Artigos Empório do Direito – A interposição de recurso ordinário constitucional e a capacidade postulatória

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A interposição de recurso ordinário constitucional e a capacidade postulatória

O artigo aborda a questão da capacidade postulatória na interposição de recurso ordinário constitucional em Habeas Corpus, destacando que, segundo a 5ª Turma do STJ, apenas advogados com procuração nos autos podem fazer essa interposição. O texto critica a aplicação da Súmula 115 do STJ e discute a importância da garantia constitucional do Habeas Corpus, ressaltando decisões do STF que admitem a capacidade postulatória do próprio acusado nesse contexto.

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Segundo decidiu a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, “embora seja possível que qualquer indivíduo impetre Habeas Corpus em seu próprio favor ou no de outra pessoa, a regra não se estende à interposição do respectivo recurso ordinário.”

Para a Turma, o Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus deve ser interposto por advogado com procuração nos autos. Caso contrário, “deve ser aplicada, por analogia (sic), a Súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca reforçou que a procuração é um requisito formal, que deve acompanhar a petição do recurso. Seguindo o voto do relator, a Turma considerou o recurso inadmissível.”[1]

Errou o Superior Tribunal de Justiça ao aplicar a analogia in malan partem em Processo Penal. É bem verdade que a lei processual penal admite, na sua interpretação, a aplicação analógica, conforme se extrai dos termos do art. 3º. do Código de Processo Penal. Por outro lado, também é certo que o Enunciado 115 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos“

Nada obstante, inaceitável a utilização deste Enunciado em sede de Recurso Ordinário Constitucional contra decisão que denegou uma ordem de Habeas Corpus, tendo em vista a natureza da ação penal referida, sobretudo uma garantia constitucional.

É sabido que o recurso à analogia é sempre legítimo quando “estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é um tudo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos”, na lição de Miguel Reale.[2]

É de Tércio Sampaio Ferraz Jr. este outro ensinamento: “Via de regra, fala-se em analogia quando uma norma, estabelecida com e para uma determinada facti species, é aplicável a uma conduta para a qual não há norma, havendo entre ambos os supostos fáticos uma semelhança.”[3]

A propósito, é de Paulo Queiroz o seguinte texto:

“É comum dar-se à analogia, no direito e fora dele, tratamento secundário, por se pressupor, em geral, que o meio mais apropriado para a interpretação/aplicação do direito é a subsunção, em nome da segurança jurídica principalmente. Afirma-se assim que a analogia só é admitida no direito penal quando for para beneficiar o réu (in bonam partem), jamais para prejudicá-lo (in malam partem); distingue-se ainda analogia de interpretação analógica, que seriam institutos distintos.Ocorre, no entanto, que, se, conforme vimos, um conceito surge da postulação de identidade de coisas não idênticas, força é convir que a analogia não constitui um elemento acidental, mas essencial ao conhecimento, porque os juízos sobre o belo, o justo ou o legal são construídos em verdade a partir de comparações, de analogias, isto é, recorrendo-se, conscientemente ou não, a experiências (sempre novas) de beleza, de justiça e de legalidade, uma vez que algo é belo, justo ou legal em relação (comparação) a alguma outra coisa. Nossos juízos de valor são juízos analógicos.Significa dizer que a analogia está assim subjacente a nossos juízos éticos, estéticos, jurídicos etc., ainda quando dele não nos apercebemos, de modo que, quando afirmamos, por exemplo, que algo ou alguém é bom ou ruim, partimos sempre de nossas referências/experiências (permanentemente em mutação) sobre tais assuntos; e se eventualmente somos questionados ou contestados sobre o juízo que expressamos a esse respeito, não raro dizemos que “não tem comparação”, “é incomparável”, “não há nada igual” etc.Exatamente por isso, isto é, formamos nossos juízos a partir de experiências analógicas, é que, com frequência, o que antes julgávamos belo ou justo julgamos agora feio ou ultrapassado ou injusto e vice-versa. É que mudam nossos objetos de comparação, mudam as nossas experiências, mudam os nossos juízos sobre as coisas, mudamos enfim nós mesmos. Naturalmente que isso não significa que coisas antigas se tornem necessariamente piores ou desinteressantes com o passar do tempo, embora possam se tornar ultrapassadas (v.g., arquitetura, veículos etc).Mas a analogia é essencial ao conhecimento, jurídico em especial, por um outro motivo: ao recorrerem, na fundamentação de suas decisões, a precedentes judiciais ou doutrina, juizes e tribunais, a pretexto de fazerem subsunção, se valem em realidade de analogia, pois as situações em comparação nunca são idênticas, mas mais ou menos semelhantes. Dito de outro modo: os precedentes e situações a que se referem nunca são absolutamente iguais nem absolutamente desiguais, e sim, mais ou menos análogos; e quando as semelhanças prevalecem sobre as dessemelhanças – e isso requer um juízo de valor sempre questionável -, damos-lhe tratamento unitário; caso contrário, damos-lhe solução diversa. Exemplo: o fato de alguém se assenhorear de coisa alheia se assemelha ao furto, à apropriação indébita, ao estelionato etc.; se julgamos que, comparado a outros tantos casos similares, o mais adequado é considerá-lo como uma forma de furto é porque as suas características o aproximam mais deste do que dos outros tipos legais de crime. (…) Mas não só juízes e tribunais recorrem, explícita ou implicitamente, à analogia. Com efeito, também o legislador dela se vale, porque a feitura de uma lei é um processo de equiparação entre a ideia de direito e as possíveis futuras situações da vida, sendo que a determinação do direito é um processo de equiparação entre a norma legal e a situação de fato real. Por fim, não faz sentido falar de interpretação analógica, por se tratar de mais um caso de analogia.”[4]

