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Muniz: Prisão cautelar não pode ser mais rígida que prisão-pena!

O artigo aborda a decisão da ministra Rosa Weber no HC 196.062/SP, que revogou a prisão preventiva de um condenado em regime semiaberto, defendendo que a prisão cautelar não deve ser mais severa que a pena imposta. Analisa a importância do princípio da presunção de inocência e os limites da prisão preventiva, destacando questões sobre proporcionalidade e a necessidade de respeito aos direitos fundamentais. Enfatiza que a manutenção de uma prisão mais rígida em relação à pena condenatória fere a dignidade humana e viola normas constitucionais.

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Nos autos do HC 196.062/SP, julgado em 22/1/2021, a ministra Rosa Weber, da Suprema Corte, decidiu, de ofício, pela revogação da prisão preventiva de um condenado a cumprir pena em regime inicial semiaberto, a quem foi negado o direito de recorrer em liberdade.

O STJ entende que, por ocasião da sentença condenatória, é cabível a manutenção da prisão cautelar, desde que ainda existentes os motivos autorizadores da segregação. Faz a ressalva, todavia, que caberia ao Judiciário adequar a prisão preventiva aos termos do regime de cumprimento de pena imposto no decreto condenatório recorrível. Adiantamos que se trata de uma alternativa sem aplicabilidade prática, mormente quando sabemos que o STF (MC/ ADPF n°347) já declarou o sistema penitenciário brasileiro como “estado de coisas inconstitucional”.

A divergência jurisprudencial apresentada é de suma relevância, pois trata dos limites entre o ius puniendi estatal e o ius libertatis do imputado, sendo importante compreender as razões do acerto da posição ratificada na recente decisão da ministra Weber, que adequadamente concretiza o princípio da presunção de inocência.

Elemento estruturante do Estado democrático de Direito, o princípio constitucional e convencional da presunção de inocência implica ser a liberdade a regra no processo penal e a prisão preventiva uma exceção, que somente deve ser aplicada com fins endoprocessuais e em caráter subsidiário, ou seja, quando a questão não encontrar guarida em outra medida cautelar e for estritamente necessária a privação da liberdade.

Leciona Maurício Zanoide de Moraes: “A presunção de inocência é direito fundamental que pode ser restringido, desde de que de maneira excepcional, prevista em lei justificada constitucionalmente e aplicada de modo proporcional por decisão judicial motivada em seus designios juspolíticos. Importante, pois, deixar claro que a efetividade é a regra; excepcionalmente se pode restringi-la” [2].

Com efeito, na dialética que se estabelece entre prisão provisória e liberdade individual, percebe-se que “a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face de sua evidência” [3]. Vislumbra-se, entretanto, no cotidiano judicial brasileiro, uma verdadeira banalização das prisões preventivas, aplicadas e mantidas muitas vezes com cariz de pena antecipada, para suprir a ineficiência estatal no seu papel de garantir a segurança pública da sociedade e combater a criminalidade.

O artigo 283 do CPP elenca as três formas de prisões constitucionalmente admitidas no processo penal: prisão em flagrante, prisão cautelar (preventiva ou temporária) e prisão-pena. Essa modalidade de segregação só é admissível por expressão literal da CF (artigo 5º, inc. LVII) após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Outrossim, conforme atual entendimento do STF, fica rechaçada a possibilidade de execução provisória da pena, por configurar violação ao princípio da presunção de inocência enquanto norma de tratamento: o acusado deve ser tratado como inocente durante todo o procedimento de apuração da culpa e somente um sentença judicial transitada em julgado que concluir pela sua condenação tem o condão de lhe declarar culpado.

A prisão-pena funda-se em um juízo de verdade, colhido após a instrução processual, no qual garante-se ao acusado a oportunidade de produzir provas, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, ao passo que a prisão preventiva baseia-se em um juízo de periculosidade processual, que não se confunde e nem se mescla com o juízo de culpabilidade.

