Artigos Conjur – Disciplina dos particulares/terceiros na Lei de Improbidade

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Disciplina dos particulares/terceiros na Lei de Improbidade

O artigo aborda a responsabilização de particulares na Lei de Improbidade, destacando as mudanças introduzidas pela Lei nº 14.230/21. Os autores analisam a definição de “particular”, que excluiu aqueles que apenas se beneficiam de atos de improbidade e enfatizam que a responsabilização desses indivíduos depende da demonstração de dolo específico, além da necessidade da prática de ações que induzam ou concorram para o ato ilícito por agentes públicos. A análise revela contradições na legislação e seus impactos na efetividade do combate à improbidade.

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A Lei de Improbidade tem por objetivo a tutela da moralidade no Poder Público, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social (artigo 1º, caput, da Lei nº 8.249/92). Daí porque ela é direcionada aos agentes públicos, assim considerados todos aqueles que exercem, por qualquer espécie de investidura ou título, mandato, cargo, emprego ou função em uma das entidades protegidas pela Lei (artigo 2º, caput). A normatização adotou conceito extremamente amplo. Como já tivemos a oportunidade de apontar, “… não importa como o vínculo é formado: todo aquele que recebe a capacidade de representar as pessoas tuteladas pela Lei pode responder por improbidade” [1].

Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é analisar como se dá a responsabilização de particulares nos termos da Lei de Improbidade e explicar algumas peculiaridades e condicionantes importantes. Mas antes, e embora não se trate de tema diretamente relacionado ao que aqui se busca tratar, cumpre chamar atenção para a confusão gerada pelo texto responsável pela disciplina da figura dos particulares [3].

O artigo 3º da Lei de Improbidade define particular como aquele que induz ou concorre dolosamente para a prática do ato. A Lei nº 14.230/21 excluiu do conceito de particular aquele que apenas se beneficia do ato, que era contemplado pela redação anterior:

Redação original: As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Redação atual: As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.

Essa alteração, a princípio, leva a conclusão de que o terceiro beneficiário, aquele que se se beneficia do ato, mas não concorre ou induz para a sua prática, não mais está sujeito à Lei de Improbidade. Contudo, em outros dispositivos a Lei segue fazendo menção a ele. No inciso VI do artigo 17-C, por exemplo, que trata das balizas que deverão ser observadas pelo juiz para a condenação de terceiros, consta expressamente que não se admite o sancionamento de terceiro por ações ou omissões para as quais não tiver concorrido ou das quais não tiver obtido vantagens patrimoniais indevidas.

Bem, se nos termos da atual redação do artigo 3º aquele que se beneficia do ato não é considerado particular para fins da Lei de Improbidade, qual o sentido de não se autorizar a condenação de terceiro que não obteve vantagem indevida? São disposições completamente conflitantes entre si e que colocam em dúvida o significado da exclusão da expressão “ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”, que constava na redação original do artigo 3º.

Ainda quanto a esse problema da definição de terceiro, o artigo 19 da Lei estabelece ser crime “[…] a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente”. Novamente há menção ao terceiro beneficiário. Aqui, inclusive, nem sequer houve menção ao terceiro colaborador (que induz ou concorre para a prática do ato), que embora seja o único previsto no artigo 3º, não pode ser sujeito passivo do crime de representação caluniosa. Ou seja, o terceiro beneficiário, excluído do âmbito de incidência da improbidade pela Lei nº 14.230/2021 (artigo 3º), pode ser vítima de representação caluniosa, mas os terceiros que induzem ou concorrem para o ato, não. Isso tudo coloca em dúvida a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade dos terceiros que se beneficiam do ato, mas não induzem ou concorrem para a sua prática.

Passando ao largo dessas confusões, que podem inclusive jogar contra a efetividade do sistema brasileiro de combate à improbidade, fato é que terceiros estão sujeitos às sanções da Lei [4]; e, segundo entendemos, somente aqueles que induzem ou concorrem dolosamente para a prática do ato. Aquele que beneficia do ato somente pode compor o polo passivo da ação caso também tenha concorrido ou induzido para a sua prática.

