Artigos Migalhas – O interrogatório deve ser realizado somente após a carta precatória cumprida

Artigos Migalhas
Artigos Migalhas || O interrogatório deve ser r…Início / Conteúdos / Artigos / Migalhas
Artigo || Artigos dos experts no Migalhas

O interrogatório deve ser realizado somente após a carta precatória cumprida

O artigo aborda a necessidade de que o interrogatório do réu ocorra somente após a conclusão da expedição da carta precatória, em respeito aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. O autor, David Metzker, argumenta que permitir o interrogatório antes da oitiva das testemunhas compromete a defesa do réu, uma vez que ele deve ter a oportunidade de se manifestar após ouvir as provas que o envolvem. Assim, defende-se que a jurisprudência atual precisa ser revista para preservar esse direito fundamental ao réu.

Artigo no Migalhas

É cediço por todos que a jurisprudência dominante é firme no sentido de que a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal, sendo possível o prosseguimento do feito, inclusive com o interrogatório do réu, ainda que pendente a devolução da carta pelo juízo deprecado1.

A expedição de carta precatória para a inquirição de testemunhas não impede a realização do interrogatório do acusado, pois não há suspensão do trâmite da ação penal. Todavia, ao se fazer uma análise detida do artigo 400 do CPP, bem como do artigo 222 do mesmo códex, verificaremos que esse entendimento majoritário não se coaduna com a regra prevista nos citados artigos e, de igual forma, viola claramente os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Veja-se o motivo.

Não há um julgamento justo sem a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Previsto na nossa Carta Magna, é a base fundamental para o processo.

A consagração da ampla defesa e do contraditório trouxe a necessidade do deslocamento do interrogatório para o final da instrução probatória. Qual o sentido dessa mudança?

Havia a discussão a respeito da natureza jurídica, todavia, tornou-se claro o interrogatório como meio de defesa, sem deixar, por óbvio, que é um meio de prova também, de forma secundária.

Sendo um ato de defesa, é inadmissível que a defesa venha a se pronunciar antes das provas que o acusam ou possam servir à acusação. A ampla defesa, por ser uma garantia constitucional, tem por objetivo garantir que o réu venha falar por último, se defendendo de qualquer carga acusatória.

Não parece crível que uma testemunha, mesmo sendo ouvida por carta precatória, possa falar após o interrogatório. Essa testemunha, independente da forma como foi ouvida, trazendo em seu depoimento fatos que possam ser utilizados pela acusação, ou que possam ser utilizados pela defesa, ficará sem o devido contraditório realizado pelo réu, pois este já se manifestou.

Na previsão do artigo 400 do CPP, fica evidenciado que o acusado em nenhum momento poderá ser ouvido antes das testemunhas. O artigo é claro ao trazer que, após as testemunhas de acusação e defesa, questionamentos aos peritos, acareações e reconhecimento, ocorrerá, em seguida, o interrogatório.

Ainda no artigo 400, verifica-se que dentro do seu bojo é feita uma ressalva, remetendo ao artigo 222 do CPP, onde traz a regra atinente à carta precatória, e, em seu parágrafo primeiro ainda prediz que a carta precatória não suspenderá a instrução probatória.

Antes de aplicar indistintamente a regra insculpida no parágrafo primeiro do artigo 222 do CPP, precisa ser feita a análise dita alhures.

O artigo 400 do CPP prevê a regra da oitiva das testemunhas arroladas pela acusação antes das testemunhas arroladas pela defesa. Essa sequência somente pode ser alterada se houver concordância de ambas as partes, ou, de acordo com o próprio artigo, quando ocorrer oitiva de testemunha por carta precatória.

Essa é a norma que o artigo 400 do CPP traz. A inversão da oitiva de testemunhas de acusação e defesa não configura nulidade quando a inquirição é feita por meio de carta precatória, cuja expedição não suspende a instrução criminal, a teor do que dispõe o art. 222 do CPP2.

Não há dúvidas quanto à isso. Mas a ressalva feita no artigo 400 do CPP, se refere tão somente a ordem das testemunhas, permitindo a inversão, contudo, jamais sendo autorizado que a testemunha seja ouvida após o interrogatório, mesmo se tratando de carta precatória.

Caso ocorra dessa forma, estará diante de uma grave violação ao contraditório e ampla defesa. Necessário que o réu seja o último a falar, pois tem que se defender de qualquer declaração de testemunha existente no processo, ou seja, o grande objetivo do interrogatório ser o último ato da instrução é para que seja garantido a ampla defesa. O réu precisa se manifestar sobre todas as provas que há contra ele ou até mesmo a seu favor.

