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Violência de gênero em ambientes digitais: prevenção, combate e respostas da lei

O artigo aborda a crescente violência de gênero em ambientes digitais, destacando suas manifestações, como assédio e divulgação não autorizada de imagens íntimas, e a inadequação do sistema penal frente a essas violações. Os autores, Glauber Guilherme Belarmino e Ana Paula Trento, ressaltam a necessidade de legislação robusta e políticas públicas para proteger as vítimas, além de promover a educação digital e conscientização sobre os direitos das mulheres. A discussão enfatiza que a violência de gênero, embora se manifeste no espaço virtual, está enraizada em estruturas sociais de desigualdade e dominação.

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A violência de gênero não pode ser analisada como meras infrações penais isoladas, pois sua raiz está profundamente nas estruturas sociais de dominação e desigualdade. O sistema penal reflete essa realidade ao lidar de maneira seletiva com crimes que afetam desproporcionalmente as mulheres, muitas vezes minimizando suas denúncias e naturalizando a violência que sofrem.

Como afirma Alice Bianchini, “a violência de gênero é estruturante das relações de poder na sociedade e, no contexto penal, manifesta-se tanto pela vitimização desproporcional das mulheres quanto pela seletividade do sistema penal na persecução desses crimes”. Essa seletividade se traduz tanto na impunidade de agressores quanto na criminalização excessiva de mulheres em contextos de vulnerabilidade. O combate à violência de gênero exige, portanto, não apenas o endurecimento de penas, mas a transformação de uma cultura jurídica e social que ainda tolera e perpetua a desigualdade de gênero.

Os estudos de gênero ganharam destaque a partir das décadas de 1960 e 1970, problematizando os papéis socialmente construídos para mulheres e homens, bem como os valores que moldam comportamentos e expectativas em relação a cada gênero. Essas reflexões foram impulsionadas por diversas contribuições teóricas, entre elas a de Simone de Beauvoir, cuja célebre afirmação “não se nasce mulher, torna-se mulher” evidencia que as diferenças de gênero não são naturais, mas sim construídas e reforçadas por normas culturais, sociais e políticas. Essa perspectiva é referenciada no livro “Crimes Contra as Mulheres”, de Alice Bianchini, Mariana Basso e Sylvia Chakchian, que em sua 5ª edição ressalta a relevância desse conceito para compreender a violência estrutural contra as mulheres.

A violência de gênero no ambiente digital tem crescido exponencialmente com o avanço da tecnologia e a popularização das redes sociais. Mulheres e minorias de gênero são alvos frequentes de crimes como ameaças, assédio, exposição indevida de imagens íntimas e discurso de ódio, impactando suas vidas pessoais e profissionais. O ordenamento jurídico brasileiro tem evoluído para enfrentar essa realidade, estabelecendo mecanismos de prevenção e responsabilização dos agressores.

Este artigo analisa a violência de gênero no contexto digital, as principais formas de prevenção e as respostas legislativas presentes no Código Penal Brasileiro, especialmente à luz de alterações recentes que ampliaram a proteção às vítimas.

A violência de gênero no ambiente digital

A violência de gênero digital compreende condutas ilícitas praticadas no ambiente virtual que afetam desproporcionalmente mulheres e pessoas de identidades de gênero marginalizadas.

As principais manifestações incluem:

Assédio e ameaças online: Comentários, mensagens ou postagens com conteúdo misógino, sexista ou ameaçador.

Divulgação não autorizada de imagens íntimas: Conhecida como “pornografia de vingança” ou revenge porn, ocorre quando imagens ou vídeos íntimos são expostos sem consentimento da vítima.

Doxxing: Divulgação de informações pessoais da vítima para expô-la a riscos, como ataques e perseguições.

Discurso de ódio e misoginia digital: Ataques coordenados com ofensas sexistas e misóginas, buscando silenciar e intimidar vítimas.

O impacto dessas práticas é devastador, resultando em danos emocionais, psicológicos, sociais e econômicos para as vítimas, além de criar um ambiente de medo e exclusão digital.

O ambiente digital, apesar de proporcionar um espaço de visibilidade e voz para as mulheres, também tem sido um campo fértil para a perpetuação da misoginia e da violência de gênero. A internet possibilitou novas formas de controle e silenciamento, seja por meio de ataques coordenados, assédio virtual ou exposição indevida da intimidade feminina. Como destaca Catharine A. MacKinnon, “a internet se tornou um novo espaço de controle sobre o corpo e a voz das mulheres. A misoginia digital é a continuação da opressão histórica que sempre buscou silenciar as mulheres no espaço público”.

Essa análise reforça que as estruturas de dominação de gênero não se dissolvem no ambiente virtual, mas se adaptam e se expandem. A resposta a esse fenômeno não pode se limitar à responsabilização individual dos agressores; é essencial a formulação de políticas públicas eficazes e o fortalecimento da educação digital crítica, garantindo que o espaço virtual seja um ambiente seguro e igualitário para todas as pessoas.

Respostas legislativas no Código Penal

O ordenamento jurídico brasileiro tem avançado para tipificar condutas de violência de gênero no ambiente digital. O Código Penal e legislações complementares foram atualizados para coibir e punir esses crimes.