Assim, enxergamos quatro hipóteses de condenação de terceiros: 1) induziu o agente a praticar o ato, mas não obteve vantagem econômica indevida; 2) induziu o agente a praticar o ato e recebeu vantagem econômica indevida; 3) concorreu para a prática do ato, mas não obteve vantagem econômica indevida; 4) concorreu para a prática do ato e recebeu vantagem econômica indevida [5]. Induzir ou concorrer são ações obrigatórias; o recebimento de benefício, um elemento secundário e desnecessário.

Um segundo requisito a ser satisfeito diz respeito ao dolo. Assim como se exige dolo do agente, se exige dolo do terceiro. E lembremos que o dolo, na Lei de Improbidade, é dolo específico. Nos termos dos §§1º e 2º do artigo 11 da Lei, exige-se que a conduta seja praticada com a finalidade específica de se obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

Isto é, para a sujeição às penas da Lei não basta a presença de dolo genérico (vontade de praticar o ato); é preciso que se demonstre que o agente possuía a vontade livre e consciente de violar a probidade administrativa através da prática de ato tipificado nos incisos dos artigos 9º, 10 ou 11 da Lei [6]. E isso vale tanto para o agente quanto para o terceiro.

E, para finalizar, da redação do artigo 3º infere-se que a responsabilização de terceiros pressupõe a existência de um agente público praticando o ato; afinal, definiu-se como terceiro aquele que induz ou concorre para ato praticado por agente público. Sempre é o agente que pratica a improbidade; o terceiro somente auxilia, induzindo ou concorrendo para sua prática [7].

Assim, não se admite o ajuizamento de ação de improbidade exclusivamente contra terceiro; e, consequentemente, caso o agente seja absolvido, ou o processo seja extinto por qualquer motivo que for, as consequências da absolvição/extinção se estendem ao particular. Em resumo, não há o que se falar em penalização exclusiva de terceiros pela prática de ato de improbidade administrativa. Isso não quer dizer, é claro, que o terceiro que atua sozinho está imune a qualquer espécie de penalização. Ele ainda pode ter contra ele ajuizada ação civil pública com vista à recomposição do erário, por exemplo. Ele somente não está sujeito às cominações específicas da Lei de Improbidade.

Por todo o exposto, alcançamos as seguintes conclusões:

1) somente está sujeito às disposições da Lei de Improbidade o terceiro colaborador (induz ou concorre para a prática do ato, dele se beneficiando ou não). O terceiro que somente se beneficia do ato, antes contemplado pela redação do artigo 3º, foi excluído da incidência da Lei de Improbidade pela Lei nº 14.1230/21;

2) a responsabilização de particulares segue o regime aplicável aos agentes públicos e depende da demonstração de dolo específico. É preciso que ele tenha induzido ou concorrido para a prática do ato e com a finalidade específica de se obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (dolo específico nos termos dos §§1º e 2º do artigo 11);

3) a responsabilização de particulares depende da responsabilização do agente público, não havendo o que se falar em sancionamento exclusivo de terceiro nos termos da Lei de Improbidade.

[1] GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 55.

[2] Por particular, entenda-se todo aquele que não se enquadra no conceito de agente público trazido pela Lei.

[3] Para uma visão mais profunda sobre esse assunto, com a menção a outros problemas de técnica legislativa presentes na Lei, ver GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 03-07.

[4] Claro, às sanções compatíveis com a sua natureza. Não há o que se falar, por exemplo, na condenação de particular à sanção de perda da função pública.

[5] GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 57.

[6] Inclusive, a nosso ver, essa exigência de dolo específico retroage e atinge os processos ainda em curso. Nesse sentido: https://www.conjur.com.br/2023-abr-13/opiniao-retroatividade-dolo-especifico-lei-improbidade

[7] Nesse mesmo sentido já decidiu o STJ no REsp nº 1.405.748/RJ.

Referências

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