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Custódia de provas obtidas através de espelhamento de aplicativo de mensagem

O artigo aborda a recente decisão do STJ que reconhece a licitude de provas obtidas via espelhamento de mensagens no WhatsApp, destacando a necessidade de autorizações judiciais e rigorosos procedimentos de custódia para garantir a integridade e autenticidade dessas provas. Enfatiza a diferença entre espelhamento e interceptação, pois o primeiro permite modificações nas comunicações, o que exige cuidados adicionais para evitar contaminações nas evidências. A análise conclui que peritos oficiais devem ser responsáveis pela condução do espelhamento, assegurando confiabilidade no processo penal.

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Em maio de 2023 o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, integrante da 5ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisão monocrática (AREsp nº 2.257.960/MG), reconheceu como lícita a prova obtida por meio do espelhamento via Whatsapp Web.

A decisão se funda no fato que tal tipo de atividade tem alguns aspectos comparáveis com a atividade de interceptação (afinal se trata certamente de uma “interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”, conforme definida pelo artigo 1º, parágrafo único, da Lei 9.296/1996) e outros comparáveis com a atividade de ação controlada (artigos 8 e 9 da Lei 12.850/2013) e, sobretudo, de infiltração de agentes (artigos 10 a 14 da Lei 12.850/2013), onde pode haver interação entre agentes e investigados.

Apesar de certa semelhança entre o conceito de interceptação e aquele de espelhamento, por ambos estarem relacionados ao monitoramento oculto de comunicações em tempo real, existe uma diferença critica entre as duas atividades que faz com que não se possam considerar equivalentes.

De fato, o espelhamento é um procedimento invasivo que não somente permite o monitoramento oculto de comunicações (como na interceptação telefônica) mas também, o que é extremamente relevante, a alteração de tais comunicações por parte do agente que estiver monitorando, pois, através do espelhamento, via de regra, é perfeitamente possível inserir ou remover de forma permanente mensagens e arquivos anexados.

Ademais, uma vez realizadas tais eventuais inserções ou remoções através do espelhamento, é impossível determinar se a autoria das mesmas deva ser atribuída ao investigado (titular da conta no aplicativo de mensagens) ou ao agente que opera o espelhamento.

Ou seja, na execução do espelhamento, para se ter certeza da não ocorrência de interferência do agente no teor e conteúdo das comunicações (que poderia acabar atribuindo ao investigado, fatos ou ações que este desconhece), devem-se tomar cuidados redobrados.

Por quanto acima, entendo certamente necessário que sejam aplicadas as modalidades de autorização judicial e demais regras previstas pela Lei 9.296/1996 e, na autorização judicial, devam ser especificados limites, alcance e modalidades de execução de tal procedimento e, se do caso, analisados também os demais requisitos previstos nos artigo 10 e 10-A da mencionada Lei 12.850/2013.

Contudo, tal autorização judicial não é esgota as questões relativas a validade e admissibilidade das provas obtidas através de espelhamento de aplicativo de mensagens.

Com efeito, parece-me evidente que o fato que tal tipo de prova, obtida com as devidas autorizações judiciais, de acordo com a decisão do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, seja considerada admissível, não faz com que passe a ser dispensável a adoção dos apropriados procedimentos de custódia de tal prova (previstos pelos artigos 158-A a 158-F CPP), de forma a garantir sua origem, autenticidade, integridade e integralidade e permitir, assim, o exercício dos princípios do contraditório e ampla defesa, entre outros.

O produto original do procedimento de espelhamento pode ser um arquivo de texto, um arquivo HTML (formato de navegadores internet, sendo similar ao arquivo de texto e editável da mesma forma) ou ainda, em alguns casos, um arquivo de banco de dados ou, em casos extremos (para aplicativos que, comprovadamente, não permitam outras opções), um conjunto de imagens de tela capturadas de forma a garantir a presença da integralidade das mensagens. Ademais podem existir arquivos de vários tipos anexados as imagens que poderão vir a compor o acervo probatório.

Todos tais formatos são extremamente fáceis de serem editados e adulterados. Da mesma forma é extremamente provável que sejam editáveis e adulteráveis, além de substituíveis integralmente, também os eventuais arquivos anexados.

Todas estas edições e adulterações, via de regra, podem ser realizadas de forma indetectável, em função da natureza digital do material em foco.

Isso reforça a indispensabilidade da adoção de rigorosos procedimentos de custódia ao longo do todo o período de “espelhamento”, sem os quais não será possível ter garantias de autenticidade, integridade e integralidade da prova, fazendo com que a mesma não seja confiável e, por isso, inadmissível.

Com base nas considerações acima, entende-se que, para oferecer as necessárias garantias de autenticidade, integridade e integralidade, os procedimentos de “espelhamento” de aplicativo devem ser realizados diretamente por peritos oficiais do Instituto de Criminalística competente (artigo 158-C CPP), que, após realizar os devidos procedimentos de custódia do material digital assim produzido (capturas das conversações e eventuais arquivos trocados), repassarão cópia de tal material à autoridade investigadora.

Até o próprio procedimento de ativação do espelhamento deverá ser realizado por perito oficial, por meio do celular “temporariamente” apreendido pelas autoridades, que deverá chegar em suas mãos devidamente lacrado e custodiado, de forma a garantir que nenhuma mensagem ou arquivo tenha sido excluído (eventualmente em data remota) ou adicionado à conversação.

Afinal o próprio Código de Processo Penal, no mencionado artigo 158-C, define, de fato, os peritos oficiais e o instituto de criminalística como os únicos agentes responsáveis pela custodia e manutenção da integridade das provas penais, evidentemente por serem considerado isentos e não cognitivamente contaminados em relação as investigações em andamento.

No processo penal a confiabilidade da produção probatória não pode ser deixada ao acaso nem entregue descontroladamente aos mesmos agentes que, por estarem envolvidos nas investigações, podem se encontrar em situação de contaminação cognitiva (em consequência de convencimento empírico, de intuição ou de construção de hipóteses) e ter potencial interesse em confirmar determinadas teses acusatórias.

Não se pode esquecer que, nas palavras do ministro Ribeiro Dantas (no julgamento do AREsp nº 1.936.393/RJ em 23/08/2022), “É ingênua e irreal a ideia de que policiais nunca mentiriam em seus testemunhos ou que nunca teriam motivos para incriminar falsamente um réu que não conhecem”.

Basicamente, para que o material coletado através de espelhamento tenha valor probatório, este deverá preencher as exigências relativas aos princípios que o professor Geraldo Prado define como “mesmidade” e “desconfiança”, ou seja, a garantia que a prova que chega ao processo seja exatamente e integralmente aquela que foi colhida e a necessidade que tal prova possa ser “acreditada” superando um procedimento que demonstre, de forma inequívoca, que corresponde ao que a acusação alega ser.

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