e instrumento do regime democrático significaria o quê?

Ser expressão do regime democrático é, antes de tudo, ser agente plural, promover o pluralismo de vozes na seara social, política e jurídica. Ser instrumento do regime democrático é não silenciar grupos carentes de representação democrática. É, ao contrário, falar por tais grupos e/ou emancipá-los para que falem por si.

Enquanto não se descobre todo potencial e riqueza do que significaria ser “expressão e instrumento do regime democrático”, destacam-se em breves apresentações três representações defensoriais, três alegorias, que podem interessar a quem dialoga sobre a missão constitucional do Estado Defensor: amicus communitas, custös plebis e custös vulnerabilis.

A expressão amicus communitas (vide o texto aqui) foi cunhada pelo jusfilósofo e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (FD/UFAM), Daniel Gerhard. O tema foi ainda publicado em textos em parceria com Edilson Santana (DPU) e Maurilio Maia (DPE/AM) em 2015 (aqui). O conceito de comunidade surge aqui com perspectiva sociopolítica e filosófica. Assim, falar-se em “amigo da comunidade” é uma clara opção político-jurídica: a Defensoria Pública não veio para ser (só) amiga da Corte (amicus curiae). A vocação defensorial é de “amiga das comunidades”, em uma visão de proximidade e representação de interesses. A ideia é reavivar o conceito de comunidade e seu pluralismo democrático no âmbito da sociedade, sendo a missão defensorial de reforço do referido pluralismo de ideias e de efetivação da democracia inclusiva, judicialmente ou não.

Por outro lado, o termo “Amicus” ou “custös plebis” foi expressão feliz de Camilo Zufelato (USP) a fim de designar o Estado Defensor por ocasião de suas intervenções judiciais – enquanto terceiro interveniente. Aqui, entretanto, a utilização da expressão ganha contornos eminentemente políticos e a analogia com a figura do Tribuno da Plebe é necessária.

O Tribuno da plebe era magistrado romano – magistrado não judicante, mas com poder de veto –, que era expressão da república romana, via de expressão político-jurídica para uma categoria social até então esquecida e marginalizada pelo poder: a plebe – para maiores detalhes clique aqui. A comparação com a plebe romana não é despropositada: essa categoria é análoga à extensão do universo de excluídos da política, do contexto jurídico-processual e social brasileiro. Assim, tratar a Defensoria Pública enquanto amicus ou custös plebis é antes de tudo reconhecer que certas categorias sociais ainda carecem de voz audível no cenário político-jurídico. Dessa forma, o custös ou amicus plebis representará interesses dos excluídos e fim de incluí-los no debate democrático.

Por fim, eis a figura do amicus ou custös vulnerabilis – clique aqui. Ou seja, a atuação da Defensoria Pública enquanto protetora dos vulneráveis e seus direitos. A especial vocação da Defensoria Pública para a tutela dos vulneráveis – como registrou o defensor público Arlindo Gonçalves dos Santos Neto (ver aqui): “A Defensoria Pública é a instituição mais vocacionada a concretizar (ou, ao menos, impulsionar) direitos dos vulneráveis” –, foi prevista expressamente na Lei Complementar n. 80/1994, com redação pela LC 132/2009 (art. 4º, XI).

Com efeito, necessitados e vulneráveis, sinônimos ou não, são conceitos próximos. Fato insofismável, é que a Defensoria Pública vem atuando em proteção de segmentos socialmente vulneráveis, enquanto grupos necessitados de especial proteção jurídica por parte do Estado – eis aí a figura dos necessitados jurídicos.

Nessa senda, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) possui interessante precedente relacionando o Estado Defensor e a tutela dos vulneráveis, datado de agosto de 2014: “(…) Em se tratando de ação que envolve interesses coletivos, a mera constatação da vulnerabilidade daquele grupo já autoriza a intervenção da Defensoria Pública (…)”. (TJ-MG, AI: 10024132933474001 MG, Rel. Armando Freire, j. 26/08/2014, Câmaras Cíveis / 1ª Câmara Cível, p. 3/9/2014). Com isso, percebe-se que o vínculo vulnerável-Defensoria já vem transpassando a esfera doutrinária e institucional, a fim de resvalar na jurisprudência.