Crimes Relacionados à Violência de Gênero Digital no Código Penal

a) Divulgação Não Autorizada de Imagens Íntimas — artigo 218-C

O crime de divulgação de cenas de nudez ou de ato sexual sem consentimento foi introduzido pelo artigo 218-C do Código Penal:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Este dispositivo protege a intimidade das vítimas e pune a prática comum em casos de vingança ou extorsão, quando imagens íntimas são usadas como ferramenta de coerção.

b) Stalking e Perseguição Digital — artigo 147-A

A Lei nº 14.132/2021 alterou o Código Penal para criminalizar o stalking, uma forma grave de violência digital e psicológica:

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

Este artigo abrange a perseguição online, incluindo assédio persistente em redes sociais, envio de mensagens abusivas e tentativas de contato indesejado.

c) Ameaça — artigo 147

Ameaças feitas no ambiente digital podem ser enquadradas no artigo 147 do Código Penal:

Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro.

As ameaças em ambiente digital são comuns em casos de violência de gênero, como retaliação por término de relacionamentos ou represálias contra mulheres em espaços públicos da internet.

d) Violência Psicológica Contra a Mulher — artigo 147-B

A Lei nº 14.188/2021 incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, que se aplica tanto a contextos presenciais quanto digitais:

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

Pena: reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

Esse artigo é fundamental no contexto digital, pois muitas mulheres são vítimas de perseguições, humilhações e manipulações psicológicas online, causando impactos severos em sua saúde mental e emocional.

e) Crimes Contra a Honra — artigos 138 a 140 e suas agravantes

Crimes como calúnia, difamação e injúria são amplamente cometidos no ambiente digital e tipificados nos artigos 138 a 140 do Código Penal:

138 (Calúnia): Imputação falsa de crime a alguém.

139 (Difamação): Atribuir fato ofensivo à reputação de alguém.

140 (Injúria): Ofensa à dignidade ou ao decoro.

Com a crescente prática desses crimes nas redes sociais, foi inserida uma agravante específica para os casos cometidos na internet:

Art. 141. As penas cominadas nos artigos anteriores aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.

§ 3º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro.

Essa mudança reflete a gravidade dos ataques virtuais e busca inibir crimes que se disseminam rapidamente na internet, especialmente os direcionados a mulheres.

Medidas de prevenção e proteção às vítimas

Além das respostas penais, medidas de prevenção e apoio às vítimas são essenciais para o combate à violência de gênero digital. Algumas iniciativas incluem:

Medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): Podem ser aplicadas para proteger mulheres em casos de violência digital que envolvam relações de gênero.

Bloqueio e denúncia de agressores em plataformas digitais: Redes sociais oferecem mecanismos para denunciar conteúdos abusivos.

Educação digital e conscientização: Campanhas para ensinar boas práticas de segurança digital e informar sobre direitos.

Apoio psicológico e jurídico às vítimas: Serviços especializados para acolher e orientar mulheres que sofreram violência digital.

A violência de gênero não se limita ao espaço físico; ela se manifesta fortemente no ambiente virtual, especialmente contra mulheres que ocupam espaços de poder. No contexto político, o assédio digital tem sido uma ferramenta de silenciamento e exclusão, visando deslegitimar e enfraquecer a atuação feminina na esfera pública. Como destaca Sylvia Chakchian, “o ataque às mulheres na política é um reflexo da misoginia estrutural que se amplia no ambiente virtual. O objetivo não é apenas silenciá-las, mas também reafirmar que o espaço do poder ainda é predominantemente masculino”. Essa realidade demonstra que, além das barreiras institucionais e culturais, a participação feminina na política enfrenta uma intensa resistência digital, caracterizada por ataques coordenados, ameaças e campanhas de desinformação.

Diante desse cenário, torna-se essencial a implementação de mecanismos de proteção, responsabilização dos agressores e fortalecimento da presença feminina na política como forma de romper com esse ciclo de violência.

Conclusão

A violência de gênero nos ambientes digitais representa um desafio crescente para o sistema de justiça, exigindo uma atuação integrada entre legislação, segurança pública e conscientização social. O Código Penal brasileiro já prevê sanções para diversas condutas criminosas no meio digital, mas é essencial fortalecer as políticas de prevenção e proteção às vítimas. O combate efetivo exige um esforço conjunto entre autoridades, plataformas digitais e a sociedade para garantir que o ambiente virtual seja seguro e inclusivo para todos.

As frases “não se nasce mulher, torna-se mulher” e “internet não é terra sem lei” nunca tiveram tanto significado. A evolução das tecnologias exige uma revolução por parte de homens e mulheres no combate à violência contra a mulher. Afinal, a não violência contra a mulher é um direito humano.

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Referências Bibliográficas

BIANCHINI, Alice. Violência de Gênero e Sistema Penal: Desafios e Perspectivas. São Paulo: Editora Atlas, 2020.

MACKINNON, Catharine A. Butterfly Politics. Harvard University Press, 2018.

CHAKCHIAN, Sylvia. Gênero e política: desafios da participação feminina na esfera pública digital. São Paulo: Editora Jurídica, 2022.

ANGELOU, Maya. I Am a Woman Phenomenally: The Empowerment of Women. New York: Random House, 1995.

BIANCHINI, Alice; BASSO, Mariana; CHAKCHIAN, Sylvia. *Crimes Contra as Mulheres.* 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

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