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Maioridade Penal e o Direito Penal Emergencial e Simbólico

O artigo aborda a análise crítica das propostas de alteração da maioridade penal no Brasil, destacando que essas mudanças, motivadas por crises sociais e pela pressão midiática, resultam em um direito penal emergencial e simbólico. Os autores, Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, argumentam que tal legislação falha em efetivamente proteger bens jurídicos, gerando efeitos mais de ilusão de segurança do que de real eficácia, e propõem que a solução viável seria a ampliação das medidas socioeducativas para infratores jovens, em vez de uma redução da maioridade penal.

Artigo no Migalhas

Maioridade Penal e o Direito Penal Emergencial e Simbólico

Luiz Flávio Gomes* Alice Bianchini**

A alteração da legislação penal em momentos de aguda crise popular – e midiática, tal como a que está ocorrendo neste momento no Brasil, tende a não atender os fins legítimos do Direito penal – de proteção fragmentária e subsidiária de bens jurídicos relevantes. Ao contrário, sempre retrata uma legislação penal simbólica e de emergência.

Conceber a norma e a aplicação do Direito penal sob a égide de uma função puramente simbólica significa inegavelmente atribuir-lhe um papel “pervertido”, porque um Direito penal simbólico relega a eficaz proteção de bens jurídicos em prol de outros fins psicossociais que lhe são alheios. Não visa ao infrator potencial, para dissuadi-lo, senão ao cidadão que cumpre as leis, para tranqüilizá-lo, para acalmar a opinião pública.

Um Direito penal com essas características carece de legitimidade: manipula o medo do delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e determinados infratores. Introduz um exagerado número de disposições excepcionais, sabendo-se do seu inútil ou impossível cumprimento e, a médio prazo, traz descrédito ao próprio ordenamento, minando o poder intimidativo das suas proibições.

Exigir ou supor que esse meio de controle social – o Direito penal – possa cumprir funções para além do que sua atribuição social permite, pode significar a exacerbação do seu papel simbólico, com o grave risco de perda de suas reais possibilidades.

Como corretamente advertem Hassemer e Muñoz Conde, “a explosiva mescla de grandes ‘necessidades de atuação’ social, de fé quase cega na eficácia dos meios jurídico-penais e dos deficits enormes que logo têm esses instrumentos quando se aplicam na realidade, pode fazer surgir o perigo de que o Direito penal viva da ilusão de solucionar realmente seus problemas, o que a curto prazo pode ser gratificante, mas a largo prazo é destrutivo.”¹

Particularmente quando a política assume a forma de espetáculo (a expressão é de Zaffaroni), “as decisões orientam-se não tanto no sentido de modificar a realidade, senão no sentido de modificar a imagem da realidade nos espectadores: não tanto a satisfazer as reais necessidades e a vontade política dos cidadãos senão a seguir a corrente da chamada opinião pública (…). O déficit da tutela real de bens jurídicos é compensado pela criação, no público, de uma ilusão de segurança e de um sentimento de confiança no ordenamento e nas instituições que tem uma base real cada vez mais escassa: com efeito, as normas continuam sendo violadas e a cifra negra das infrações permanece altíssima enquanto as agências de controle penal seguem – iludindo – com tarefas instrumentais de impossível realização.”²

O uso desvirtuado do Direito penal vem se acentuando nos últimos anos. A mídia retrata a violência como um “produto espetacular” e mercadeja sua representação. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso “do” político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultural de massa, gerando, para se falar de efeitos já aparentes, a sua banalização e a da violência.

Para citar exemplo de emprego eleitoreiro do Direito penal recorde-se que o legislador brasileiro, sob os efeitos do “escândalo dos remédios falsos”, não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98 (clique aqui), para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada com pena mímima de dez anos de reclusão.

Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98 (clique aqui), para transformar diversos desses delitos em “hediondos” (o que, desde aquela outra lei, já se almejava, mas que, por defeito de técnica legislativa, não se conseguiu). Em lugar de providências administrativas eficazes, para a prevenção da falsificação, privilegiou-se a edição de uma nova lei penal (considere-se que, na ocasião, estava-se na iminência de eleições presidenciais). Impressiona o fato de a lei ter sido proposta e aprovada em quarenta e oito horas.

Conclusão

Se todos os dados da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo revelam, desde 2001, uma diminuta participação dos menores nos crimes violentos, sabe-se desde logo que a redução da maioridade penal, que estão pretendendo aprovar no Congresso Nacional, não viria a diminuir nossos índices de violência, que são protagonizados pelos agentes maiores de dezoito anos.

Eventual mudança na legislação brasileira, se fosse possível constitucionalmente, no que diz respeito à idade da imputabilidade penal, só teria mesmo o caráter de um Direito penal emergencial e simbólico. Pouca ou nenhuma eficácia prática apresentaria. Daí nosso posicionamento contrário à redução da maioridade penal.

Mais isso não significa que os crimes violentos cometidos pelos menores, com requintes às vezes de crueldade inusitada, sejam regidos inflexivelmente pela atual legislação do ECA. Somos favoráveis a uma ampliação do tempo de permanência desse infrator nos estabelecimentos adequados à sua faixa etária. Alterar os limites do ECA (três anos de internação e vinte e um anos de idade) é a providência legislativa mais sensata neste momento.

Dessa forma, estaria o legislador brasileiro respeitando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sentido de manter a idade da imputabilidade penal em dezoito anos, tendência que se consolida no mundo democrático. Nosso maior problema, como concluiu Gilberto Dimenstein (Folha de S. Paulo de 25.02.07, p. C9), “não é de maioridade penal, mas de menoridade dos adultos”.³

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1 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. La responsabilidad por el producto en Derecho penal, Valença: Tirant lo Blanch, 1995, p. 33.

2 BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y simbólicas del Derecho penal: una discusión en la perspectiva de la Criminología crítica. Pena y Estado, Barcelona: Promociones y Publicaciones Universitarias, n. 1, p. 53, set./dez. 1991.

3 Cf. DIMENSTEIN, Gilberto, que evocou a história pessoal de Expedito Resende, um cearense, Professor de engenharia química da Universidade Federal do Ceará, que descobriu o biodiesel, desenvolveu o “bioquerosene” (novo combustível para avião, extraído do óleo de babaçu), criou a “vaca mecânica” (para produção do leite de soja) etc. e que é filho de José Parente que, com doze anos de idade, deixou sua Sobral, rumo à Fortaleza, para ganhar a vida e ensinar que o gosto pelo conhecimento é a melhor herança que posso deixar“.

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*Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

**Coordenadora Geral dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

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