Em 26/8/2015, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) também editou julgado paradigmático sobre o tema: “(…) 7. A Defensoria Pública tem autonomia funcional, administrativa e financeira e possui legitimidade na atuação do presente caso para resguardar o Estado Democrático de Direito, ao proteger os necessitados economicamente, bem como os vulneráveis e hipossuficientes sob a ótica organizacional. (…)”. (TJ-RS, Agravo de Instrumento nº 70065077406, 1ª Câmara Cível, Rel. Sergio Luiz Grassi Beck, J. 26/8/2015). Assim, percebe-se a diária consolidação da missão democrática do Estado Defensor e o acolhimento de carente organizacional para legitimar o atuar defensorial.

Por fim, cita-se que todas essas atribuições mencionadas se enquadram ainda na figura do “Defensor Hermes” – expressão cunhada também pelo Jusfilósofo Daniel Gerhard (ler aqui). A Defensoria “de Hermes” é aquela em que o defensor público viaja entre mundos aparentemente distantes a fim de conduzir (e defender) a mensagem dos necessitados, vulneráveis, da plebe, das comunidades e da sociedade. Nessa senda, relembra-se Marcelo Semer, para quem “os defensores têm natureza anfíbia, para conjugar o pé no barro com a linguagem da toga”. Então é isso: Um Hermes anfíbio e ainda com asas para transitar entre os “mundos” conduzindo mensagens democráticas – incomode a quem incomodar. É algo assim ser expressão e instrumento do regime democrático.

É preciso convir que a adoção do conceito amplo de “necessitado” adotado pelo STF na ADI n. 3943 – em especial para a tutela coletiva, tema ali julgado (saiba mais aqui) –, está de acordo com o pluralismo decorrente do regime democrático e só tem a reforçar a democracia. Em maio de 2014, aliás, o TJ-RS apontara para o mesmo caminho: “(…) A fim de se garantir o amplo acesso à Justiça, deve-se interpretar o artigo 134 da Constituição Federal de forma a alargar o conceito de “necessitado“, para abranger não apenas o hipossuficiente no aspecto econômico, mas também sob o prisma organizacional (hipossuficiência social). (…)”. (TJ-RS, Agravo de Instrumento nº 70057478273, 10ª Câmara Cível, Rel. Jorge Alberto Schreiner Pestana, J. 29/5/2014).

Longe de esgotar a missão constitucional do Estado Defensor enquanto “expressão e instrumento do regime democrático”, a tutela dos vulneráveis, da plebe e da comunidade, são apenas algumas de múltiplas manifestações democráticas cabíveis em tão calorosa, grandiosa e relevante missão.

Assim, Amicus Communitas, Custös Plebis et Vulnerabilis são representações e alegorias da missão constitucional da Defensoria Pública meramente exemplificativas, as quais não devem ser, de modo algum, vistas como se fossem as únicas formas de manifestação do atuar defensorial.

Pois bem, é preciso ser realista: nem de longe foi esgotada aqui a missão constitucional equivalente a ser instrumento e expressão do regime democrático. O desafio do jurista, principalmente do defensor público, é descobrir – a cada dia –, a democracia na tutela de novos interesses, direitos e de (novos ou não) sujeitos coletivos ou individuais, sempre respeitando o espaço de atribuições das demais carreiras jurídicas e trabalhando, na medida do possível, em integração institucional quando se tratar de atribuições concorrentes, tudo com a finalidade de reforçar a cultura democrática e o Estado Democrático de Direito.

Notas e Referências:

[1] CRFB/88, Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação pela EC n. 80/2014).

Imagem Ilustrativa do Post: Manifestação// Foto de: Senado Federal // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/16837356331 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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