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Doutrina deve ter prudência ao definir princípios do Novo CPC

O artigo aborda a necessidade de prudência e rigor na definição dos princípios do Novo Código de Processo Civil (CPC-2015) pela doutrina. Os autores alertam para a “inflação” de princípios sem lastro normativo, que podem desvirtuar a força normativa já existente e resultar em discursos retóricos ao invés de contribuições concretas ao sistema jurídico. Defendem, assim, um olhar crítico sobre novas proposições doutrinárias, enfatizando que a criação de princípios deve ter fundamentação sólida e estar enraizada na prática jurídica da comunidade.

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Em outra oportunidade se pontuou que o papel da doutrina na aplicação do Direito precisava “ser revitalizado, porque é a partir de uma teorização adequada que a ciência do Direito se desenvolve e se renova. E no direito processual a situação é ainda mais delicada, em face da proximidade de um Novo Código de Processo Civil.”[1]

O argumento do aludido texto se preocupava com a necessidade de interlocução entre a doutrina e o direito jurisprudencial.

No entanto, a mesma advertência ganha ainda maior destaque no contexto da interpretação e aplicação do CPC-2015 em decorrência da tendência de uma “inflação” principiológica que a nova legislação se mostra propensa a gerar entre os doutrinadores.

O fenômeno da criação de princípios sem conteúdo normativo vem sendo há muito denunciada por pensadores brasileiros,[2] especialmente em face da força (normativa) que tais normas obtiveram no período posterior à Constituição de 1988.

Em decorrência do sistema jurídico ter se tornado principiológico, o legislador os levou tão à sério ao elaborar o CPC-2015 com a adoção de normas fundamentais em seu bojo.

Com tais premissas, sob a égide da nova lei, “juízes, assim como todos os demais sujeitos do processo, estão sobremaneira vinculados à normatividade. A invocação de um princípio precisa encontrar lastro normativo. Não bastam argumentos lógicos, morais, pragmáticos etc. para se “inferir” um princípio (não é porque determinado argumento faz sentido ou produz bons resultados que isso o credencia a princípio): tais argumentos até podem ser usados pelo legislador para elaborar uma nova norma, mas não pelo juiz ao solucionar um caso.”[3]

Se esta assertiva, acerca dos princípios, se aplica em relação aos sujeitos processuais, a mesma ganha ainda maior destaque em relação à literatura jurídica ou “doutrina”.

Nesse mesmo passo, também não pode a doutrina brasileira começar a inventar princípios que também carecem de lastro normativo. Dworkin (que é um importante autor quando falamos do estudo e das definições contemporâneas sobre o tema) é preciso em afirmar que os princípios são frutos da história institucional de uma dada comunidade, razão pela qual não são inventados por atos criativos individuais, e sim, compreendem um reconhecimento intersubjetivo de uma prática social que espelha uma correção normativa (dizem a respeito do que é correto/lícito e do que é incorreto/ilícito); isto é, princípios estabelecem normas a respeito de direitos que encontram sua base na normatividade constitucional. Perder isso de vista, é correr o risco de desvincular os princípios de sua força normativa e, com isso, desnaturar sua normatividade (para não falar em um discurso banalizador).

Paradoxalmente, ao ler textos acerca do Novo CPC já se começa a perceber a alusão a supostos novos princípios sem que o seu idealizador decline qual seria o âmbito de sua correção normativa ou de vinculação com a história institucional da comunidade jurídica brasileira. A simples existência de novas regras não as habilita a serem aplicadas com a dimensão de normas-princípio.

Ainda que tal doutrina se mostre bem intencionada, é preciso identificar que o uso argumentativo é que estabelece a diferença entre princípios, regras e diretrizes políticas, já que não se mostra plausível a tese de Alexy de uma distinção estrutural (morfológica ou a priori).[4]

Logo, quando a doutrina procura afirmar a existência de “novos princípios processuais” é muito importante assumir um olhar crítico perante tais conclusões.

Dessa feita, os discursos que parecem estruturar o que tal doutrina denominam de “novos princípios processuais” se assemelham muito mais: (1) ora a um projeto (ou um plano de metas coletivas utilitárias), que demanda uma concretização e execução no tempo, razão pela qual muito mais se aproximam das denominadas diretrizes políticas – dado o caráter utilitário e pragmático – do que a princípios; (2) ora a uma regra, que ainda que contenha direitos, seja em razão de sua novidade, ou seja, em razão de sua importância para o sistema processual – ou , até mesmo, simplesmente porque se quer chamar a atenção para ela – a batizam de princípio.

Exatamente no momento em que vivemos, mostra-se crucial não banalizarmos o emprego dos princípios já existentes com criações doutrinárias que em nada se apresentam como normas instituidores de direitos, já que conforme a crítica de Streck, se assim não procedermos, abrimos as portas para alcançarmos exatamente o oposto do que deveríamos pretender; ou seja, ao invés de afirmarmos a força normativa dos princípios processuais já institucionalizados pela prática jurídica e reconhecidos pela comunidade como detentores de uma normatividade, acabamos por colocar em risco sua própria força normativa reduzindo-os a diretrizes políticas ou algo pior – um mero recurso argumentativo retórico.

Nesse último cenário, princípios sem força normativa acabam por se transformar em meros topoi (lugares comuns, para utilizar a terminologia de Viehweg, em uma argumentação tópica) e abrem a prática jurídica para o risco de uma discricionariedade jurisdicional como já se vem denunciando – e que tanto se quer evitar no Novo CPC.

E, aqui, por óbvio não se impede que novos princípios sejam derivados do sistema processual brasileiro, mas, para tanto, faz-se necessário à literatura jurídica indicar seus supostos e suas aplicações deontológicas. Não basta nominar de modo inovador “algo” como princípio pelo simples interesse criativo ou efeito retórico.

Cabe a todos os doutrinadores responsabilidade e reflexão neste momento de transição que, por via de consequência, se transforma num momento muito delicado.

Não é momento de inventar, mas de atuar com fundamentação profunda e criteriosa.

Daí a advertência final: “doutrina processual”, convença-nos de seus “novos” princípios!

[1] NUNES, Dierle; REZENDE, Marcos; ALMEIDA, Helen. Doutrina não tem contribuído como deveria na aplicação do Direito. Revista Conjur. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2014-jul-30/doutrina-nao-contribuido-deveria-aplicacao-direito. O tema é explorado de modo mais denso em: NUNES, Dierle; REZENDE, Marcos; ALMEIDA, Helen. A contribuição da doutrina na (con)formação do direito jurisprudencial: uma provocação essencial. Revista de Processo. São Paulo, n. 232, jun. 2014.

[2] Destaca-se, neste ponto, o argumento de Lenio Streck naquilo que o mesmo convencionou nominar de fenômeno do “pamprincipiologismo”. Cf. STRECK, Lenio. O pamprincipiologismo e a flambagem do Direito. Revista Conjur. Acessível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito

[3] THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. 2a Ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015. p. 62 e 63.

[4] PEDRON, Flávio Quinaud. A proposta de Ronald Dworkin para uma interpretação construtiva do direito. Revista CEJ, v. 13, n. 47, out.-dez. 2009. Disponível em: . Mais detalhes também em: ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica. 2. ed. Cidade do México: Fontamara, 1998; e SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Regras e princípios: por uma distinção normoteorética. In: SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Hermenêutica jurídica e(m) debate. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

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