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Categoria ‘efeito resfriador’ na proteção dos direitos fundamentais

O artigo aborda a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.792, onde o STF decidiu que jornalistas só podem ser responsabilizados civilmente por notícias falsas em casos de dolo ou culpa grave, visando evitar o “efeito resfriador” que inibe o debate público. A análise destaca a importância de proteger a liberdade de expressão e a atividade política legítima, citando precedentes da jurisprudência americana e espanhola que também evitaram restrições excessivas à participação política. Os autores ressaltam que a busca por proteção jurídica não deve sacrificar outros direitos fundamentais, como a informação.

Artigo no Conjur

No julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6.792, proposta pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa) — patrocinada, pro bono, pelos advogados Luís Guilherme Vieira e Cláudio Pereira Neto, respectivamente, sócios titulares de Luís Guilherme Vieira Advogados e Souza Neto e Tartarini Advogados —, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a responsabilização civil de jornalista só poderia ocorrer quando a notícia eventualmente falsa fosse publicada com “dolo” ou “culpa grave”.

Em diversos votos, se explicitou que a decisão da Corte tinha como objetivo evitar que a responsabilização civil de jornalistas produzisse, sobre o debate público, o chamado “efeito resfriador”, motivando-os a adotar conduta excessivamente auto-restritiva.

Trata-se de categoria tradicionalmente utilizada na jurisprudência norte-americana, que alude a um “chilling effect”. Para evitá-lo, a Suprema Corte dos Estados Unidos já pronunciou a inconstitucionalidade da incidência de certos preceitos incriminadores quando está em jogo a participação política e o exercício da liberdade de expressão. Confira-se, por exemplo, o precedente estabelecido em Dombrowski v. Pfister (1965):

A persecução criminal com base em lei que regule o exercício da liberdade de expressão geralmente envolve fatos imponderáveis e contingências que podem inibi-lo. (…). Quando as leis, ademais, possuem um âmbito de incidência abrangente, como aqui alegado, pode ser crítico o risco de prejuízo substancial para o exercício desses preciosos direitos. Nesses casos, as leis se prestam muito facilmente à negação de sua eficácia. A suposição de que a defesa no processo criminal assegurará a proteção desses direitos constitucionais é infundada nesses casos. (…) Pois, “a ameaça de sanções pode dissuadir … quase tão intensamente quanto a aplicação real de sanções.” NAACP v. Button, 371 U.S. 415, 433. Devido à natureza sensível da liberdade de expressão, é inexigível de todos aqueles sujeitos à mencionada regulação expansiva que a arrisquem. A liberdade de expressão — de valor transcendente para toda a sociedade, e não apenas para aqueles que titularizam diretamente o direito — pode sair perdendo. (…) O efeito resfriador sobre o exercício dos direitos da Primeira Emenda pode derivar da própria possibilidade da persecução criminal, sem se considerar as perspectivas concretas de sucesso ou fracasso da resistência à atividade persecutória.

Jurisprudência recente

Na jurisprudência norte-americana recente, encontra-se precedente (McDonnell v. United States, [2016]) relativo a governador de estado que, tendo recebido doações e empréstimos de empresa, havia agendado para ela reuniões com agentes públicos, dirigido manifestações a seu respeito a outros agentes públicos e convidado seus representantes recorrentemente para eventos oficiais.

A Corte entendeu que a adoção de interpretação ampla do conceito de “ato de ofício” (official act) conduziria à expansão “sufocante” da incidência da lei anticorrupção, desencorajando a interação legitima e necessária entre governantes e seus representados. A confirmação da condenação do governador colocaria sob suspeição a atuação dos políticos que, ordinariamente, interagem com os representantes de empresas:

Além de incompatível com o texto legal e os precedentes, a interpretação expansiva do conceito de “ato de ofício” suscita preocupações constitucionais significativas. A Seção 201 proíbe a corrupção quid pro quo — a troca de uma coisa de valor por um “ato de ofício”. Na visão do governo, quase tudo que um funcionário público recebe — de uma contribuição de campanha a um almoço — conta como quid; e quase tudo que um funcionário público faz — desde organizar uma reunião até convidar um convidado para um evento — conta como quo. (…)

Mas funcionários públicos consenciosos marcam reuniões para os representados, entram em contato com outros funcionários em seu favor e os incluem em eventos frequentemente. O pacto básico subjacente ao governo representativo pressupõe que os funcionários públicos ouçam seus eleitores e ajam adequadamente com base em suas preocupações (…).

Aquela posição poderia tornar permanente o receio de potencial persecução criminal sempre que, por exemplo, sindicatos fizessem contribuições para campanhas eleitorais ou proprietários convidassem funcionários para sua festa anual. Os funcionários teriam dúvida até mesmo sobre a possibilidade de responder aos pedidos mais comuns de assistência, e os cidadãos, receosos, tenderiam a evitar participar do processo democrático.

