Artigos Players – Ordem do quesito absolutório quando sustentada subsidiariamente a tese de desclassificação no Tribunal do Júri

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Ordem do quesito absolutório quando sustentada subsidiariamente a tese de desclassificação no Tribunal do Júri

O artigo aborda a ordem de quesitos no Tribunal do Júri, discutindo a importância de garantir que a tese absolutória seja sustentada antes da desclassificação, a fim de respeitar o princípio da plenitude de defesa. O autor, Edivan Pereira Junior, ilustra sua argumentação com um caso prático, destacando os riscos de confusão para jurados leigos e os possíveis prejuízos para o réu quando essa ordem é invertida. A reflexão culmina na defesa de um procedimento que facilite a compreensão e o julgamento justos dentro do contexto das complexidades dos crimes contra a vida.

Absolvição X Desclassificação – Ordem dos quesitos

Pois bem, inegável que o Tribunal do Juri sempre é um tema de grande tecnicismo e paixão, o banco dos réus toma uma conotação diferente quando se trata dos crimes contra a vida.

O tribunal das misérias humanas é de uma enorme expressão social, dogmática e cultural que leva enorme peso no papel da manutenção da democracia, assim, não podemos olvidar a tamanha importância deste procedimento.

É um momento muito marcante, quando o juiz presidente verbaliza: “com a Defesa, a palavra” – nessa hora o coração acelera, a beca toma cor, ganha vida, enaltece, o verdadeiro criminalista desperta em seu amago e a defesa se faz presente, ostentosa, aguerrida, combativa, se põe à frente do acusado e se faz ser vista, ouvida, com o fito de garantir a dignidade do ser humano que está, por sua vez, pregado no banco dos réus.

O rito do júri é de tamanha complexidade e tecnicismo que se faz necessário o aprimoramento diário para cerrar fieiras neste campo de atuação, a ciência criminal está sempre em evolução (as vezes involui) o que obriga a nós, operários do direito, se debruçar sob os princípios constitucionais e sob essa luz estabelecer os contornos da lei.

Sem mais delongas, o que vamos tratar é quanto à respectiva ordem de quesitos no julgamento do tribunal do júri quando sustentada tese absolutória e tese de desclassificação, para lesão corporal por exemplo.

Permitam-me abrir um parêntese e contar um “causu” de tribunal do júri em que atuei, para que depois fique claro a necessidade de se firmar o respectivo entendimento.

No segundo semestre do ano de 2022 tive o prazer de compor a banca de defesa de um simpático senhor chamado Severino, senhor típico do nordeste brasileiro, pele castigada pelo sol, no alto de seus 74 anos, franzino, trabalhador da roça, sem estudo.

Estava sendo acusado de tentativa de homicídio por ter supostamente disparado um tiro de espingarda na barriga da vítima, a vítima era do sexo masculino, no auge de seus 40 anos, forte, com passagens criminais, vulgar e agressivo, onde ameaçou o senhor Severino por mais de 6 meses de modo incessante, dizendo aos 4 ventos e para quem quisesse ouvir que iria mata-lo, tudo pelo fato de que, certo dia, Severino, retirou a “vitima” da porteira de um sitio vizinho por estar importunando uma mulher.

No momento dos debates a acusação se firmou na tese de tentativa de homicídio, no qual, por sua vez, a defesa em sua tese principal sustentou a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de excludente de ilicitude (tive o prazer de realizar essa sustentação) e subsidiariamente a desclassificação para lesão corporal de natureza grave.

Certo, após os debates o promotor não quis ir à réplica, os jurados se disseram aptos a votarem, assim, nos deslocamos para a sala secreta.

Esse foi um momento inesquecível para mim, no qual o juiz presidente realizou a quesitação à sua maneira, mesmo com os requerimentos da defesa, escolheu por quesitar na seguinte ordem: 1º quesito, materialidade; 2º quesito, autoria; 3º quesito desclassificação; 4º quesito absolvição.

Veja, a defesa havia requerido que a absolvição, como foi a tese principal de defesa, deveria ser quesitada antes da tese de desclassificação, como garantira da plenitude de defesa e melhor compreensão dos jurados, no entanto foi negado e seguiu da forma que seguiu.

O 1º (materialidade) e o 2º (autoria) quesitos foram unanimes, uma vez que não houve tese de negativa de autoria, já no 3º quesito, que questionava quanto a desclassificação da tentativa de homicídio para a lesão corporal o conselho de sentença por 4×1 votou para não desclassificar, assim continuaram competentes para julgar os próximos quesitos, logo após seria quesitado a absolvição pelo 4º quesito.

Nesse momento eu já estava sem esperanças, perdido nos pensamentos de que o senhor Severino seria condenado pela tentativa de homicídio, uma vez que os jurados haviam negado a desclassificação, entretanto, foi nesse momento que me surpreendi, anunciado o 4º quesito que questionava se o jurado Absolve o réu, na contagem das cédulas, os 4 primeiros votos foram “SIM”, o que encerra a contagem, e seu Severino havia sido ABSOLVIDO pelo conselho de sentença.