O artigo 400 do CPP é claro, pois coloca a ressalva da carta precatória no momento a tratar das oitivas das testemunhas e, somente após passar pelos questionamentos dos peritos, acareações e reconhecimento, afirma categoricamente que em seguida ocorrerá o interrogatório.

Ao trazer que as cartas precatórias não suspendem a instrução, o CPP quis impedir que as testemunhas ouvidas na forma do artigo 222 prolongassem desnecessariamente a instrução, pois poderia violar a ordem das testemunhas. Mas jamais foi a intenção de violar uma garantia fundamental permitindo o colhimento das declarações das testemunhas após o interrogatório.

Importa trazer a destaque, trecho do voto do ministro Dias Toffoli, em sede do HC 166303/PR do STF, que trouxe, por maioria, a determinação do réu delatado se manifestar somente após o réu delator nas alegações finais.

No brilhante do voto do ministro, esse assim se manifestou:

“O contraditório se expressa no binômio ”informação necessária + reação possível“, ressalvando-se que ”esse segundo aspecto de mera oportunidade ou possibilidade de reação toma nuanças diversas em todos os processos em que se controverta em torno de uma relação jurídica indisponível, como é o caso do processo penal“. No processo penal, dado o risco de grave intervenção no direito fundamental à liberdade, a reação não pode ser meramente possível. O contraditório ”há de ser pleno e efetivo, indicando a real participação das partes na relação jurídica processual“ (GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do processo. In: Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 18 – grifos nossos).

[…]

No direito comparado, destaco que, nos Estados Unidos o direito a confrontar declarações incriminadoras de coimputado tem estatura constitucional. A Sexta Emenda estabelece que, em todas as persecuções criminais, o acusado terá o direito de ser confrontado com as testemunhas de acusação e de convocar testemunhas a seu favor (In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right (.) to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in his favor (…)).”

Não resta dúvida, ainda mais no momento hodierno, a necessidade em defender o contraditório, tornando-o eficaz dentro do processo penal. Não há como se admitir a realização do interrogatório, um meio de defesa, ser realizado antes mesmo das testemunhas serem ouvidas, em que pese as oitivas serem por carta precatória. O contraditório e a ampla defesa não podem ficar à mercê de uma formalidade que tem por propósito tornar mais fácil a oitiva de determinada testemunha que se encontra fora da jurisdição.

É claro e evidente que a ressalva no artigo 400 é somente com intuito de impedir que a inversão da ordem seja causa de nulidade, mas jamais violar o direito do réu de se manifestar após as testemunhas.

Insta frisar que, a expedição bem como a audiência em que será cumprida a carta precatória, faz-se necessária que ocorra a intimação da defesa do réu, para que este possa acompanhar, inquirir e seja tornada eficaz a ampla defesa. Com o cumprimento da carta precatória, não se vê necessidade da sua juntada para que ocorra o interrogatório, vez que a defesa já participou da oitiva. O que não pode ocorrer é a oitiva ser realizada após o interrogatório.

A jurisprudência, não obstante ser dominante, precisa ser revista e alterada com fito de impedir que a expedição de carta precatória não impeça a realização do interrogatório. É preciso garantir que o interrogatório seja o último ato, sendo realizado somente após o devido cumprimento da carta precatória, caso seja expedida.

___________

1 – STJ; AgRg-HC 520.310; Proc. 2019/0197682-1; PR; Sexta Turma; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 17/09/2019; DJE 01/10/2019.

2 – TJSC; HC 4022782-26.2019.8.24.0000; Balneário Piçarras; Terceira Câmara Criminal; Rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo; DJSC 16/08/2019; Pag. 565.

___________

*David Metzker é sócio advogado do escritório Metzker Advocacia.

Referências

Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

Comunidade Criminal Player

Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

Ferramentas Criminal Player

Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

  • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
  • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
  • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
Ferramentas Criminal Player

Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

  • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
  • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
  • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
  • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
  • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
Comunidade Criminal Player

Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

  • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
  • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
  • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
  • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
  • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
Comunidade Criminal Player

A força da maior comunidade digital para criminalistas

  • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
  • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
  • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

Assine e tenha acesso completo!

  • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
  • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
  • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
  • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
  • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
  • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
  • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

Quero testar antes

Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

  • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
  • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
  • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

Já sou visitante

Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.