Trata-se de método interpretativo de aplicação inaceitável em Processo Penal, quando in partem peiorem(“contra o réu”, em relação ao qual, aliás, presume-se a inocência). Em Direito Processual Penal só se aplica a analogia para beneficiar o réu, nunca o contrário!

Também errou a Corte Superior, pois não atentou para um precedente do Supremo Tribunal Federal que se aplicaria ao caso perfeitamente.

Com efeito, por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu que o recurso de Agravo Regimental contra decisão que rejeitou Habeas Corpus pode ser interposto pelo próprio acusado, sem a necessidade de ser representado por advogado. A questão foi no julgamento do Habeas Corpus nº. 123837. Neste recurso, o paciente questionou exatamente decisão do Superior Tribunal de Justiça que não reconheceu sua capacidade postulatória para apresentar recurso. Segundo o relator da matéria, Ministro Dias Toffoli, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em não admitir a interposição de Agravo Regimental em sede de Habeas Corpus, pelo condenado que não detém capacidade postulatória, está em desacordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que, em sede de habeas corpus, o fato de a parte não possuir capacidade postulatória não impede o conhecimento do agravo regimental”, citando como precedentes os Habeas Corpus nºs. 102836, 84716 e 73455.

O Ministro Dias Toffoli considerou que “se o condenado pode o mais, que é propor o Habeas Corpus, então pode pedir ao colegiado a analise o agravo”. Ao participar do julgamento, o Ministro Luiz Fux observou que a capacidade postulatória existe em favor do autor do pedido, a fim de que ele não se prejudique, “mas no caso ele teve aptidão sozinho de postular o recurso”. A decisão da Turma foi unânime.

Ora, mutatis mutandis, se não é necessário para o recurso de Agravo Regimental, por que seria para o Ordinário Constitucional, se ambos são recursos, meios processuais de impugnação de uma decisão?

De toda maneira, a decisão do Superior Tribunal de Justiça fez tabula rasa da garantia constitucional do Habeas Corpus. Como se sabe, o habeas corpus deve ser necessariamente conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, pois se visa à tutela da liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”[5]

Para Celso Ribeiro Bastos “o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”[6]

Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.

Por fim, registro o e-mail enviado a mim pelo Professor peruano Luis Alberto Pacheco Mandujano[7], ao tomar conhecimento da decisão do Supremo Tribunal Federal que admitiu o Agravo Regimental contra decisão que rejeitou Habeas Corpus.

“Querido maestro, buenas tardes e muchas gracias por el envío de este interesante artículo que da cuenta de una toma de decisión que implica el avance en la protección de los derechos fundamentales más sagrados de la persona humana y que desecha la aplicación de formalismos torpes, como el de la exigencia de la firma de un abogado a la hora de presentar un Recurso de Agravio. En el Perú, la legislación para el caso del hábeas corpus indica que no se necesita de la firma de un abogado para ningún acto procesal en este proceso de garantía constitucional. Es decir, ni la demanda necesita de la firma de un abogado. Es por esa razón que los procesos de hábeas corpus son bastante céleres en mi país, incluso hasta para llegar al Tribunal Constitucional, desde la primera instancia. (…) Lástima enorme me produce recibir esta noticia que, leyéndola como viene, me hace pensar que las semejanzas entre nuestros países, en América Latina, no sólo se da en función de la cultura y la historia, sino hasta en la forma tan común de hacer corrupción y violar los derechos humanos. ¿Hasta cuándo soportará esto América Latina? Sigamos coordinando. En mí cuentas con un apasionado estudioso del Derecho. Abrazo fraterno.”

Notas e Referências:

[1] http://www.conjur.com.br/2015-nov-16/recurso-hc-ato-privativo-advogado-exige-procuracao

[2] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed., 1991, p. 292.

[3] Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo: Atlas, 2ª. ed., 1994, p. 300.

[4] http://pauloqueiroz.net/direito-e-analogia/

[5] História e Prática do Habeas Corpus, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1999, p. 39.

[6] Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 312.

[7] Gerente General da Abad Consultores Asociados S.A.C., Lima, Perú: www.abadconsultores.com / www.luispachecomandujano.blogspot.com

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

Imagem Ilustrativa do Post: the unanticipated portal // Foto de: Robert Couse-Baker // Sem alterações

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