Essa preocupação é substancial. O conselho da Casa Branca que trabalhou em todas as administrações, desde a de Reagan até a de Obama, adverte que a ‘expansão sufocante da lei anticorrupção provavelmente esfriaria as interações dos funcionários federais com as pessoas a que servem e, assim, prejudicaria sua capacidade de efetivamente desempenhar suas funções’ (…).

Como se vê, embora, em tese, a conduta pudesse ser criminalizada, entendeu-se que a criminalização poderia desencorajar também condutas lícitas, ampliando excessivamente a esfera afetada pela prevenção geral produzida pela norma, de modo a atingir também interações lícitas entre políticos e empresários. O que se ganhava em proteção do bem jurídico contemplado pela lei anticorrupção não justificava o que se perdia em representatividade do sistema político e de fluidez da interação entre representantes e representados.

Especialmente relevante é precedente do Tribunal Constitucional Espanhol (Sentencia 136/1999) que considerou inconstitucional preceito que criminalizava a colaboração com grupo armado. Isso por entender que o tipo era excessivamente aberto, o que, na hipótese, podia dar lugar à contenção desproporcional da atividade política legítima, em especial do exercício da liberdade de expressão.

O receio de que a conduta fosse identificada com a hipótese de incidência normativa poderia produzir indesejável efeitos resfriador da participação política válida. Observe-se a seriedade do problema: na Espanha havia a prática de terrorismo, ocorriam com frequência atentados violentos contra a população civil. Para se preservar dentro da seara do estado democrático de direito, a Corte Constitucional espanhola, temendo a ampliação desproporcional do âmbito de incidência do preceito incriminador na prática judiciária, pronunciou a sua inconstitucionalidade:

Nossa decisão deve ser diferente em relação ao julgamento da proporcionalidade em sentido estrito, que é o que compara a gravidade do crime que se deseja impedir — e, em geral, os efeitos benéficos gerados pela norma sob a perspectiva dos valores constitucionais — e a gravidade da pena imposta — e, em geral, os efeitos negativos gerados pela norma sob a perspectiva dos valores constitucionais. A regra que foi aplicada aos recorrentes não guarda, por sua gravidade em si e pelo efeito que produz sobre o exercício das liberdades de expressão e informação, uma relação razoável com o desvalor da conduta sancionada. Este desequilíbrio se mostra manifesto se as quatro circunstâncias a seguir forem consideradas: (…) c) Na relativização da gravidade das condutas sancionadas e nos custos sociais da regra penal, incide o fato de que a mesma se aplica à expressão de ideias e informações por parte dos dirigentes de uma associação política legal no âmbito de uma campanha eleitoral e dirigida a pedir votos aos cidadãos. Reiteramos que a difusão dessas ideias e informações e esse modo de participação na atividade política não constitui um exercício lícito das liberdades de expressão, informação e participação política e, portanto, não estão protegidos por esses direitos constitucionais e, portanto, podem estar sujeitos a sanções penais. No entanto, também apontamos que não há dúvida de que as condutas incriminadas são atividades de expressão de ideias e informações e constituem uma forma de participação política, e que, consequentemente, uma sanção penal desproporcional pode produzir o efeito de desestimular o exercício legal desses direitos. Em suma, mesmo que se admita a legitimidade do recurso à via penal, a pena não pode ser projetada com a dureza que o tipo prevê sobre a universalidade dos componentes do corpo diretivo de uma associação política que, embora se limitando, tenha atuado em uma área em que as formações políticas devem operar com a maior liberdade, sem mais limitações que as estritamente necessárias para preservar a liberdade dos cidadãos. (…) A aplicação de um preceito que prevê uma pena mínima de seis anos e um dia produz um claro efeito dissuasivo do exercício das liberdades de expressão, comunicação e participação na atividade pública, mesmo que a conduta sancionada não constitua exercício ilegítimo das mesmas. d) Por fim, deve-se levar em conta que esse efeito dissuasivo é reforçado em casos como o presente em que a relativa indeterminação do preceito, mesmo que não apresente problemas do ponto de vista da taxatividade, pode criar alguma incerteza sobre se a expressão das ideias, a comunicação de informações ou a participação em determinada atividade pública é lícita ou, pelo contrário, será muito severamente punida. Essa incerteza pode naturalmente inibir o exercício de tais liberdades, necessárias para o funcionamento democrático da sociedade e radicalmente essenciais quando tal exercício diz respeito aos partidos políticos e quando se destina a colher a vontade dos cidadãos.

A mesma preocupação com o “efeito resfriador”, de igual modo, foi decisiva no julgamento da ADI 6.792, pelo STF. Ainda que se pudesse entender que, a princípio, o advento do dano pudesse gerar o dever de indenizar, da possibilidade de responsabilização civil de jornalistas não pode resultar o resfriamento do debate público, que opera contra o direito à informação.

Essa atenção para as consequências sistêmicas da conformação jurisprudencial é de importância decisiva para se evitar que, a pretexto de protegerem bens positivamente valorados pelo Direito, indiretamente sacrifiquem outros, que igualmente merecem amparo.

Referências

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