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Dispensa indevida de licitação, por si só, configura ato de improbidade?

O artigo aborda a questão da dispensa indevida de licitação e seu relacionamento com a improbidade administrativa, concluindo que tal dispensa, por si só, não caracteriza ato de improbidade. Os autores explicam que é necessário demonstrar dolo específico do agente e dano patrimonial efetivo para que se configure improbidade, sendo insuficiente a mera dispensa sem a intenção de obter benefício. A análise exige uma consideração detalhada das circunstâncias específicas, conforme estipulado pela Lei de Improbidade.

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Iniciamos o artigo respondendo à pergunta que está no título: não. A mera dispensa indevida não configura improbidade. Chegar a essa conclusão, contudo, é um pouco mais complicado; e isto principalmente porque a dispensa indevida de procedimento licitatório pode se enquadrar em dois dos tipos previstos na Lei de Improbidade:

o inciso VIII do artigo 10, que qualifica como ato de improbidade que causa lesão ao erário a conduta de “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”; e o

V do artigo 11 da Lei de Improbidade, segundo o qual configura ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública a conduta de “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”.

Para piorar, os requisitos a serem preenchidos para a configuração dos atos de improbidade de que trata o artigo 10 não são os mesmos que devem ser preenchidos para a configuração dos atos de improbidade previstos no artigo 11, de modo que a análise deve ser individualizada. Vamos a ela.

Com a reforma trazida pela Lei nº 14.230/21, dois elementos principais devem estar satisfeitos para a configuração do ato de improbidade previsto no inciso VIII do artigo 10 da Lei nº 9.842/92: dolo específico do agente, consubstanciado na intenção livre e consciente de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade; dano patrimonial efetivo [1] decorrente da contratação irregular. Então, não. A mera dispensa, sem intenção do agente de obter proveito e demonstração de prejuízo aos cofres públicos, não incide do referido dispositivo.

Dano efetivo

Em outros textos publicados nesta mesma Conjur, discorremos sobre quando o dano ao erário é “efetivo”. A nosso ver, imprescindível a demonstração, por parte do órgão acusador, de que os valores envolvidos na contratação estavam fora dos padrões de mercado (superfaturados), ou de que não houve a prestação do serviço contratado. Somente quando comprovado que o Estado, de fato, dispendeu mais recursos do que deveria em uma determinada contratação (ou que os serviços não foram prestados) é que se verifica dano ao erário “efetivo” decorrente de contratação irregular, a justificar o enquadramento no inciso VIII do artigo 10 (ver aqui e aqui).

Diferente acontece com o inciso V do artigo 11, cuja violação não está condicionada à produção de dano efetivo ao erário. Mas, mesmo neste caso, a mera dispensa não é suficiente para fazer incidir as penalidades previstas na Lei de Improbidade. Por um motivo simples: com a Lei de Reforma, o dolo específico do agente deve estar presente para a configuração de quaisquer dos atos tipificados na Lei de Improbidade, estejam eles previstos nos róis dos artigos 9º, 10 ou 11.

Só há ato de improbidade quando o agente, de forma livre e consciente, pratica ato voltado a buscar um resultado tido como ilícito pela lei. E mais do que isso. Conforme já tivemos a oportunidade de apontar, “[…] o dolo contemplado pela Lei não é do tipo genérico (vontade de praticar a conduta, mas sem nenhuma finalidade específica), mas específico, isto é, exige-se que a conduta seja praticada com a finalidade específica de se obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (§§ 1º e 2º do artigo 11)”.[2]

É exatamente por isso que o § 2º do artigo 1º da lei estabelece que a mera voluntariedade do agente, sem a comprovação adicional de que essa vontade foi livre, consciente e direcionada à obtenção de proveito ou benefício indevido (dolo específico), não é suficiente para a configuração de ato de improbidade. Voluntariedade, no sentido de livre vontade de praticar determinado ato, não se confunde com dolo, ao menos não no sistema regido pela Lei de Improbidade.

Em conclusão, a mera dispensa indevida de procedimento licitatório não se enquadra nem nos termos do inciso VIII do artigo 10, nem nos termos do inciso V do artigo 11. No primeiro caso em razão de ser necessário tanto o dolo específico do agente quanto o dano patrimonial ao erário; no segundo caso, por se exigir a presença de dolo específico.

[1] Essa especificação (de que o dano deve ser efetivo) levou o STJ desafetar o Tema Repetitivo n. 1.096, que estava assim ementado: “Definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)”. Entenderam os Ministros que o legislador resolveu a controvérsia com a Lei de Reforma, afastando expressamente a possibilidade de condenação ancorada em dano presumido.

[2] GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Agusto Nazario de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 39.

Referências

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