Artigos Empório do Direito – Jogadores do bom combate (parte i)

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Jogadores do bom combate (parte i)

O artigo aborda a experiência do autor, Gabriel Bulhões, durante sua primeira audiência de instrução e julgamento relacionada a um caso de tráfico de drogas com múltiplos réus. O relato destaca os desafios enfrentados na defesa de seu cliente diante de um processo com falhas, como a falta de escolta para um dos réus e a predominância de depoimentos de policiais, levantando questões sobre a imparcialidade e a integridade das provas. Além disso, o texto aponta a necessidade de testemunhas independentes para garantir a legitimidade da ação policial.

Artigo no Empório do Direito

Por Gabriel Bulhões – 24/09/2016

Dando continuidade aos relatos que aqui me incumbem, pensei em relatar algum dos primeiros episódios marcantes que participei, e aqui me refiro ao “combate” corpo a corpo aos tão indesejáveis, mas por vezes indesviáveis acirramentos de ânimos que ocorrem em audiências ou outros atos decorrentes do exercício do múnus do advogado criminal.

Nada melhor, pois, após muito refletir, que relatar minha primeira audiência. Trata-se de uma Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ) em quê estava sendo apreciado um caso de tráfico de drogas, com múltiplos réus (três), sendo que um dos réus tinha sido transferido para outra comarca (justamente o que tinha sido encontrado com a droga apreendida).

Tratava-se de quantidade significativa de um entorpecente com alto poder degradante (mais de 5 Kg de crack), que foi encontrada em poder desse terceiro réu, que tinha sido transferido – não antes de prestar depoimento perante a autoridade policial, detalhando com riqueza seu planejamento e conduta criminosa, isentando os outros dois acusados de tudo, afirmando que ambos estavam por acaso ali e que nunca havia visto nem falado com nenhum deles.

Para ilustrar a dinâmica dos fatos, o terceiro réu estava estacionado em um veículo tipo “caminhonete” com um isopor na caçamba que continha todo o material ilícito apreendido. O veículo que meu cliente estava – de carona, pois o motorista é o segundo acusado – estava a uma distância média de 20 metros, estacionado para verificar a situação do pneu que estava secando, pois o pneu do carro do motorista (2º acusado) desde o início do dia já havia “baixado” duas vezes.

A Delegacia Especializada em Narcóticos havia recebido um “informe” (anônimo e sem registro formal/oficial algum, para variar: o que ofende frontalmente a ampla defesa, tema que será abordado em outro momento, mais oportuno) e havia deslocado duas equipes de policiais para o local (que supostamente seria a entrega da droga, segundo a denúncia).

À paisana, restaram as duas equipes policiais distribuídas dos dois lados da rua (frise-se: das mais movimentadas da cidade, ao lado da maior igreja evangélica do estado). Ao identificarem o veículo suspeito, abordaram-no e… bingo! Enquadraram como compradores da droga os ocupantes do automóvel mais próximo!

Feita essa breve digressão, voltamos ao nosso momento, na AIJ. Sob o protesto dessa defesa, após constatar a ausência de escolta para trazer o terceiro acusado, o Juiz decidiu pelo desmembramento processual. Não preciso dizer que houve forte resistência, com protesto e consignação em ata da situação.

Não é desnecessário lembrar que em caso de desmembramento do processo de corréu, se houver risco da prova ainda não produzida possuir aptidão para influir no julgamento dos outros corréus, haverá prejuízo comprovado para a defesa. Sendo este o presente caso, pois a prova produzida em interrogatório do corréu (notadamente sendo o réu confesso dos crimes imputados) que teve seu processo desmembrado, assume especial relevância.

Não merece acolhida a justificativa de que a causa do desmembramento decorreria da impossibilidade do mesmo comparecer em audiência em virtude da falta de escolta, prejudicando os outros dois réus pela falta de estrutura e responsabilidade do Estado.

Conforme art. 80, CPP, vê-se que as infrações imputadas aos acusados haviam sido cometidas nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar (inciso I), e que não há excessivo número de acusados (inciso II). Contudo, o julgador, em sua sentença, não explicitou o relevante valor do seu convencimento, em consonância com a ausência de prejuízo para os demais acusados.

Como se não bastasse, durante a oitiva dos policiais civis, na AIJ, houve injustificável tolhida nas perguntas desta defesa, a qual pretendia expor a seguinte estratégia: Os policiais civis ouvidos foram uníssonos em poucos pontos, dentre os quais o fato de que a suposta conversa realizada entre o 2º acusado (motorista do veículo que estava meu cliente) e o 1º acusado teria sido extremamente rápida. Portanto, pelo que dos autos constava, um contato rápido não caracteriza a ocorrência de tráfico de drogas.

Seriam feitas as seguintes perguntas: i) “O senhor se considera uma pessoa educada?”; e ii) “O senhor cumprimenta as pessoas ao passar por elas?”.

Ademais, tem-se que uma condenação baseada exclusivamente em depoimentos policiais é por demais temerária. Aqui, não se quer minar a credibilidade das nossas forças policiais; contudo, não considerar que há um interesse intrínseco do agente policial que realizou a diligência que culmina em um flagrante e desemboca em um processo penal em comprovar a legitimidade da sua conduta é agir com inocência (para dizer o mínimo que pode ser).

Beccaria já nos dizia[1] que uma prova imperfeita, como é uma prova testemunhal, por si só, não pode ser apta a afastar a presunção de não-culpabilidade e firmar o robusto convencimento que exige uma condenação criminal. Que dirá uma testemunha interessada, como é o policial (condutor) da ocorrência, em demonstrar que agiu sob o manto da legalidade (mesmo que não o tivesse feito).

Noutro giro, pergunta-se qual a razão da prática das nossas polícias em arrolar única e exclusivamente seus agentes como testemunhas nas ocorrências. O que há de mais comum, Brasil afora, é encontrar imputações que dependem única e exclusivamente de provas testemunhais e… bingo de novo! São todos policiais que participaram das diligências iniciais, no mais das vezes…

Qual a razão, nessa perspectiva, para não ter sido arrolada como testemunha no presente processo qualquer pessoa que por ali passava? A prisão ocorreu pouco antes das 18h, e havia um culto marcado para essa hora. Ninguém ali passava? Ninguém apto a corroborar a versão policial? Ora, se com legitimidade agisse, por que não ter testemunhas (realmente desinteressadas e imparciais) para dar segurança a sua atuação?

Poderíamos continuar aqui com nossas ilações, conjecturas, assim como foi a ratio decidendi desse desfecho processual… Mas eu prefiro guardar um pouco dessa história, que tá saindo um pouco mais longa do que o esperado, para a próxima segunda. Até breve!

Notas e Referências:

[1] §VII (Indícios do Delito e da Forma dos Julgamentos) da sua obra “Dos Delitos e Das Penas”.

. . Gabriel Bulhões é Advogado criminalista militante, atual Presidente da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB/RN, especialista em Ciências Criminais e Professor de Processo Penal. .

Imagem Ilustrativa do Post: Chessmate // Foto de: Capture The Uncapturable // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/capturetheuncapturable/5641264632

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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