Destarte, não há justificativa para que uma medida cautelar — no caso, a prisão preventiva — seja mais gravosa do que a pena imposta em uma sentença condenatória, ainda que recorrível. Dito de outro modo: caso determinado o regime semiaberto ou aberto para o cumprimento da pena, incabível a manutenção da prisão preventiva outrora decretada, devendo ser reconhecido o direito do réu recorrer em liberdade, salvo a existência de outras decisões em processos distintos a justificar a manutenção da reclusão do réu. Pensar o contrário implicaria violação ao princípio da proporcionalidade, bem como admissão de execução provisória da pena.

Colaciona-se aqui excerto do voto do ministro Edson Fachin nos autos do HC 165.932/SP: “A manutenção da prisão preventiva, própria das cautelares, representaria, em última análise, a legitimação da execução provisória da pena em regime mais gravoso do que o fixado no próprio título penal condenatório”.

Não haveria lógica em que o réu preso provisoriamente continuasse encarcerado em regime mais severo do que o ditado em seu decreto condenatório. É inerente à prisão cautelar a necessidade de sua constante revisão ao longo da persecução penal, tendo como parâmetro para analise de sua proporcionalidade a pena prevista em abstrato para o tipo legal de crime ou a cominada por decisão judicial condenatória recorrível.

Nesse sentido são as palavras do ministro Dias Toffoli nos autos do HC 141.292/SP:

“A situação traduz verdadeiro constrangimento ilegal, na medida em que se impõe ao paciente, cautelarmente, regime mais gravoso a sua liberdade do que aquele estabelecido no próprio título penal condenatório para o cumprimento inicial da reprimenda, em clara afronta, portanto, ao princípio da proporcionalidade”.

Adverte-se que situação diversa é a possibilidade do magistrado, que condenou o réu em regime inicial semiaberto ou aberto, decretar medida cautelar diversa da prisão. Para tanto, é necessário que tal medida não seja mais severa do que a sanção penal imposta na sentença e ainda exige-se que esteja fundamentada a existência contemporânea do periculum libertatis — consagração do princípio da atualidade (312, §2° do CPP).

Outrossim, a ilegal manutenção da prisão preventiva, nos casos de fixação de regime inicial da pena no regime semiaberto ou aberto, além de configurar afronta ao princípio da proporcionalidade e violar o direito fundamental à liberdade do réu, ainda implica o abarrotamento de recursos nos tribunais e aumento do número de presos no caótico sistema prisional brasileiro.

Em arremate, pensamos ser correto o posicionamento do STF de entender pela incompatibilidade entre a manutenção da prisão preventiva e um decreto condenatório a ser cumprido em regime inicial semiaberto ou aberto. A manutenção de prisão preventiva, a despeito da fixação de regime semiaberto/aberto para o cumprimento da pena, não encontra guarida no ordenamento jurídico, afronta o princípio da proporcionalidade e configura violação ao direito fundamental de liberdade.

A função punitiva estatal deve ser parametrizada pelo respeito à teleologia do direito penal e o almejado equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade [4], parametrizado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e por toda uma panóplia de princípios implícitos e explícitos no texto constitucional. Entretanto, em épocas de convulsões sociais e aumento da criminalidade, são comuns os influxos de um discurso punitivista que busca mitigar os direitos fundamentais a partir de interpretações regressistas e, assim, alterar os parâmetros de legitimidade da decisão judicial.

[1] HC 165.932/SP, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática, DJe 14.12.2018; HC 141.292/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe 23.5.2017; HC 115.786/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 20.8.2013; e HC 114.288/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 07.6.2013

[2] MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 342:

[3] TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 162.

[4] Acerca da dialética entre responsabilidade e liberdade, vide NEVES, A. Castanheira. Entre o legislador, a sociedade e o juiz ou entre sistema, função e problema – os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito. In Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXIV. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 18

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