Artigos Conjur – Inconsistências da imprescritibilidade no ressarcimento por improbidade

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Inconsistências da imprescritibilidade no ressarcimento por improbidade

O artigo aborda as inconsistências da tese da imprescritibilidade no ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade, discutindo a necessidade de uma sentença condenatória transitada em julgado para justificar essa imprescritibilidade. Os autores argumentam que sem a confirmação judicial da improbidade, os atos passam a ser considerados ilícitos civis comuns, sujeitos à prescrição, e defendem que a continuidade da pretensão de ressarcimento é questionável quando o agente não pode ser punido. A análise propõe uma reinterpretação que garante a integridade do ordenamento jurídico vigente, alinhando-o às diretrizes constitucionais.

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De acordo com o § 5º do artigo 37 da Constituição, cumpre à lei estabelecer “[…] os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Com base nessa ressalva realizada ao final do dispositivo quanto às ações de ressarcimento, firmou-se o entendimento do caráter imprescritível da pretensão do Estado ao ressarcimento de prejuízos causados ao erário por atos de improbidade.

Embora discordemos frontalmente desses entendimentos, o objetivo aqui não é expor as razões dessa discordância, mas explorar as consequências dessas teses e algumas inconsistências geradas [1].

No Direito brasileiro, a prescrição é sempre a regra e a imprescritibilidade a exceção. Tanto que a pretensão de reparação de danos causados à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil é prescritível, conforme já decidiu o STF no Tema de Repercussão Geral nº 666. Ou seja, somente aqueles danos decorrentes de ato ímprobo doloso é que estão abarcados pela tese da imprescritibilidade. E é aqui que as coisas começam a se mostrar problemáticas.

Se o STF condiciona expressamente a imprescritibilidade à situação fática do dano ser decorrente de ato doloso de improbidade, nos parece incontestável que, primeiro, é preciso que esteja configurada a prática do ato. Só há que se falar em imprescritibilidade se o dano estiver fundado em ato ímprobo. Ocorre que, por sua vez, a caracterização do ato de improbidade depende da existência de sentença condenatória transitada em julgado. Afinal, não há como se taxar de ímprobo um ato que não foi assim declarado em definitivo pelo Judiciário.

Sabemos da distinção que geralmente se faz entre a pretensão condenatória e a pretensão declaratória do ato de improbidade, sendo esta última a que se busca na ação de ressarcimento ao erário de danos causados por ato ímprobo já prescrito. Contudo, entendemos ser essa uma distinção artificial e que não se sustenta a partir de uma análise sistemática do ordenamento brasileiro. Seja em sua redação original ou em sua redação atual, a Lei de Improbidade, ao tratar de prescrição, o faz em geral, para a ação de improbidade, sem distinção entre as eventuais sanções passíveis de aplicação.

Ora, se a imprescritibilidade está condicionada ao reconhecimento da prática de improbidade pelo agente, caso prescrita a pretensão condenatória estatal como sustentar que a pretensão indenizatória daí decorrente é imprescritível? Como sustentar, como entende o STJ, que mesmo que o agente não possa sofrer as punições previstas na Lei de Improbidade, o ressarcimento dos danos causados é possível, pois imprescritível?

Se prescrita a pretensão de se declarar um ato como ímprobo, o exame do fato pelas autoridades para fins de punição resta vedado. E, sendo esse o caso, como pode ser possível a continuidade da pretensão de ressarcimento por supostos danos causados por um agente que não mais pode ser punido pelas supostas infrações que cometeu? Ênfase, aqui, no “supostos”. Se não há sentença transitada em julgado (e, especialmente, se nem sequer é possível ser proferida sentença em razão do advento da prescrição) não há formação de certeza sobre a ilicitude da conduta.

Levando à risca os entendimentos dos tribunais superiores, o que estamos fazendo é autorizar que um agente que não pode mais ser condenado pela prática de ato de improbidade seja condenado a ressarcir os danos causados pela prática desse ato – ato que, repita-se, juridicamente não existe! Jamais foi e jamais poderá ser caracterizado como improbidade pelo Poder Judiciário. Em outras palavras, uma condenação a ressarcir os supostos danos causados por um suposto ato que jamais foi reconhecido como antijurídico pela autoridade competente.

Relembremos que o STF condiciona a imprescritibilidade à prática de ato doloso de improbidade. Se esse ato não está mais sujeito à condenação e não foi reconhecido como tal pelo Poder Judiciário, nos parece que cai por terra qualquer alegação de imprescritibilidade da pretensão daí decorrente. Por essas razões, a nosso ver, a única forma de compatibilizar a tese da imprescritibilidade com a Constituição é a partir de um procedimento estruturado em duas fases: primeiro se declara como ímprobo o ato praticado pelo agente em sentença judicial transitada em julgado; e só então se reconhece a imprescritibilidade da pretensão indenizatória pelos danos ao erário causados por esse ato.

Sabemos que essa tese chegou a ser levantada no julgamento do Tema nº 897 e não prevaleceu, mas fato é que essa é a única de forma de se compatibilizar a sua redação com a Constituição. Aqui está a tratar da utilização do instituto da interpretação conforme a Constituição, como mecanismo de manutenção da integridade e coerência do ordenamento.

Sem a declaração da natureza ímproba do ato simplesmente não há como se sustentar a imprescritibilidade do dano dele decorrente porque essa imprescritibilidade está condicionada à natureza ímproba do ato. A natureza ímproba do ato é condição de possibilidade para o reconhecimento da imprescritibilidade. Veja-se que no processo destinado à reparação dos danos a parte autora precisa, necessariamente, comprovar a prática de ato de improbidade pelo réu (ainda que a pretensão daí decorrente seja apenas declaratória). E é no mínimo ilógico que um acusado se defenda de uma pretensão prescrita (improbidade) para evitar uma consequência (ressarcimento) de uma condenação que não poderá existir.

Então, prescrito o ato de improbidade, quer dizer que o agente não pode mais ser condenado a ressarcir os danos causados aos cofres públicos? Não necessariamente. O único ponto é que, nesse caso, essa pretensão indenizatória não será imprescritível pois não satisfeito um requisito essencial para a aplicação do no Tema de Repercussão Geral nº 897: a caracterização de ato doloso de improbidade. Tanto é assim que, nesses casos em que identificada irregularidade, mas ausentes os requisitos para o ajuizamento ou o prosseguimento da ação de improbidade, deve o juiz convertê-la em ação civil pública (§ 16 do artigo 17 da Lei nº 8.429.92).

E como o ato não mais pode ser caracterizado como ímprobo, somente pode ser considerado um ilícito civil “comum” e, portanto, sujeito ao Tema de Repercussão Geral nº 666: “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

À luz de todo o exposto, concluímos:

1. A tese da imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos decorrentes de ato de improbidade exige, para a sua aplicação sentença condenatória transitada em julgado reconhecendo a natureza ímproba do ato;

2. Sem a declaração da natureza ímproba do ato não há como se sustentar a imprescritibilidade do dano dele decorrente porque essa imprescritibilidade está condicionada à natureza ímproba do ato. A natureza ímproba do ato é condição da imprescritibilidade;

3. Prescrevendo a pretensão punitiva estatal, o ato somente pode se enquadrar na categoria de ilícito civil “comum” e, consequentemente, a ação de ressarcimento pelos danos causados é prescritível, nos termos do Tema de Repercussão Geral nº 666.

[1] Para entrar em contato com o nosso posicionamento, ver GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

Referências

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