

Dirceu e palocci: entre o uso político e a política de uso da prisão preventiva
O artigo aborda a utilização da prisão preventiva como mecanismo de pressão na Operação Lava-Jato, destacando sua função distorcida que visa induzir delações em detrimento das garantias processuais. A autora analisa o papel do Judiciário e do Ministério Público na espetacularização desse processo, evidenciando o cerceamento da liberdade e as implicações políticas dessa prática. A discussão inclui exemplos dos casos de José Dirceu e Antônio Palocci, questionando a credibilidade do sistema judiciário e os limites da atuação estatal frente à liberdade individual.
Artigo no Empório do Direito
Por Soraia da Rosa Mendes – 10/05/2017
Que o instrumento da prisão preventiva tem sido largamente utilizado como mecanismo de pressão para a obtenção de delações no âmbito da Operação Lava-Jato, isso é claro. Os jornais estampam em manchetes tanto as prisões, como as libertações após as colaborações (normalmente seletivamente divulgadas). E os autos comprovam o quase imediato “desaparecimento” dos fundamentos de decretação da cautelar assim que fechados os acordos.
De fato, em uma clara desnaturação de seu objetivo, o cerceamento cautelar tem sido a peça chave de um processo midiatizado tanto pelo Ministério Público, quanto pelo Judiciário, que inclui vídeos em redes sociais, notas públicas, entrevistas coletivas e, até mesmo, agora, ofícios ao Supremo Tribunal Federal amplamente divulgados via imprensa[1].
É preciso que se entenda que, excluída a função de conservação das provas, o prolongamento da detenção não tem outro efeito (para não dizer outro escopo) que o de colocar o imputado numa condição de submissão, de colocar obstáculos a sua defesa, de induzi-lo eventualmente à confissão[2].
Contudo, longe de um garantismo tachado de exacerbado por muitos e muitas, para o juiz da 13a. Vara Federal de Curitiba “se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”.[3] Distante, portanto, dos direitos e garantias fundamentais que cabe(ria) ao magistrado preservar nos marcos de um processo acusatório, em cumprimento da digníssima e fundamental tarefa que um sistema de direito democrático lhe reserva, o que transparece em cada manifestação na imprensa (e nos autos) é a de que a prisão preventiva é a espada com que se fará justiça neste país.
Em uma análise da faceta inquisitória do processo que corre em Curitiba, o que até aqui se tem visto é o cerceamento da liberdade para “arrancar uma confissão do réu”[4] mostrando “não estar morta a semente daqueles que secretamente lamentam a abolição da tortura; já que a masmorra (…) não é outra coisa que uma tortura disfarçada”.[5] Por outro lado, em uma análise do processo espetacularizado que dia-a-dia alimenta a mídia, o que se tem presenciado é o uso político da prisão como elemento de mobilização da opinião pública[6] contra inimigos e para criar salvadores.
Sem embargo, se são essas as nuvens escuras que encobrem Curitiba, em Brasília o sol precisaria se fazer presente.
Como todos e todas sabem, no último dia dois de maio, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 137.728) para revogar a prisão preventiva do ex-ministro do governo Lula, José Dirceu.
Condenado pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba no âmbito da Operação Lava-Jato, entretanto com recursos pendentes junto ao Tribunal Regional Federal da 4a. Região, Dirceu recorreu ao Supremo afirmando, em síntese, que não subsistiriam as razões que fundamentaram a custódia cautelar, e que sua manutenção resultaria em execução antecipada da pena após condenação em primeira instância.
Na ocasião o relator, ministro Edson Fachin, votou pelo indeferimento do habeas corpus. Ao lado do decano, ficou vencido. Votaram pela concessão do HC os ministros Dias Tóffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Também como é de conhecimento público, no dia seguinte ao julgamento do HC de Dirceu o ministro Fachin indeferiu pedido de liminar formulado pela defesa do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, no Habeas Corpus n. 143.333. Segundo o relator da Lava-Jato, em exame preliminar, não haveria ilegalidade evidente que justificasse a revogação da prisão preventiva decretada pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Nada nesta decisão do relator surpreenderia, dado seu posicionamento no dia anterior, não fosse o fato de que, em duas linhas do despacho de indeferimento liminar, ter decidido submeter o julgamento de mérito do HC de Palocci ao Plenário, nos termos do artigo 21 do Regimento Interno do STF.[7]
É bem verdade que para muitos e muitas a decisão de deslocar o julgamento do HC de Palocci para o Pleno é nada mais do que um movimento possível dentro do jogo procedimental. Afinal para alguns e algumas basta que a possibilidade esteja prevista em lei, neste caso no regimento.
Contudo, com o máximo respeito que a Corte merece, se essa decisão não está imbuída do ideário “moreano” de uso político da prisão preventiva em sua cruzada moralizadora do Brasil, está a refletir uma política de uso deste mesmo instrumento que abala fortemente a credibilidade do Supremo como guardião de garantias constitucionais.
Vencer ou restar vencido é da dinâmica do colegiado. E reconhecer essa dinâmica é da essência da democracia fundada também na confiabilidade de que os mecanismos decisórios das Cortes não são opções a serem utilizadas quando o vencido percebe neles a possibilidade de se tornar vencedor.
Uso político ou política de uso, tudo o que temos assistido é muito grave. Não se faz uma república com salvadores, tampouco com vencedores a qualquer custo. Menos ainda quando o custo é a liberdade de quem quer que seja.
Notas e Referências:
[1] Veja em: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/moro-pede-para-fachin-manter-prisao-preventiva-de-palocci.ghtml.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2006. p. 513.
[3] Despacho disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2017/05/moro-asfixia-Evento-10-DESPADEC1.pdf.
[4] Ferrajoli, ibidem.
[5] Ferrajoli, ibidem.
[6] MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/artigo-moro-mani-pulite.pdf.
[7] Veja em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC143333despacho.pdf .
. Soraia da Rosa Mendes é professora e advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB e pós-doutoranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. .
Imagem Ilustrativa do Post: Bars, Alcatraz // Foto de: Brendan Riley // Sem alterações
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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.
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