Ou seja, os jurados de modo pensado e refletido, escolheram por sua experiência, negarem a desclassificação, para continuarem competentes à julgar e absolver ao final, veja, que coisa mais bela, levando em consideração que os jurados são leigos, essa foi uma estratégia em tanto, mesmo que o conselho de sentença era composto por pessoas mais “experientes” nessa atuação, não imaginei que isso poderia acontecer, assim, o senhor Severino foi devidamente absolvido e teve sua dignidade devolvida.

História bonita, me emociono em rememorar, entretanto o resultado poderia ter sido outro, se fosse um conselho de sentença menos experiente, teria desclassificado o crime quando na verdade gostariam de absolver, o que de fato, seria um grande prejuízo para a defesa e para o assistido.

Nesse sentido é que estamos a escrever, assim questiono, qual a pertinência em quesitar a desclassificação antes da tese absolutória?

Isso é um total afronta aos princípios constitucionais e ao princípio da plenitude de defesa, não faz sentido essa ordem de quesitos quando sustentado como tese principal a absolvição e tese subsidiária a desclassificação.

Essa ordem apenas vai confundir os jurados e prejudicar o réu, em nosso sentir viola totalmente a plenitude de defesa, uma vez que é evidente que a tese absolutória deve ser quesitada em primeiro lugar.

A reforma de 2008 no que tange ao procedimento do tribunal do júri veio exatamente para facilitar a quesitação, descomplicar, deixar mais clara aos jurados que são pessoas leigas, ora, não faz qualquer sentido dificultar, se foi levantada tese absolutória, esta deve ser quesitada logo após a materialidade e autoria.

O art. 483 do CPP que dispõe quanto a ordem de quesitação no júri e ao observarmos o § 4º: “Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso.” podemos chegar a algumas conclusões….

Evidente que é perfeitamente legal inserir o quesito de desclassificação após o quesito de absolvição, uma vez que o § 4º do art. 483 do CPP permite que seja realizado após o 3º quesito.

Nesse sentido também podemos destacar o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em que a jurisprudência da corte firmou-se no sentido de que estando a defesa assentada em tese principal absolutória (legítima defesa) e tese subsidiária desclassificatória (ausência de animus necandi), e havendo a norma processual permitido a formulação do quesito sobre a desclassificação antes ou depois do quesito genérico da absolvição, a tese principal deve ser questionada antes da tese subsidiária, pena de causar enorme prejuízo para a defesa e evidente violação ao princípio da plenitude da defesa ( REsp n. 1.509.504/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015).

De fato, esse é um tema que deve ser amplamente debatido para sanar e sedimentar a forma de quesitação quando sustentadas as teses de absolvição e desclassificação de maneira subsidiária, pois a inversão desses quesitos causa grande prejuízo ao réu e afronta o princípio da plenitude de defesa.

Em nosso sentir inexiste qualquer margem para interpretação diversa, o quesito absolutório, obrigatoriamente, deve ser quesitado antes do quesito de desclassificação, sob pena de tornar o trabalho dos jurados ainda mais complexo, facilitando com que incorram em erros pela falta de entendimento quanto a quesitação, ora, no caso em apreço, os jurados poderiam sim terem desclassificado o delito quando na verdade gostariam de absolver, a ordem da quesitação sopesou contra a plenitude de defesa do réu, dificultando o trabalho dos jurados, que além de tudo são incomunicáveis e não podem conversar entre si para ajustarem o modo de julgar.

Logo, a quesitação deve ser a mais simples possível, enfatizando que estamos diante de julgadores leigos, que não são obrigado a fazerem malabarismo jurídico para atingirem o seu fim, que no caso era a absolvição.

A melhor forma de proceder é ler os quesitos antes e em caso de alteração da ordem de um modo que prejudique o réu e a plenitude de defesa, é preciso requerer ao juiz presidente que a ordem dos quesitos seja alterada para que a absolvição seja quesitada antes da desclassificação sob pena de violar a plenitude de defesa, entretanto, sabemos que muitas vezes o magistrado ignora o pleito defensivo e segue em suas convicções, basta fazer um requerimento para que conste em ata a negativa, que seja devidamente fundamentada, para que, em caso de resultado desfavorável que adveio da inversão da ordem dos quesitos, interpor recurso cabível evidenciando o prejuízo suportado.

O trabalho da defesa não é só nos julgamentos, nas audiências, em plenário ou tampouco nas petições atrás do notebook, é também, acima de tudo, garantir a efetivação da justiça e pugnar pela correta aplicação da lei, lutar pelos direitos e garantias individuais sem cessar, esse é o verdadeiro papel de um advogado criminalista, como já dizia Carnelutti – sentar-se no último degrau da escada social junto com o seu patrocinado e ser julgado ao lado dele.

No fim da história o advogado acaba por desempenhar muita vezes o papel de custos legis pois também funcionamos como fiscais da lei, é de grande importância o nosso aprimoramento técnico para que possamos realmente desempenhar a plenitude de defesa em favor de nossos assistidos, o que efetiva as garantias estabelecidas no escopo constitucional, a nossa luta é árdua, mas tem sua beleza.

Edivan Pereira Junior; OAB/SP 464.476; Advogado Criminalista e Professor de Processo Penal; Pós-graduado em Tribunal do Juri pelo Curso CEI; Pós-graduado em Criminologia e Direito Penal pela PUC/RS

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