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Lei da violência contra a mulher: Inaplicabilidade da lei dos juizados criminais

O artigo aborda a Lei 11.340/2006 e sua inaplicabilidade em relação à Lei dos Juizados Criminais, ressaltando que crimes de violência doméstica contra a mulher não admitem soluções conciliatórias e institutos despenalizadores previstos na legislação anterior. Os autores, Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes, argumentam que a nova lei impõe um processo penal mais rigoroso, destacando a mudança na natureza da ação penal e as medidas específicas, como a prisão preventiva, voltadas à proteção das vítimas. Além disso, discutem as consequências práticas da legislação, que busca efetivar a proteção da mulher em situações de violência.

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Lei da violência contra a mulher: Inaplicabilidade da lei dos juizados criminais

Alice Bianchini*

Luiz Flávio Gomes** Cuiabá (MT) inaugurou (pelo Provimento 18/6) o primeiro Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher no mesmo dia em que entrou em vigor a Lei 11.340/2006 (clique aqui). A partir de estudos e proposição formulada pela Desa. Shelma L. de Kato, formalmente nasceu com toda estrutura necessária para equacionar, de forma eficaz, o gravíssimo problema da violência doméstica contra a mulher. Que todos os Estados brasileiros sigam o exemplo matogrossense.

Nos termos do art. 41 da Lei 11.340/2006, “aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099 (clique aqui), de 26 de setembro de 1995”.

Esta última foi a lei que introduziu no Brasil os juizados especiais criminais, ou seja, a que criou um novo devido processo penal, de cunho consensual. Na primeira fase do seu procedimento está prevista uma audiência de conciliação, que visa a obtenção da composição civil assim como a transação penal. Quatro são os institutos despenalizadores contemplados na mencionada lei: 1º) composição civil extintiva da punibilidade quando se trata de ação penal privada ou pública condicionada (art. 74); 2º) transação penal (art. 76); 3º) exigência de representação nas lesões corporais leves ou culposas e 4º) suspensão condicional do processo (art. 89). Além desses institutos despenalizadores, o art. 69 e seu parágrafo prevê uma medida descarcerizadora (ou seja: não cabe prisão em flagrante nos casos de infração de menor potencial ofensivo).

Diante do que ficou proclamado no art. 41 acima transcrito, todos os institutos que acabam de ser elencados não mais terão nenhuma incidência quando se trata de “crime praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher”. Está vedada qualquer possibilidade de consenso. O primeiro grupo de delito que deixou de admitir o chamado espaço de consenso foi o militar (Lei 9.839/1999 – clique aqui). Seguiu esse mesmo caminho agora a Lei 11.340/2006. A partir dessa opção legislativa temos que extrair uma série enorme de conseqüências. Dentre elas poderíamos recordar as seguintes:

No caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher não mais se lavra o termo circunstanciado (mesmo quando a infração não conta com pena superior a dois anos), sim, procede-se à abertura de inquérito policial. Já não se pode questionar, de outro lado, o cabimento da prisão em flagrante, lavrando-se o respectivo auto. Uma vez concluído o inquérito, segue-se (na fase judicial) o procedimento pertinente previsto no CPP. A ação penal nos crimes de lesão corporal dolosa simples contra a mulher nas condições previstas na Lei 11.340/2006 passou a ser pública incondicionada (note-se que a mudança na natureza da ação só tem pertinência nos crimes dolosos, porque nestes tem relevância a situação da mulher como vítima; parece não ter nenhum sentido qualquer alteração nos crimes culposos, que não justificam o afastamento da exigência de representação). Apresentada em juízo a denúncia, está iniciado o processo judicial que terá tramitação normal, de acordo com o devido processo legal. Não pode ter incidência o instituto da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), mesmo que presentes seus requisitos.

Considerando-se a impossibilidade de qualquer solução conciliatória, se no final advém sentença condenatória contra o agressor cabe ao juiz examinar a possibilidade de aplicar o sursis ou mesmo o regime aberto. Esses institutos não foram vedados pela nova lei. Sabe-se que depois da reforma do CP que ampliou a aplicação das penas substitutivas, o sursis resultou esvaziado. Considerando-se, entretanto, que não cabe penas substitutivas nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa (CP, art. 44), não há dúvida que o provecto sursis voltará a se revestir de importância ímpar nos delitos “contra a mulher” cometidos a partir de 22.9.06 (essa é a data de vigência da nova lei).

Apesar da impossibilidade de aplicação das penas substitutivas aos crimes violentos, mesmo assim, o legislador, para demonstrar sua intenção inequívoca de acabar com a possibilidade de incidência das penas alternativas da lei dos juizados, no art. 17 vedou qualquer tipo de cesta básica ou prestação pecuniária ou mesmo só o pagamento de multa. Esse dispositivo reforça o que ficou determinado no art. 41. Cabe sublinhar que esse dispositivo, de qualquer modo, tem aplicação mais ampla do que parece. Ele veda as penas mencionadas em qualquer tipo de violência doméstica ou familiar, ou seja, tais penas não terão incidência seja no caso de violência física ou grave ameaça, seja no caso de outras violências (a moral, por exemplo, que é retratada no crime contra a honra, v.g.).

No que diz respeito aos delitos praticados até o dia 21.9.06, impõe-se a aplicação da legislação anterior, mais benéfica (juizados criminais, penas alternativas etc.). A lei nova (Lei 11.340/2006) é mais severa, logo, em todos os pontos em que prejudica o réu não retroage.

Por força do art. 41 antes citado somente os institutos e o procedimento da Lei 9.099/1995 é que não terão aplicação a partir de 22.9.06. Daí se infere que outros institutos penais, não contemplados na referida lei, continuam tendo incidência normal. Dentre eles destacam-se o princípio da insignificância assim como as escusas absolutórias (CP, art. 181). Não há nenhuma dúvida que o fato será atípico quando se tratar de lesão ínfima, nímia ou de bagatela. E é certo que o princípio da insignificância exclui a tipicidade penal (mais precisamente: a tipicidade material – STF, HC 84.412, rel. Min. Celso de Mello).

Prisão preventiva: a nova lei faz referência à prisão preventiva em vários momentos (arts. 20 e 42, v.g.). Mas nesse contexto da violência contra a mulher em ambiência doméstica ou familiar referida prisão conta com uma finalidade muito especial: a de garantir a execução das medidas protetivas de urgência, previstas nos arts. 18 e ss. Essa é uma nova motivação autorizadora da prisão preventiva no Brasil. Não há dúvida que o juiz deve fundamentar essa medida cautelar pessoal. Aliás, tríplice é a fundamentação: fática (impõe-se descrever com precisão os fatos ensejadores da medida), legal (finalidade de assegurar a execução das medidas protetivas de urgência) e constitucional (demonstração da necessidade concreta da prisão, visto que se trata de uma medida de ultima ratio). A decretação ou revogação da prisão preventiva, de outro lado, sempre é regida pela regra rebus sic stantibus, isto é, o juiz poderá revogá-la se no curso do processo verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem (art. 20, parágrafo único).

A ofendida, ademais, deve ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público (art. 21).

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*Consultora e Parecerista e Coordenadora dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

** Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

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